10 de set. de 2013

4ª PARTE – MINISTÉRIO DE JESUS NA GALILEIA (4, 14 – 9, 50)

Início da pregação (4, 14-15) Jesus dá início à sua tarefa missionária, impelido pelo Espírito, manifestando-se através da Sua Palavra e da Sua acção, levando a salvação a todos os homens e ajudando estes a compreender progressivamente o Seu mistério. Jesus em Nazaré (4, 16-30) Esta cena é o pano de abertura para a missão evangelizadora de Jesus: caracterizando o que será a mensagem de Jesus – a salvação para todos - e a forma como esta vai ser acolhida, com forte oposição de Israel. Começa a pregar na sinagoga num dia de sábado, como também o apóstolo Paulo fará mais tarde (Act 13, 14-41). v.18-19) Jesus lê a passagem do profeta Isaías (Is 61, 1-2 e 42, 7), que evocava a consagração de um profeta. Tal como um profeta, Jesus recebeu o Espírito no Baptismo para proclamar a Boa-Nova aos pobres e para oferecer a liberdade e a luz a todos os necessitados. v.19-21) Jesus não é, no entanto, um profeta qualquer, pois recebeu a unção do Espírito de forma plena do Pai, pelo que, com Jesus começam os tempos de graça, a que se refere como “ano favorável” (ano jubilar, celebrado a cada cinquenta anos). Mas este ano é o “hoje” da salvação, e ao anunciar a chegada deste tempo, Jesus procura apelar à conversão, “porque está próximo o Reino de Deus” e anunciar que esta salvação chega por meio d’Ele, tornando-se o centro da mensagem. v.22-23) As pessoas não têm uma reacção positiva, pois não compreendem quem é verdadeiramente a pessoa de Jesus: pedem-lhe milagres, apelando ao seu direito de compatriotas, não se abandonam verdadeiramente ao seu projecto de salvação. v.24-27) Jesus reconhece que os corações das pessoas da sua terra não estavam abertos para O ver de verdade e para abraçar a conversão: contesta este direito de compatriotas que reclamavam, referindo de forma velada, e através de exemplos do passado, que a salvação virá para os pagãos porque estes é que a conseguirão acolher de coração livre e aberto. v. 28-30) A reacção do povo é uma antevisão do que acontecerá na Paixão, pois já pretendem matá-lo. Israel não percebe que Jesus é a própria mensagem de salvação, e esta é muito mais importante do que os milagres que realiza. Por isso, Jesus será rejeitado pelo Seu povo e crucificado.

4 de set. de 2013

3ª PARTE – PREPARAÇÃO PARA O MINISTÉRIO (3, 1 – 4, 13)

LUCAS segue o caminho das outras narrativas da tradição evangélica, situando a pregação de João Baptista antes do começo da missão de Jesus. Estes elementos – a pregação do Baptista, o baptismo de Jesus e as tentações no deserto – conferem sentido a toda a missão e constituem o prelúdio da mesma. LUCAS preocupa-se em apresentar João como o precursor do anúncio da salvação de Deus para todos os homens, que se revelará em Jesus Cristo. João não é Jesus, mas a sua pregação já faz parte da Boa-Nova que Jesus vem trazer para a humanidade. Pregação de João Baptista (3, 1-6) v. 1-2) LUCAS começa por situar a missão de João Baptista no tempo e no espaço, indicando a data com referência ao imperador Tibério, sendo correspondente ao ano 28 da nossa era. Indica quem governava a Judeia e as províncias respectivas: Pôncio Pilatos e os tetrarcas, estando Herodes responsável pela Galileia, e os pontífices - Caifás, que era o Sumo Sacerdote, e Anás, chefe do povo e sogro de Caifás. v. 3) João não é apresentado a pregar no deserto, mas antes nas margens do Jordão, uma zona bastante povoada. O verbo “pregar” (“kêrusso”) significa a proclamação pública de um arauto, sendo um verbo frequente no vocabulário cristão primitivo, associado aos Apóstolos e aos primeiros missionários. João pregava um baptismo de penitência, que era um sinal exterior da mudança de vida necessária para acolher o Messias que iria chegar. v. 4-5) João Baptista aplica o texto de Is 40, 3-5 a Jesus. O Senhor vai chegar e é preciso aplanar os caminhos para que Ele possa chegar até nós, retirando todos os obstáculos que nos afastam d’Ele – os nossos pecados e todo o mal que sentimos no coração. A imagem do monte e “colina abatidos" quer ilustrar que Deus vai abaixar as grandezas do mundo, chamando a humanidade à humildade e conversão. v. 6) Jesus é o portador da salvação de Deus, que chegará a todos os que seguirem o cominho de conversão. Julgamento e conversão (3, 7-14) v. 7-9) João adverte todos os ouvintes: os pecadores têm de se converter e não descansar na herança dos seus antepassados. O Senhor virá para todos os que tiverem sincero arrependimento, pois só estes conseguirão receber a Sua Palavra em seus corações. Os frutos de arrependimento são actos concretos que são sinal de uma mudança de vida verdadeira, aos quais João se refere nos v. 10-14. v. 10-14) João refere que a conversão é mesmo para todos, sobretudo para os que eram vistos como pecadores – cobradores de impostos e soldados. Os primeiros passos para a conversão consistem na partilha dos bens com quem precisa, na generosidade no seu trabalho de cada dia, deixando de lado o egoísmo, a ganância e a ambição desmedida. Anúncio da vinda do Messias (3, 15-18) v. 15) A designação de Messias (do hebreu Mashiah) era muito frequentemente associada a um salvador político da nação, mas tem o mesmo significado que o nome Christós, que é aquele que recebeu a unção divina. Percebendo que o povo estava na expectativa do Messias, João realça que é apenas o Seu precursor e a sua pequenez diante de Jesus. v. 16) Por isso, João designa Jesus de “forte”: enquanto João baptiza na água, um baptismo de conversão, Jesus baptizará no fogo, o baptismo no Espírito: inaugurado no Pentecostes, este baptismo purifica-nos e transforma-nos como seres novos diante de Deus, tornando-nos Seus filhos, para quem o Reino de Deus está reservado. v. 17) Em seguida, João evoca o juízo final, em que a escolha dos eleitos (o trigo) será feita e estes serão acolhidos no Reino de Deus, figurado pelo celeiro. Prisão de João Baptista (3, 19-20) v. 19) Mt 14, 3-4 e Mc 6 17-18 descrevem com mais detalhe as razões da prisão de João, que LUCAS prefere resumir. Herodíade era neta de Herodes, o Grande. Ela abandonou o marido, seu tio, para se juntar com o irmão deste, Herodes Antipas. João denuncia esta situação de adultério, algo que não agradou a Herodíade e Herodes, e que conduziu à sua prisão. v. 20) Com este episódio, LUCAS encerra a missão de João e escolhe fazê-lo antes do episódio do Baptismo de Jesus, para realçar que a missão de João e a missão de Jesus representam dois períodos distintos da História da Salvação. Baptismo de Jesus (3, 21-22) LUCAS não menciona o nome de João nesta passagem, pois com o baptismo de Jesus, termina o tempo de João. Separa, para acentuar a diferença, o baptismo de Jesus da teofania em que Deus revela a Jesus a Sua filiação divina. Ao receber o baptismo, Jesus manifesta a Sua solidariedade com o povo. O Seu baptismo é um acontecimento público que vem cumprir o baptismo do povo de Israel. Termina o movimento preparatório de conversão; segue-se o tempo messiânico. Jesus é ungido pelo Espírito e é reconhecido como Filho de Deus. O momento de oração é o momento deste encontro do Filho com o Pai, e a citação do Sl 2, 7 (“Tu és o meu Filho muito amado…”) indica a entronização messiânica de Jesus pelo Pai e o início da Sua missão. A Palavra do Pai é a revelação do mistério de Jesus por excelência. No entanto, Jesus só exercerá plenamente o seu poder real na glória pascal da ressurreição. Genealogia de Jesus Cristo (3, 23-38) A finalidade principal de uma genealogia no mundo bíblico é a de fundamentar o direito de posse de uma terra, ao estatuto sacerdotal ou até à legitimidade dinástica. LUCAS procura legitimar a messianidade de Cristo com a sua descendência davídica, através da apresentação da genealogia de Jesus. MATEUS também apresenta uma genealogia, mas ambas têm algumas diferenças: as duas genealogias apenas se cruzam nos nomes de José, na descendência desde Abraão até David e nos nomes de Salatiel e Zorobabel. LUCAS não apresenta alguns reis na genealogia, entre Salatiel e David, devido a algumas reservas perante a realeza do mundo terrestre, mas introduz alguns profetas, como Eli, Amós, Naum e Natan, pretendendo assim colocar Jesus mais na linha dos profetas do que na linha dos grandes do mundo terrestre. Outras diferenças são: - MATEUS conta 42 (3x2x7) gerações e LUCAS conta 77 (11x7) gerações; - MATEUS coloca a genealogia no início do evangelho, e LUCAS apenas o faz após a referência à filiação divina de Jesus no baptismo; - MATEUS liga Jesus a Abraão, enquanto que LUCAS liga Jesus a Adão, para realçar a Sua ligação com toda a humanidade. Jesus é o novo Adão, o protótipo de uma nova humanidade. Jesus tentado no deserto (4, 1-13) Jesus é conduzido pelo Espírito ao deserto, e é submetido à tentação, tal como Adão, referido na sua genealogia. Mas Jesus não cede à tentação e sai vitorioso do combate com o Mal. A permanência de quarenta dias evoca a estada do povo de Israel no deserto após a saída do Egipto, onde pecaram contra Deus que os salvou, ao adorarem um deus pagão. Esta vitória inicial de Jesus sobre as forças do Mal fundamenta os seus milagres e exorcismos posteriores. v.2) O inimigo oposto a Deus aparece na Bíblia com vários nomes, como Satanás, Belzebu e Belial. v.3-4) A filiação divina de Jesus é a primeira tentação que o diabo usa: porque não Jesus aproveitar esta filiação para escapar à fome e miséria dos homens? Jesus responde implicitamente que só Deus basta perante qualquer dificuldade e que não quer fazer milagres apenas para seu proveito. v.5-8) A segunda tentação que LUCAS apresenta – é a terceira em MATEUS - apoia-se no poder político sobre o mundo, algo que Jesus sabe ser fugaz e temporário e que vem apenas do mal. Esta tentação pressupõe que Jesus ainda não alcançou a Sua realeza, e a Sua recusa indica que este só quer receber a realeza que vem do Pai, segundo o caminho da pobreza, do sofrimento e da cruz. v. 9-12) A terceira tentação refere-se ao espaço físico – Jerusalém – onde ocorrerá a Paixão de Cristo. O pináculo do templo era uma parte alta ou a cornija superior de uma das portas do Templo onde a multidão habitualmente se congregava. LUCAS coloca esta tentação em último lugar porque quereria sublinhar o que lhe parece ser a maior tentação para Jesus: a de renunciar à morte por ser Filho de Deus. Jesus recusa usar este título a Seu favor, respeitando a soberana liberdade e vontade do Pai. v. 13) O diabo surgirá noutros confrontos, tais como curas e exorcismos, mas o confronto final dar-se-á na Paixão, que culminará no triunfo definitivo da Ressurreição. LUCAS procura assim demonstrar que Jesus não quer aproveitar-se da Sua filiação divina, mas que a Sua vontade é a vontade do Pai e cumprir a missão messiânica. O poder do mundo é exposto como algo que vem do Mal e que devemos renunciar. Onde tantas vezes nós falhamos, Jesus mostra-nos, na Sua condição humana, que podemos sair vitoriosos, se repousarmos em Deus toda a nossa fé e toda a nossa vida. A introdução ao Evangelho termina com esta passagem. O Evangelho da infância mostrou o mistério de Jesus definido pelas mensagens dos anjos e dos profetas. As cenas do prelúdio da missão mostraram a consciência de Jesus da Sua missão a que o Pai o chama e a sua vitória radical sobre o Mal, que terá o seu expoente máximo na Paixão e Ressurreição.

2 de ago. de 2013

O NASCIMENTO DE JESUS

Nascimento de Jesus (2, 1-20)

A narrativa do nascimento e da circuncisão de Jesus encontra o seu paralelo na história de João Baptista (1, 57-66). Esta última passagem insiste na circuncisão do Menino porque é aí que se manifesta a intervenção de Deus: o inesperado acordo de Isabel e de Zacarias acerca do nome de João. No caso de Jesus, ao contrário, todo o interesse se concentra no nascimento (2, 1-17), comentado pela mensagem dos anjos (2, 8-17).
A originalidade deste nascimento torna-se presente se compararmos ao nascimento de João Baptista:
à João nasce confortavelmente na casa de Zacarias, enquanto que Maria não tem ninguém que a assista no parto e apenas tem uma manjedoura onde repousar Jesus;
à Os vizinhos e parentes acolhem João com júbilo, enquanto que apenas alguns pastores, pessoas marginalizadas na sociedade de então, vêm visitar o Menino Jesus quando este nasce.
Este simples nascimento contrasta com o cântico triunfal dos anjos, dando glória a Deus e à paz que este Menino pobrezinho vem trazer a todos os homens.

v. 1-2) César Augusto era o imperador romano de 30 a.C. a 14 d.C. O recenseamento a que LUCAS se refere, como abrangendo toda a terra, é um dos que César Augusto decretou em várias províncias do Império. Efectuado quando Quirino era governador da Síria (entre 4 e 1 a.C), este recenseamento da Palestina é colocado por volta do ano 6 d.C, dez anos após a morte de Herodes, o Grande. Trata-se de uma data aproximada, como preocupação em situar historicamente o nascimento de Jesus. Quanto ao estabelecimento da era crista, há um erro estabelecido por Dionísio, o Pequeno (séc. VI). Como os recenseamentos se realizavam de 12 em 12 anos, Jesus terá nascido no primeiro resenceamento, antes da morte de Herodes (4 a.C), por volta do ano 6 a.C.
v. 4) A cidade de David é Jerusalém, mas LUCAS atribui este título a Belém, seguindo o profeta  Miqueias em Mq 5, 1. “Beth-lehem”, que significa “casa do pão”,  situada a sete quilómetros de Jerusalém, foi o berço de nascimento de Booz, Jessé e David. Sendo Jesus da linhagem de David, nasceu na mesma cidade que este, realizando as profecias.
v. 7) “Filho primogénito” refere-se à aplicação da Lei a Jesus recém-nascido, é um título cristológico. Ao contrário de Isabel, Maria está a prestar os cuidados a Jesus sozinha. Sendo oriundo de Belém, José terá voltado para a sua casa paterna, uma casa tradicional da época, com um único compartimento e contígua a uma das covas que servia de estábulo. Não tendo lugar no quarto de hóspedes – “hospedaria” – talvez por estar cheio de familiares todos vindos para o recenseamento, teria ficado no estábulo. A tradição de uma gruta vem do séc. II.
v. 8) Os pastores não eram bem vistos em Israel, por viverem à margem da prática religiosa, “roubarem” pastos e trabalharem com animais impuros. Pertencem à classe dos “pequenos” e “pobres” para os quais nasceu Jesus, pelo que estes vêm adorar este Menino que veio para os salvar. Este acontecimento tem lugar durante a noite, como muitos acontecimentos da salvação. Perante as trevas, Jesus vem trazer a luz que nunca se apaga.
v. 9) “A glória do Senhor” é uma expressão bíblica que designa a manifestação visível de Deus. LUCAS atribui-a a Jesus na Transfiguração e na vinda escatológica.
v. 11) No AT, o título “Salvador” é atribuído a Deus e algumas vezes aos “juízes de Israel”. No NT, apenas LUCAS e JOÃO atribuem este título a Jesus, MATEUS e MARCOS afirmam apenas que Jesus salva os doentes. “Messias Senhor” é o título com que LUCAS indica que Jesus é o Cristo esperado e sugere o carácter divino da Sua realeza.
v. 14) A salvação trazida por Jesus é glorificada pelos poderes celestes. Este é sinal da paz messiânica, cujo termo são os homens amados por Deus.
v. 20) Canta-se a glória de Deus e os louvores de Deus perante as manifestações divinas testemunhadas por todos quantos assistiram ao nascimento de Jesus.

O Universo exulta de alegria: homens e Anjos, todos louvam e glorificam a Deus, pois começou a era jubilosa da salvação, onde todos os homens são chamados a ser felizes porque Deus os ama. E este amor é tão grande que Deus se fez homem e habitou entre nós, trazendo para todos a paz messiânica.



Circuncisão e apresentação de Jesus no templo (2, 21-27)

João Baptista foi anunciado no Templo, durante uma acção litúrgica; Jesus aparece agora no Templo, acolhido pelos profetas, representados por Simeão e Ana, e a este espaço voltará adiante. Aparece como um Menino indefeso, nas mãos dos seus pais, que o apresentam ao Pai, o submetem ao cumprimento da Lei e recebem os oráculos que lhe dizem respeito. A lei que leva os pais a irem ao Templo e o Espírito Santo que se manifesta em Simeão juntam-se para designar o novo Messias no coração da religião de Israel, o Templo.
v. 22-24) A apresentação do Menino no Templo não era requerida pela Lei, apenas a purificação da mãe. A Lei sobre os primogénitos indicava o pagamento de cinco siclos durante o mês após o nascimento (Nm 18, 15-16). As duas rolas ou pombas consistiam no oferecimento pela purificação da mãe (Lv 12).
v. 25-26) Simeão é descrito como justo e piedoso, por estar cheio do Espírito Santo. A consolação de Israel que ele esperava é a salvação que virá por meio de Jesus Cristo. É neste Menino recém-nascido que Simeão reconhece como o Messias do Senhor, “Luz das nações”, como proclama no cântico que dedica ao Senhor. Simeão, prestes a morrer, toma em seus braços toda a sua esperança.

Cântico de Simeão (2, 28-40)

v. 29-32) O cântico de Simeão sobre Jesus corresponde ao cântico de Zacarias sobre o seu filho João. Simeão saúda o Messias e revela aos pais algumas das características da missão de Jesus, que vem trazer a salvação de Deus a todas as nações, realçando o universalismo da vinda de Jesus, “Luz para se revelar às nações”.
v. 34-35) O oráculo de Simeão dirige-se a Maria, apresentando Jesus como sinal de divisão e de contradição, antevendo a rejeição do Messias por uma parte do povo de Israel. Esta rejeição será dolorosa para Maria, um preço a pagar pela missão de Jesus. Jesus vem trazer a salvação para todos, mas esta deverá ser acolhida livremente, podendo ser recusada. É uma chamamento pela fé que nem todos manifestarão. Esta divisão que Jesus vem trazer em Israel dará origem a uma nova Israel, da qual Maria será a mãe, pois esta vai superar a prova do sofrimento de ver o seu Filho morrer na cruz. Por isso, Maria estará no coração da Igreja nascente.
v. 36-38) Ana é apresentada como uma israelita exemplar que não se afastava do Templo. Esta mulher, com uma enorme espiritualidade e pureza interior, consegue reconhecer naquele Menino pequenino a salvação do povo de Deus, a redenção esperada de Israel.
v. 39-40) Jesus crescia como consequência da sua Encarnação. Existe um paralelo a Lc 1, 80 sobre o crescimento de João Baptista. A sabedoria e a graça de Deus são atributos de Jesus que vêm do contacto com o Pai e da Sua benevolência divina. João e Jesus crescem com a força do Espírito, e Deus-Pai vai enchendo com a Sua sabedoria e graça o seu Filho muito amado.

Jesus entre os doutores (2, 41-52)

No coração de Israel, o Templo, Jesus encontrava-se entre os doutores da Lei e todos se admiravam pela Sua inteligência, dom do Seu Pai que reconhece e ama, já na sua juventude.
v. 41) A Lei prescrevia que os judeus deviam fazer três peregrinações por ano a Jerusalém, na Páscoa, no Pentecostes e na festa dos Tabernáculos. Estas peregrinações acabaram por ser generalizadas a apenas uma vez por ano. As mulheres e as crianças menores de 13 anos estavam dispensadas; no entanto, os pais poderiam levar as crianças, desde que pudessem manter-se “aos ombros”, ou seja, perto de si.
v. 46-49) Os doutores da Lei ensinavam no pátio do Templo, recorrendo ao diálogo. Jesus estabelece um diálogo com os doutores da Lei aos 12 anos, idade em que qualquer adolescente ficava a ser adulto na Lei. Tal como o profeta Samuel (1 Sam 2, 26; 3, 19-20), Jesus é apresentado no Templo e também elogiado pela sua inteligência. Tal como Samuel se entregava ao serviço do Templo, também Jesus afirma os laços de dependência com o Pai (“não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai?”).

v. 49-51) “Meu Pai” aparece como primeira e última expressão de Jesus em LUCAS (23, 46; 24, 49). A filiação divina de Jesus é um mistério, por isso, incompreendido pelos pais, o que requer a meditação de Maria relativamente a todos os acontecimentos, procurando uma maior compreensão. Jesus mantém a submissão como filho obediente a seus pais, não esquecendo nunca a sua verdadeira condição divina e, simultaneamente, humana.


1 de ago. de 2013

ANÚNCIO DO NASCIMENTO DE JESUS E NASCIMENTO DE JOÃO BAPTISTA

Anúncio do nascimento de Jesus (1, 26-38)

Esta narrativa apresenta-nos uma revelação a Maria que diz respeito ao mistério de Jesus e, secundariamente, à vocação de Maria ao serviço deste mistério.
O texto segue a estrutura de cenas do AT (e.g. Jz 13; Gn 16, 17; Ex 3, 12) dos anúncios ligados a um chamamento ou vocação:
- aparição de um Anjo;
- anúncio de um filho providencial;
- vocação (“O Senhor está contigo”);
- oráculos messiânicos.

O texto começa localizando a cena no tempo e no espaço, Nazaré da Galileia:
v.26) A indicação “sexto mês” é feita a partir da concepção de João Baptista.
v.27) LUCAS realça a virgindade de Maria. Embora casada com José, Maria ainda não viveria em comum com José, pois era tradição haver um espaço de tempo após o casamento para a esposa ser introduzida na casa do esposo. Ela estaria, assim, no estado de pureza que permite acolher o Senhor no seu seio.
v.28) A saudação “salve” alude às saudações à “filha de Sião” encontradas em algumas passagens do AT (e.g. Zc 2, 14). A saudação do anjo é um convite à alegria messiânica. Maria é “cheia de graça”, pois é escolhida e amada por Deus, é sua predilecta, pelo que recebe a Sua graça. “O Senhor está contigo” é uma expressão presente frequentemente nas narrações de vocação (e.g. Ex 3, 12). “Bendita és tu entre as mulheres” pensa-se ter sido inserida posteriormente por influência das palavras de Isabel no v. 42.
v. 29) A perturbação de Maria, antes de uma reacção de medo, é uma atitude de reflexão sobre o mistério da mensagem que lhe foi dada e a sua interrogação interior sobre o sentido da vocação a que está a ser chamada.
v. 31-33) Embora haja semelhanças entre o anúncio do nascimento de Jesus e o anúncio do nascimento de João, o anúncio de Jesus está em estreita ligação com os oráculos proféticos (ver 2 Sam 7, 14.16 e Is 7, 14; 9,6), em que este é designado como o Messias, o Filho de Deus, da filiação divina, concebido por uma virgem.
v. 34) A pergunta de Maria não manifesta a incredulidade da de Zacarias, mas antes, a procura de esclarecimento e como introdução a uma revelação mais completa do mistério de Jesus que vai seguir-se. Enquanto Zacarias procurava um “saber” novo, para além do saber trazido por Deus, Maria pergunta apenas como se pode realizar o anúncio messiânico, visto ela ser virgem, referindo-se ao poder de Deus e como é possível tal maravilha.
v. 35) O Espírito Santo, que actua na criação e no ministério dos profetas, é o que intervém na investidura do Messias. “Estender a sombra” significa a presença eficaz de Deus no meio do Seu povo. Recorda a nuvem divina que manifestava a presença do Senhor sobre o tabernáculo do deserto. “Santo” é um dos atributos mais antigos que exprime a divindade de Jesus, significa a pertença total e exclusiva a Deus. A concepção virginal significa a união insondável de Jesus com Deus, seu Pai. “Filho de Deus” é uma designação do Messias e exprime a relação misteriosa que une Jesus a Deus – esta expressão sai apenas de Deus, de Jesus ou dos anjos em LUCAS. Este título aprofunda o de “Filho do Altíssimo”.
v. 38) “Serva” exprime uma atitude de fé e de amor, de posse incondicional por parte do Senhor. Maria conforma-se totalmente com o misterioso desígnio de Deus a seu respeito. “Servo de Deus” é um título de glória, não de humildade.

Podemos rever em Maria a perfeição do discípulo que ama o Senhor, que O serve incondicionalmente, e que na sua entrega total e com uma pureza interior plena, O acolhe em Seu coração, “dando à luz” os frutos deste Amor incondicional. Este Amor traduz-se no anúncio pleno e eficaz do Evangelho na sua vida e na de todos com quem se encontra diariamente.



Visita de Maria a Isabel (1, 39-45)

A visita de Maria serve de ponte entre os dois relatos da anunciação. O Anjo tinha dado um sinal a Maria e o desenvolvimento do relato requeria que esta fosse reconhecer o sinal de Deus, pelo que se dirige com pressa, sinal da sua fé e inteira disponibilidade perante a vontade de Deus.
v. 39) A cidade de Judá ou Judeia é identificada pela tradição como sendo Ain-Karim, a 6 km para oeste de Jerusalém.
v. 41) O encontro das duas mães é o encontro dos dois filhos. As duas servem uma missão que envolve os dois filhos. João “salta de alegria” no seio da sua mãe, pois começa o tempo da alegria messiânica. É o primeiro encontro de João com o Messias do qual será precursor e que define toda a razão da sua existência.
v. 42) João inaugura a sua missão profética pela boca da sua mãe, que ficara “cheia do Espírito Santo”. Uma saudação tem sempre a finalidade de desejar felicidade e a bênção divina: Isabel saúda Maria como a “mãe do meu Senhor”, reconhecendo o mistério de Maria e a presença do Senhor nela por obra do Espírito Santo.
v. 43) “Senhor” é um dos títulos que LUCAS atribui a Jesus desde o início da Sua vida terrestre, designando-o antecipadamente como o filho de Deus ressuscitado.
v.45) Ao contrário de Zacarias, Maria acreditou na palavra de Deus: é desta Fé total que lhe vem a felicidade e o cumprimento de toda a Palavra que o Senhor lhe anunciara.


Cântico de Maria (1, 46-56)

A primeira manifestação de João é seguida do Magnificat, e a primeira manifestação de Jesus no templo será acompanhada do Nunc Dimittis. Da mesma forma, o nascimento de João é seguido do Benedictus e o nascimento de Jesus do Glória dos Anjos. Estes hinos e cânticos são louvores perante a alegria messiânica do plano salvador de Deus para o Seu povo que se começa a revelar.
v. 46) O cântico de Maria – Magnificat – inspira-se sobretudo no cântico de Ana, em 1 Sm 2, 1-10, sendo um cântico de acção de graças. Com substrato nos salmos e nos profetas, este hino canta a gratidão e a exultação da mãe de Jesus e de todo o povo pelo cumprimento das promessas. Existem dois temas: a justiça de Deus, que socorre os pobres e pequeninos, e a Sua fidelidade e misericórdia ao povo das promessas. Talvez por isso este cântico Evangélico seja recitado nas Vésperas (Liturgia das Horas), recordando-nos sempre que Deus é justo, fiel e misericordioso para quem n’Ele acredita e que nada temos a temer ao cair do dia.
v. 54) Por isso, o AT (Israel) afirma que Deus “se lembra” porque é fiel às suas promessas e as executa infalivelmente.
v. 56) Maria ficou três meses com Isabel, isto é, até ao nascimento de João Baptista. A partida de Maria marca a conclusão da narração antes da passagem a outra. O Evangelho marca a distinção das cenas e acentua a separação do tempo de João do tempo de Jesus.


Nascimento e circuncisão de João Baptista (1, 57-66)

v. 60) Embora no AT o nome seja dado ao nascimento, segundo um costume judaico mais recente, era atribuído na altura da circuncisão. O nome foi atribuído pela mãe, algo que não era aceite na altura, pertencendo ao pai e seguindo a tradição.
v. 62-63) Além de mudo, Zacarias também ficou surdo, pelo que tinham de comunicar com ele por sinais.
v. 64-65) O acordo de Zacarias e de Isabel quanto ao nome de João, surge naquele momento, sem acordo prévio, o que é percebido como um sinal de Deus, provocando admiração e temor. O nome de João é um desígnio divino, o que leva os presentes a questionarem-se sobre quem será esta criança. Ao escrever o nome “João”, Zacarias afirma a sua fé e a sua boca abre-se.
v. 66) “Memória” pode significar “coração”, a sede de toda a vida íntima do ser humano: pensamento, recordação, sentimento, decisão. “A mão do Senhor estava com ele” significa que João é objecto da benevolência divina e inspira-se no AT, onde exprime a protecção de Deus sobre os seus fiéis e a sua acção sobre os profetas.


Cântico de Zacarias (1, 67-80)

v. 67) O cântico de Zacarias – Benedictus – é análogo ao cântico de Maria, sendo também uma acção de graças pela salvação messiânica e uma visão profética da missão de João Baptista. Aparece como paralelo aos oráculos de Simeão e de Ana sobre a missão de Jesus (2, 29-32). Este cântico Evangélico é cantado habitualmente nas Laudes (Liturgia das Horas), onde bendizemos e damos graças ao Senhor pela vida que nos dá e pelo Seu projecto de Salvação para todos nós.
O Benedictus é composto por duas longas frases de origem grega:
v.69-75 à Acção salvadora de Deus e Sua fidelidade e misericórdia para com Seu povo;
v.76-79 à Missão de João Baptista e anúncio messiânico.

v. 68) “Deus de Israel” é uma fórmula tradicional de bênção no AT. LUCAS é o único a utilizar a imagem da visita de Deus, que representa no AT uma intervenção favorável da benevolência divina ou com o sentido de castigo, mas aqui é uma visita portadora de salvação. O termo “redenção” significa no AT a salvação, a libertação do povo de Deus, mediante um resgate.
v. 69) “Salvador poderoso”, é a força de salvação suscitada por Deus na casa de David. É uma ideia messiânica que ocorre com frequência no AT, onde se anuncia o “Forte”, que será o libertador, o salvador.
v. 70-71) A salvação que é oferecida pela vinda do  Messias realiza a profecia do AT.
v. 72-75) Liga-se à ideia da visita ou da salvação (v. 68-69). Exprime a misericórdia de Deus e o cumprimento da aliança feita com Abraão. Livres dos inimigos, poderemos servir a Deus na santidade e na fidelidade. A salvação é o cumprimento da aliança.
v. 76-77) Referência à missão de João, o profeta que vem para preparar os caminhos do Senhor. João vem oferecer “o conhecimento da salvação”, de como Deus salvará o Seu povo pelo perdão dos pecados.
v. 78) “Sol nascente”, o surgir de um Astro, que na bíblia foi tomado como um título de Messias, que traria a luz (Ml 3, 20), o termo significa também “Rebento” que surge do tronco de David.
v. 79) A luz messiânica vem libertar-nos das trevas e conduzir-nos pelo caminho da paz. A paz é o dom messiânico por excelência.

v. 80) LUCAS encerra a narração sobre João Baptista, antecipando em resumo alguns dados da sua vida futura, anunciando a actividade do Baptista, o Precursor que nos dá a conhecer o caminho que nos pode conduz para fora do deserto do pecado em que nos deixamos ficar, que nos ajuda a ver e seguir a luz do Messias que nos traz a alegria da salvação de Deus Pai. 

12 de dez. de 2012

PRÓLOGO E EVANGELHO DA INFÂNCIA


1ª PARTE – PRÓLOGO (1, 1-4)
São Lucas é o único dos evangelistas que apresenta um prólogo antes do evangelho. Neste, ele anuncia o assunto sobre o qual vai escrever: o que significa para ele, a vida de Jesus e o nascimento da Igreja. Apoia-se na tradição, escrevendo de forma ordenada o que era ensinado na catequese da Igreja primitiva. Pretende confirmar o que as “testemunhas oculares” e os “ministros ou servidores da Palavra” relataram. Estes são os Apóstolos e o Evangelho que pregaram, bem como referência a fontes escritas como o Evangelho segundo São Marcos e outros escritos e testemunhos.
Seguidamente, refere o método utilizado. Foi uma pesquisa cuidadosa “desde as origens”, com um trabalho minucioso de historiador. Os “factos” narrados, referem-se à vida e missão de Jesus, testemunhados pelos discípulos de Jesus: são a Boa-Nova, o Evangelho que, em LUCAS é transmitido. Mas estes são apresentados, mais do que usando uma ordem cronológica, antes adopta um método pedagógico e bem pensado dos acontecimentos e da doutrina de Jesus.
Finalmente, LUCAS dedica o seu livro a “Teófilo”, que significa, em grego, “amigo de Deus”. Este é todo o cristão ou pagão, sobretudo no mundo grego do seu tempo, a quem LUCAS apresenta uma apologia da fé crista.


2ª PARTE – EVANGELHO DA INFÂNCIA (1, 5 – 2, 52)
A construção literária do evangelho da infância em LUCAS apresenta um paralelo entre João Baptista e Jesus Cristo. Os episódios têm correspondência paralela, o que evidencia a unidade de acção de Deus em João Baptista e em Jesus (ver tabela abaixo). A finalidade fundamental destas narrativas é a de apresentar o mistério de Jesus e, secundariamente, a missão de João Baptista, o Precursor, através de uma série de mensagens sobrenaturais pelos anjos, por algumas personagens, como Simeão e Ana, e finalmente, pelo próprio Jesus (2, 49).



Anúncio do nascimento de João Baptista (1, 5 – 25)
O começo da narrativa começa à maneira das antigas histórias bíblicas (“No tempo de Herodes”). Esta apresenta um processo de transformação de um vazio, representado pela esterilidade de Isabel, para um enchimento, representado pela aparição do anjo a Zacarias e realizado pela Palavra de Deus e pela gravidez de Isabel. Este processo entra em contraste pela segunda transformação, a mudez de Zacarias por não acreditar na Palavra de Deus. O nascimento de João vem trazer uma nova esperança, vem encher os corações do povo de Deus com a alegria do Messias que está para nascer.

v.5) Herodes, o Grande, filho do idumeu Antipas ou Antipater, foi nomeado rei da Judeia pelo Senado Romano em 40 a.C. (morto em 4 d.C.). Era um político hábil e um grande construtor. A classe de Abias, à qual pertencia Zacarias, era a oitava em 24 das classes que serviam o Templo.

v.7) A esterilidade era considerada motivo de humilhação, vergonha e castigo. Esta história apresenta semelhanças notáveis com a história de Sara e Abraão (Gn 18, 11), Rebeca (Gn 25, 21), Raquel (Gn 30, 22), a mulher de Manoah (mãe de Sansão - Jz 13, 2) e Ana (mãe do profeta Samuel - 1 Sam 1, 5) . Zacarias e Isabel representam a comunidade dos pobres e oprimidos, para quem Deus se volta e de onde nascerá João, o último profeta da Antiga Aliança.

v.9) Os sacerdotes entravam no altar de manhã e à tarde, quando era a oferta do sacrifício, para renovar as brasas e os aromas no altar do incenso, feito de ouro, que se encontrava no Santo dos Santos.

v.12) O “Temor” sentido por Zacarias era uma perturbação habitualmente sentida pelo ser humano no confronto com o mistério de Deus, presente em revelações, milagres e outras intervenções divinas. Deus comunica com o homem mediante o seu anjo, mas mais importante que a visão, que apenas serve de apoio, é a mensagem, comunicada por um autêntico mensageiro de Deus, que ocupa um lugar de honra, entre o altar e o candelabro de sete braços.

v. 13) Zacarias é tranquilizado com a fórmula habitual “Não temas”, usada pelos anjos nas aparições. A resposta de Deus à ignomínia de Zacarias e Isabel está contida no nome “João”, que significa “o Senhor faz graça” ou “Deus compadece-se”. Além de uma resposta à prece deste casal, este menino tem ainda uma missão especial.

v.14) “João” é o portador da alegria messiânica nas primeiras manifestações da vinda do Messias. Esta alegria é a resposta ao dom da salvação presente em Jesus Cristo.

v.15) A missão do Precursor é profética: mantém-se diante do Senhor como um Servo, é um asceta consagrado a Deus, e está predestinado pelo Senhor desde o ventre da sua mãe para uma especial missão.

v.17) A missão de João é semelhante aos antepassados Levi e Elias: levar Israel à conversão; abrirá o caminho para a chegada do Messias, que iniciará a História da libertação dos pobres.

v.19) O anjo Gabriel é enviado para anunciar a Boa-Nova. Enquanto que Marcos usa o termo “Evangelho”, Lucas utiliza os termos “Boa-Nova”, “evangelizar”, usando o verbo, e não a designação.

v.20) Perante a incredulidade de Zacarias, que pede um sinal  como se a palavra de Deus devesse justificar-se a si mesma, o dom divino faz-se acompanhar da retribuição, pois a palavra que fecunda Isabel encontra o sinal na mudez de Zacarias. Esta mudez perante a palavra de Deus não se trata tanto de uma punição, mas principalmente um sinal que permite guardar o segredo do nascimento, que será revelado a Maria apenas em altura própria, sendo esta a razão pela qual Isabel fica oculta durante cinco meses.

v.23) “Terminados os dias” é uma expressão que transmite a ideia da realização das profecias. João é, para LUCAS, o profeta escatológico de que fala Malaquias (Mal 3, 1.24). “Mais do que um profeta” (Mt 11, 9), João tem a missão de reconciliar e ajudar à conversão do povo de Deus para se prepararem para a vinda do Messias. João baptizou o Salvador e encaminhou para Ele os primeiros discípulos. A Igreja celebra o seu nascimento a 24 de Junho, no solistício de Verão, pois João é uma “lâmpada” cuja luz deve diminuir ao aparecer a Luz verdadeira (Jo 1, 8-9; Jo 5, 36; Jo 3, 30). João é modelo dos pregadores e dos crentes que devem desaparecer diante d’Aquele que anunciam, para “preparar os Seus caminhos”.

O anúncio do nascimento de João Baptista é o primeiro sinal da vinda de Messias, é um sinal de alegria e de esperança, no novo Messias que vai nascer. Tal como Isabel permanece oculta, também para nós o tempo do Advento é um tempo de recolhimento e de preparação para receber Deus “que nos vem visitar como sol nascente”. Como nos prepararmos devidamente para o receber? Podemos deter-nos na mensagem de conversão do coração que João nos vem trazer e procurar viver verdadeiramente esta mudança interior, esvaziando-nos do que não interessa, e enchendo-nos do Amor que Deus nos traz por meio do Seu “Filho muito amado”.
 


30 de nov. de 2012

UMA LEITURA DO EVANGELHO SEGUNDO SÃO LUCAS - Introdução

Inicia-se um novo ano litúrgico, no enquadramento do Ano da Fé que teve início no passado dia 11 de Outubro. A liturgia deste novo ano pertence ao Ano C, último ano do ciclo. Os Evangelhos do tempo comum são sobretudo retirados do Evangelho segundo São Lucas, sobre o qual vamos ler e reflectir ao logo do ano. Mas, primeiro, abordamos alguns dados sobre este Evangelho e o seu autor.

O Evangelho segundo São Lucas (LUCAS) e o livro dos Actos dos Apóstolos formam um conjunto composto pelo evangelista Lucas. O Evangelho apresenta o caminho de Jesus e os Actos apresentam o caminho da Igreja, formando no seu conjunto, o caminho da salvação do povo de Deus.
Geograficamente, o centro da acção é Jerusalém: esta cidade é o ponto de chegada de Jesus, onde se realiza plenamente a Sua missão na morte e ressurreição, e é o ponto de partida do caminho da Igreja, de onde partem os Apóstolos na Sua missão evangelizadora pelo mundo.

Sobre a origem e o autor

Segundo a tradição, o autor deste evangelho era Lucas, um médico gentio, logo não-judeu, convertido ao cristianismo. Pensa-se que possa ter sido discípulo de Paulo, pois surgem várias passagens em Actos sobre as missões de Paulo em que o narrador fala na primeira pessoa do plural, marcando a sua presença nestes acontecimentos. Além disso, pelo estilo de escrita, seria um homem instruído do mundo helenista, um artista dedicado e um historiador atento. Acima de tudo, ele é um crente que encontrou a salvação em Jesus Cristo, e a quem somente interessa segui-l’O.

LUCAS terá sido redigido por volta de 80-90 d.C., e era dirigido principalmente aos cristãos gentios (gregos), representados por Teófilo (Lc 1, 3), transparecendo este facto na língua, estilo, maneira de escrever e mentalidade presente na escrita. A língua principal é o grego, sendo mais semita quando cita as palavras de Jesus em aramaico ou hebraico. Apresenta narrações, parábolas, milagres e outros textos com as suas próprias introduções e conclusões, que não encontram paralelo nos outros evangelhos. Situa várias cenas em alturas que considera mais significativos (e.g. pregação na sinagoga de Nazaré muito antes do que em MATEUS). LUCAS tem uma preocupação mais ligada com o significado dos acontecimentos do que com a sua cronologia. A principal fonte utilizada por LUCAS, além dos testemunhos reais recolhidos, terá sido o Evangelho segundo São Marcos.

Sobre os objectivos e o conteúdo

LUCAS é uma história iluminada pela fé que apresenta a Boa-Nova da salvação centrada na pessoa de Jesus Cristo. Pensa na Igreja, cujos membros são chamados a acolher a mensagem salvadora na alegria e na conversão do coração. Por isso, é o Evangelho da misericórdia, da alegria, da solidariedade e da oração. A Boa-Nova transforma a vida das pessoas que a acolhem. A sua principal preocupação era mostrar que tanto os gentios e os marginalizados como os judeus fazem parte do plano de salvação de Deus realizado por Jesus Cristo. Por isso, este Evangelho louva figuras gentias como exemplos de fé, tais como o centurião romano e o samaritano, e mostra como Jesus amava as mulheres e os pobres, grupos marginalizados pela sociedade, tais como através dos episódios sobre mulheres (e.g. Maria e sua prima Isabel) ou sobre o pobre Lázaro, e perdoava os pecadores, como Zaqueu. Jesus em LUCAS é misericordioso, compassivo, com especial interesse pelos pobres, pelas mulheres e pelos não-judeus, é o “Senhor”, o “Salvador”. Em cada página de LUCAS irradia a alegria de Deus em salvar todos os homens. LUCAS apresenta um género “parenético”, pois na sua obra a exortação individual, religiosa e moral tem um lugar especial. Define a vida do discípulo pela conversão, pela caridade fraterna, manifestada na esmola, na oração, na renúncia e, sobretudo, na alegria do acolhimento da Palavra.

O tema central é a obra e pessoa de Jesus, mas com uma originalidade que se desdobra em etapas: os anúncios no Antigo Testamento e as mensagens no Evangelho da Infância; na realização destes anúncios durante a vida terrena de Jesus; no período que começa com a Páscoa em que Jesus actua como Senhor pelo Espírito.
A estas três etapas correspondem três fases sucessivas no percurso de fé do povo de Deus: Israel antigo, que detém as promessas de um Messias Salvador; os crentes que respondem ao chamamento de Jesus e se reúnem à sua volta; a Igreja convocada pelos Apóstolos a partir do Pentecostes.
LUCAS foi o que mais marcou as fases sucessivas da História da Salvação mas, ao mesmo tempo, proclama o “hoje” da salvação.



Estrutura do Evangelho segundo São Lucas

LUCAS é um dos Evangelhos sinópticos, organizando a vida de missão de Jesus no espaço de um ano, com uma única ida a Jerusalém. Divide-se da seguinte forma:

1ª Parte – Prólogo (1, 1-4): Anuncia o tema e o fim da sua obra.
2ª Parte – Evangelho da infância (1, 5 – 2, 52) de Jesus Cristo e de João Baptista.
3ª Parte – Preparação para o ministério (3, 1 – 4, 13) de Jesus.
4ª Parte – Ministério de Jesus na Galileia (4, 14 – 9, 50): Jesus com as multidões, com os primeiros discípulos e com os adversários; ensino dos discípulos e associação aos Doze.
5ª Parte – Subida de Jesus a Jerusalém (9, 51 – 19, 27): Jesus chama Israel à conversão.
6ª Parte – Ministério de Jesus em Jerusalém (19, 28 – 21, 38): ensino de Jesus no templo.
7ª Parte – Narrativa da Paixão (22, 1 – 23, 56).
8ª Parte – Narrativa da Ressurreição (24, 1-53).

13 de jul. de 2012

V. PAIXÃO E RESSURREIÇÃO

A secção V é o ponto de chegada do Evangelho, onde se realiza a Missão de Jesus de Nazaré, Messias, rei de Israel, Filho de Deus, Salvador do Mundo – a Paixão, a Morte e Ressurreição de Cristo.
O segredo que rodeia a resposta à questão central que o Evangelho propõe, será levantada: Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, pelo próprio perante o Sinédrio, e pelo centurião, ao pé da cruz. É também nesta parte que se verifica um isolamento completo de Jesus, abandonado pelos discípulos na hora da prisão. Porém, as mulheres compensam este abandono, acompanhando Jesus na Sua Paixão até à Ressurreição, assegurando a continuidade do testemunho.
A abundância de citações do Antigo Testamento serve para ajudar o crente, escandalizado pelo sofrimento de Jesus e toda a injustiça cometida, a compreender como esta Paixão pode entrar no desígnio de Deus.
As narrações dos outros Evangelhos apresentam muitas semelhanças com este relato, pelo que se pensa que Mc  pode ser o documento-base.


Mc 14, 1-2: Conspiração dos judeus

A Páscoa Judaica consistia na celebração e recordação da libertação de Israel da escravidão do Egipto, guiados por Moisés e a Aliança feita no deserto do Sinai. A Festa dos Ázimos (ou “pães sem fermento”) estava associada à Páscoa. Existiam dois momentos na celebração da Páscoa dos judeus: a imolação do cordeiro no Templo (no 14º dia de Nisan (Abril), na primeira lua cheia da primavera); comer o cordeiro numa refeição sagrada familiar ou em grupo. Desde o 14 até ao dia 21 não se podia comer pão com fermento.
A Páscoa de Cristo é a redenção que Cristo operou em favor de toda a Humanidade, cordeiro imolado por todos, morrendo e ressuscitando, libertando-nos todos do pecado para a vida eterna.



Mc 14, 3-9: Unção de Betânia

v. 3: Pensa-se que a mulher de Betânia seja Maria, irmã de Marta e Lázaro, amigos de Jesus, pelo que este episódio deve ser diferente do de Lc 7, 36-50, que refere-se a uma pecadora anónima.
v. 6: No Evangelho de São João, a indignação parte de Judas Iscariotes.
v. 7-8: “sempre tereis pobres entre vós”: existirão sempre pobres para ajudarmos, como diz em Dt 15, 11. Perante Deus vivo, que está quase a partir, o acto de Betânia é também um acto de misericórdia, não um desperdício. É louvar e glorificar o Messias que está entre nós, é um acto de fé em Cristo.
O acto da mulher de Betânia é um gesto de reconhecimento de Jesus como o Messias-Rei, algo que não é compreendido pelos discípulos. Jesus vê neste gesto uma antecipação da Sua morte, mas para a glória do Reino de Deus inaugurado na Sua ressurreição.

Mc 14, 10-11: Traição de Judas

Provavelmente, indignado pela situação anterior, Judas decide entregar Jesus. O preço, em Mt, é 30 moedas de prata, o preço que se pagava habitualmente por um escravo.

Mc 14, 12-16: Preparação da Ceia Pascal

Os judeus celebravam a Páscoa na sexta-feira. Os judens de Qumrân seguiam o calendário solar, pelo que celebravam na terça-feira. Esta última deve ter sido a escolha de Jesus.
v. 16: Jesus dá instruções aos seus discípulos sobre os preparativos da Páscoa, ocorrendo sempre tudo como o Mestre indica.

Mc 14, 17-21: Anúncio da traição de Judas

Nesta passagem, Jesus anuncia que vai ser traído. “Aquele que mete comigo a mão no prato.” Judas não é identificado directamente nesta passagem, mas tinha sido indicada a sua traição anteriormente.
v. 21: Embora aparente ser uma condenação, trata-se mais de uma lamentação de Jesus face à infeliz opção de Judas e das consequências da escolha que fez para a sua vida.

Mc 14, 22-26: Instituição da Eucaristia

A Última Ceia terá seguido o ritual da refeição pascal judaica. Durante esta, Jesus institui a Eucaristia, anunciando a Sua morte e ressurreição, inaugurando, assim, a Nova Aliança. Embora não esteja indicado em Mc, em Jo Jesus proclama também o novo mandamento da Lei de Deus, o mandamento do Amor.
Jesus torna-se o Cordeiro Pascal, sacrificado por todos, para nossa salvação. Pela Eucaristia, tomamos parte de Jesus, formando um só Corpo, a Igreja.
v. 22-25: Ao pronunciar as palavras “Isto é o Meu corpo”, “isto é o Meu sangue”, Jesus revela o perfeito conhecimento do sentido da Sua morte – a palavra “corpo” exprime a dádiva de si mesmo, e a palavra “sangue”  exprime a ideia de sacrifício. Mais do que a instituição da Eucaristia, a principal intenção de Mc é a de sublinhar a oferenda de sacrifício de Jesus, senhor da sua morte, ao revelar o sentido da mesma, selando definitivamente a Aliança entre Deus e os homens.

Mc 14, 27-31: Anúncio das negações de Pedro

v. 27-28: O abandono surge aqui como queda e tropeço do homem perante a adversidade. Mas Jesus reunirá todos novamente na Sua ressurreição.
v. 29: Pedro é sempre o primeiro a confessar Jesus. No entanto, nem Ele pode garantir a sua fidelidade a Cristo, pois a sua fé ainda é imatura. Porém, após a fraqueza e a adversidade, Pedro será a pedra onde Jesus fundará a Igreja Santa de Deus.

Mc 14, 32-42: Oração de Jesus em Getsémani

v. 32: Getsémani significa “lagar de azeite”. Situa-se no Monte das Oliveiras, a leste de Jerusalém.
v. 35-36: Jesus debate-se com uma angústia que só os iniciados no sofrimento poderão compreender. Pede ao Pai que afaste d’Ele este cálice, mas sobrepõe a vontade de Deus acima de tudo. Refere-se a Deus como Abbá = Pai, paizinho, um termo aramaico que só os filhos usam para chamar o pai num acto de ternura. Este termo não era usado pelos judeus nas orações. Segundo o exemplo e indicação de Cristo, os cristãos, filhos (adoptivos) de Deus, também se dirigirão a Deus como Pai.
v. 37-40: Os discípulos não conseguiram vigiar e orar, caíram no sono. Quando não estamos atentos, deixamo-nos levar pela letargia, e não escutamos Deus que nos chama.
Este episódio mostra como o homem encontra-se sempre entre duas forças opostas: Deus coloca nele um espírito voltado para o bem, mas ao mesmo tempo, o homem é “carne”, originariamente débil e fraco para resistir ao pecado. A hora do Getsémani é a hora da prova para os discípulos, que só com a força de Deus podem enfrentar. Mas deixam-se dormir e Jesus fica só.







Mc 14, 43-52: Prisão de Jesus

v. 45: O beijo do discípulo ao mestre era um sinal de dedicação – este gesto tornou-se símbolo de traição por Judas.
v. 47: Nos outros Evangelhos, é Pedro que corta a orelha e Jesus cura o criado em seguida. Nesta passagem, é dada a relevância à violência com que vêm ao encontro de Jesus para o prender.
v. 51-52: Pensa-se que o jovem envolto no lençol deveria ser o próprio Marcos, pois este incidente só é descrito neste evangelho. Também pensa-se que este jovem poderá representar a impossibilidade de acompanhar Jesus, entregue nas mãos dos inimigos.

Mc 14, 53-65: Jesus no tribunal judaico

Jesus é interrogado pelo sumo sacerdote Caifás. Jesus assume-se solenemente com Messias, Filho de Deus Bendito, Filho do Homem. Por isso, é acusado de blasfémia e condenado à morte pelo Sinédrio, que não o reconhece como o Messias esperado, não querendo ver a realização das Escrituras em Jesus Cristo.

Mc 14, 66-72: Três negações de Pedro

v. 68-70: Pedro tem medo e, por isso, nega o Senhor. O medo faz parte da natureza humana, só pela fé pode ser ultrapassado. A fé de Pedro encontra-se ainda muito “verde”, mas com todos estes acontecimentos e, sobretudo, com esta experiência, a sua fé vai amadurecer e Pedro será a pedra sobre a qual a Igreja será erguida.
v. 72: Lucas e João relatam que o Senhor fixa os olhos em Pedro e é isso que o leva a cair em si e chorar – o olhar e a bondade de Jesus que aceita a natureza de Pedro, mantendo o Seu Amor infinitamente misericordioso.

Mc 15, 1-5: Jesus no tribunal romano: Pilatos

v. 1: O Sinédrio era constituído por 23 membros de diversos grupos religiosos. Era o Supremo Tribunal que governava a comunidade judaica. Jesus é conduzido a Pilatos porque, durante a ocupação romana, os judeus não podiam aplicar a pena capital, apenas poderia ser feito pelo tribunal romano.
v. 2-5: Jesus não se defende perante Pilatos e não responde perante a acusação. O reino que Jesus anuncia não é deste mundo, por isso, provavelmente, surge a afirmação “Tu o dizes”, como resposta, não admitindo nem negando a acusação de Pilatos.

Mc 15, 6-15: Jesus e Barrabás

v. 7: Barrabás significa “filho do pai”.
v. 11: A multidão pede o indulto para Barrabás, preferindo-o a Jesus.
v. 14-15: Pilatos era o “Prefeito da Judeia”. Num acto de cobardia, apesar de perceber que as acusações a Jesus eram apenas por inveja, decide aceder e mandar flagelar e crucificar Jesus para evitar represálias. A crucifixão era um castigo de origem persa, normalmente aplicado pelos romanos, cartagineses e gregos. A flagelação precedia, normalmente, a crucifixão.
A cruz era já tida como símbolo da vida no Antigo Egipto. Com a morte de Cristo, torna-se o sinal cristão por excelência.

Mc 15, 16-20: Coroação de espinhos

Jesus foi humilhado e magoado, assumindo a missão e o papel que o Pai lhe confiara com sofrimento, em silêncio obediente ao Senhor.

Mc 15, 21-22: A caminho do Calvário

Simão de Cirene transporta a cruz de Jesus, porque este, provavelmente, após a flagelação, já não teria forças para carregar mais (Era apenas levada a parte transversal da cruz, a haste já se encontrava fixa no lugar das crucifixões). A acção de Simão de Cirene também poderá sugerir ao discípulo que este deve participar na paixão de Jesus.
v. 22: “Gólgota” significa “lugar do crânio, em aramaico. Em latim, chama-se “Calvário”. O Lugar do Crânio era uma pequena elevação de terreno fora dos muros de Jerusalém, a poucos metros da cidade.

Mc 15, 23-32: Jesus crucificado e escarnecido

Jesus sofre os suplícios que os profetas anunciavam que o Messias haveria de sofrer. Na narração da Paixão e da Ressurreição, dá-se o clímax da realização e revelação de Jesus como o Messias. Marcos descreve em pormenor o dia da morte de Jesus, distribuindo pelas 4 partes do dia os momentos mais significativos:
*** “Logo de manhã” – primeira hora (6-9h) – sentença do Sinédrio;
*** “Nove horas da manhã – terceira hora (9-12h) – crucifixão;
*** “Meio-dia” – sexta hora (12-15h) – trevas;
*** “três da tarde” – nona hora (15-18h) – morte.
v. 29: Abanar a cabeça era um gesto de desprezo da parte de quem o injuriava. O Senhor era injuriado, segundo Mc, por vários grupos: transeuntes, chefes e até os que também estavam crucificados; em Lc apenas um dos ladrões o fazia. Estas injúrias deixam o crente perante o escândalo da cruz e a fé no misterioso desígnio de Deus.




Mc 15, 33-41: Morte de Jesus

v. 33: Jesus morre às três da tarde, altura da oração da tarde no templo, e é crucificado à terceira hora, quando se reza a oração da manhã, e quando decorre a imolação dos cordeiros pascais: Jesus é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.
v. 34: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?” - Sem quebrar os Seus laços com o Pai, Jesus identifica-se com o Messias sofredor, citando o Sl 22. É o grito do ressurgir da Fé perante um aparente abandono, pois nas dificuldades, ao questionarmos, reencontramos Deus.
v. 38: O véu do templo rasgou-se no Santo dos Santos - a Antiga Aliança antiga cede lugar à Nova Aliança, de livre e fácil acesso, mediante Jesus Cristo, rosto humano de Deus.
v. 39: O título “Filho de Deus” é proclamado pelo centurião, cuja afirmação prova que Jesus é verdadeiramente o Messias. Com o centurião, cumpre-se a Palavra de Jesus: o Reino de Deus será dado aos gentios, a um novo povo.

Mc 15, 42-47: Sepultura de Jesus

A partir deste ponto, as mulheres começam a assumir um papel fundamental como testemunhas da Ressurreição.
v. 42: A Preparação é o dia que precede o Sábado solene da celebração da Páscoa. Costuma remover-se os cadáveres dos supliciados antes do repouso sabático, que começava com o aparecimento das primeiras estrelas.
v. 43: José de Arimateia pratica uma das obras de misericórdia entre os judeus – enterrar os condenados. Em Mc, é simpatizante de Jesus, mas em Jo é mesmo um discípulo.
v. 47: Nesta passagem, as mulheres apenas observam, enquanto José trata de envolver o corpo.

Mc 16, 1-8: As mulheres vão ao sepulcro

v. 1: Como Jesus morreu pouco antes do Sábado, as mulheres só puderam tratar do corpo na altura mencionada.
v. 2: O primeiro dia da semana foi o dia em que começa a criação, e é designado, na linguagem cristã “Dia do Senhor” (Kyriake), porque neste ressuscitou Cristo Senhor.
v. 8: As mulheres sentem o “terror sagrado” perante a presença de um ser divino que lhes anuncia a ressurreição de Jesus.
O relato de Mc termina após este v. 8, sendo que a secção seguinte foi acrescentada posteriormente. Porquê Mc termina o relato neste ponto tão abrupto? Provavelmente, porque o relato estava concluído com o túmulo aberto, pois Jesus já tinha advertido os discípulos da Sua ressurreição na Última Ceia, não sendo necessário o anúncio pelas mulheres. O silencio destas teria, assim, uma dupla função: a sua perturbação face ao sucedido, pois os desígnios de Deus ultrapassam toda a compreensão; o silêncio faz com que a reunião dos discípulos na Galileia e o anúncio do Evangelho após a Ressurreição não se deva às mulheres, mas à iniciativa do Ressuscitado – “depois da minha ressurreição, preceder-vos-ei na Galileia” (Mc, 14, 28).

Mc 16, 9-18: Aparições de Jesus ressuscitado
Mc 16, 19-20: Ascensão de Jesus

Por análise literária e tradução, pensa-se que Mc não é o autor desta parte, tendo terminado abruptamente no v. 8. Existe um outro final de Mc, não canónico e menos antigo:
“Elas (as mulheres) informaram sucintamente Pedro e os seus companheiros de tudo o que lhes tinha sido dito. Em seguida, o mesmo Jesus, através deles, fez chegar do Oriente ao Ocidente a mensagem sagrada e incorruptível da salvação eterna.”
Este excerto não parece ter muita relação com todo o Evangelho. Também pode ser que Mc tenha feito um resumo, ou simplesmente, segundo os seus objectivos, era fundamental revelar Jesus como o Messias, não sendo relevantes as aparições de Cristo ressuscitado aos Apóstolos e o seguimento da história.
Este texto insiste na missão de levar o Evangelho ao mundo inteiro através do testemunho da palavra e das obras e sinais que o acompanham. A eficácia da palavra e dos sinais vem da acção de Jesus, elevado para junto de Deus.
O final de Mc continua a demonstrar a incredulidade e falta de fé: os Apóstolos só acreditam vendo. São enviados ao mundo para levar a Palavra de Deus a toda a humanidade.
O Ressuscitado não abandona o mundo, mas torna-se sempre presente, por meio da acção dos discípulos, estende a Sua acção a toda a parte.



O Evangelho de Marcos é difícil para nós, pois este apresenta-nos o escândalo da fé. Quando guiados por Marcos, refazemos o itinerário da nossa fé e somos insistentemente questionados se compreendemos bem a mensagem. O retrato do homem feito por Marcos é o de alguém que fraqueja, que abandona o Mestre, que duvida. Não é um retrato agradável, mas procura levar-nos à entrega a Deus para ultrapassar todas as nossas limitações pela força da Fé: é o próprio Deus que nos atira para o futuro.