27 de jan. de 2011

1ª PARTE (cont.) JESUS PROCLAMA O REINO DE DEUS E PREPARA A IGREJA: - MINISTÉRIO NA GALILEIA (cap. 4, 12-25)


Mateus 4, 12-17: Início da pregação

A passagem de Mt 4, 12-17 inclui-se ainda no prólogo, embora já faça parte do ministério da Galileia, pois introduz o início da pregação de Jesus. É o fim do prólogo, referente a Jesus e a João Baptista, fazendo a separação na história entre os testemunhos e vida de ambos. Jesus retoma a proclamação do Reino de Deus, sendo este um ponto de viragem, assinalado pela expressão “a partir deste momento” (Mt 4, 17). Esta expressão voltará a ser usada quando Jesus anuncia a Sua Paixão (Mt 16, 21).
Seguindo a leitura do texto:
12 - O nome “Galileia” significa encruzilhada ou circuito. A partir desta Jesus inicia a Sua pregação. Os judeus desprezavam a Galileia e por isso, Mateus a valoriza, apresentando a dimensão universal do projecto de Deus: na Galileia, Jesus confiará aos Seus discípulos uma missão dirigida a todas as nações.
15 -16 – Através do texto de Is 8, 23- 9,1, Mateus apresenta a salvação da Galileia dos pagãos como um dos mais antigos projectos de Deus, justificando a escolha da Galileia como campo da missão de Jesus, onde este começa por tomar contacto com todos os povos, a quem enviará os discípulos no final do Evangelho (Mt 28, 16-20).
16 - A expressão “luz” refere-se a Jesus como a estrela que os Magos viram no Oriente.
17 – Inauguração solene do ministério de Jesus, que se vai apresentar com palavras (5, 1 – 7,29) e obras (8, 1 – 9, 34). Jesus inaugura a Sua pregação com os mesmos termos de João Baptista (Mt 3, 2). Os dois coincidem na sua oposição profética a Israel, obstinado e excessivamente confiado nos seus privilégios de povo eleito.

Mateus 4, 18-22: Chamamento dos primeiros discípulos

Esta passagem apresenta a escolha dos primeiros Apóstolos ou discípulos, revelando algumas das qualidades e atributos que estes deverão ter. “Os Doze” representam a universalidade de todos aqueles que seguirão Jesus, não apenas ao longo da Sua vida pública, mas depois, com a construção da Igreja. As expressões “Vinde comigo” e “seguiram-no” estão intimamente ligadas ao significado de ser discípulo de Jesus – seguir Jesus incondicionalmente e fazer da Sua Palavra o Caminho a seguir. A expressão “Pescadores de homens” é uma imagem que se aplica à missão futura dos Apóstolos, em ordem a reunir as pessoas no Reino de Deus. Ao repetir as palavras: “eles seguiram-no”, Mateus sublinha a qualidade dos discípulos e a missão cristã que estes terão posteriormente, à qual se dedicarão em pleno.
A atribuição de um novo nome a Simão encontra-se ligada ao facto de este ir desempenhar uma nova missão que exigirá uma mudança radical de vida: é chamado Pedro, pedra basilar da Igreja, sobre a qual Jesus irá assentar as fundações. Mateus anuncia, assim, a futura função de Pedro como o principal Pastor da Igreja.

Mateus 4, 23-25: Jesus e a multidão

Esta passagem apresenta um sumário final da actividade de Jesus, que será descrita seguidamente em Mt 5 – 7 (doutrina e proclamação do “Evangelho do Reino”) e Mt 8 – 9 (a “cura de toda a enfermidade e de todas as doenças”). Nesta, faz-se alusão a multidões de terras verdadeiramente pagãs (Galileia e Decápole), a quem Jesus dirige a Sua pregação. “Evangelho do Reino” é uma expressão própria de Mateus que indica o anúncio da chegada da Boa-Nova do Reino de Deus: a ideia da realeza de Deus vai ocupar o centro da pregação de Jesus. As “curas” significam que esse Reino já está em acção. Com a inclusão das várias terras pagãs e menção da cura de todas as doenças e enfermidades, Mateus sublinha a dimensão universal da atitude messiânica de Jesus que reflecte o projecto de Deus.

NOTAS:  
1) A menção da Síria poderá ser uma referência à região onde Mateus redigiu o Evangelho.
2) Decápole é um conjunto de dez cidades a leste e nordeste do Jordão, representando a região a norte da Galileia.

Partindo do anúncio do Reino, apelo à conversão e chamamento dos primeiros discípulos, o evangelista procura acentuar que ninguém se pode consagrar a uma missão senão na medida em que se é discípulo e aluno de um ensinamento, cujo conteúdo irá ser revelado no Sermão da Montanha, nos capítulos seguintes.


15 de jan. de 2011

1ª PARTE: JESUS PROCLAMA O REINO DE DEUS E PREPARA A IGREJA (caps. 3-16)


Jesus, inserido no povo de Israel pelo seu nascimento e graças a José, e por meio da sua missão manifestada por João, vai assumir sobre Si a história desse povo e, do deserto, o conduzirá ao Reino de Deus. Por isso, em Mt 4, 17, Jesus proclama que o Reino está próximo.


Prólogo 2 - João Baptista e Jesus (Mateus 3-4,11)

A narração da vida pública de Jesus é introduzida (também em Marcos e Lucas) por três quadros: pregação de João, baptismo de Jesus e tentação de Jesus. José e João Baptista desempenharam o seu papel na preparação de Jesus. José, homem “Justo”, inseriu Jesus na história do povo de Israel dando-lhe o seu próprio nome, levando-o ao Egipto para que se cumprisse um novo Êxodo e designando-O como “salvador” através do Seu nome (Jesus significa “Deus salva” ou “Deus salvador”). João Baptista, cumprindo toda a “justiça”, permitiu a Jesus, pelo baptismo, manifestar a Sua missão para o povo de Israel.


Mateus 3, 1-6: Pregação de João Baptista
Mateus 3, 7-12: Apelo de João à conversão

Tanto João Baptista como Jesus, apesar de tão diferentes, vão realizar a mesma função: ambos são enviados por Deus para mostrar aos homens o caminho da salvação: os seus ministérios seguem um caminho paralelo e os seus discípulos continuarão depois da morte do Mestre, e até com alguma rivalidade, que termina quando as comunidades cristãs dão continuidade ao ministério de Jesus, reconhecendo a plenitude e cumprimento da pregação de João na pessoa de Jesus Cristo.
A diferença entre o Precursor e “Aquele que vem depois” (Mt 3, 11) é sublinhada pelo evangelista: João “baptiza em água para os mover ao arrependimento”. Jesus “baptizará no Espírito Santo e no fogo” (Mt 3, 11). O Espírito é o vento que escolhe o bom e que dá a vida (Mt 28, 19), o que mostra a radicalidade do Baptismo de Jesus em face do simples baptismo na água, que é um baptismo de conversão.
Esta passagem apresenta uma estrutura tripartida:
v. 1-4 => bilhete de identidade de João Baptista: mensagem, enraizamento na Bíblia e modo de vida;
v. 5-7 => resumo da actividade de João Baptista;
v. 7-12 => catequese de João, que se divide em duas partes:
1ª parte: v. 7-10 – rejeita a identidade judaica dos “filhos de Abraão” como salvo-conduto frente ao julgamento de Deus;
2ª parte: v. 11-12 – sublinha o papel de Jesus (“o que vem depois de mim”) na execução deste julgamento divino.
Lendo ao ritmo do texto, por versículo:
1 - A geografia onde decorre a acção é relevante: quando Jesus vem da Galileia ter João, este exerce o seu ministério no deserto da Judeia, sendo a voz que, segundo o profeta Isaías (Is 40, 3) anuncia o novo Êxodo através do deserto. Deste ponto de vista, o rio Jordão tem uma dimensão simbólica, pois a passagem deste rio marcou a entrada na Terra Prometida (Js 3, 14-17). Assim, o baptismo no rio Jordão simboliza a entrada para uma nova vida, o Reino de Deus, através de Jesus Cristo.
2 – A palavra “Convertei-vos” encerra o convite a mudar de mentalidade e de direcção, regressando sem condições ao Deus da Aliança. Mais do que um acto de arrependimento, significa um estado de conversão a Jesus. O termo “conversão” ocorre em contextos onde se faz um convite à mudança (4, 17; 11, 20.21, 12, 41). “Reino do Céu” é equivalente a “Reino de Deus”, mas Mateus evita a segunda designação, por evitar pronunciar o nome divino. Em Jesus, este Reino torna-se mais próximo das pessoas que, por isso mesmo, são chamadas à conversão. Deus decidiu, a partir deste momento, tomar a história do povo nas Suas mãos através do Seu Filho.
3, 4 – Sendo a voz profética no deserto, João Baptista veste-se e alimenta-se à maneira dos profetas, em particular de Elias (2 Rs 1, 8), adoptando uma vida regrada e afastando-se dos costumes sociais de uma civilização considerada pecadora.
6 – O baptismo de João era conferido uma vez só e abarcava uma conversão de vida, preparando o baptismo trazido por Jesus.
7 – A cólera designa a reacção de Deus santo face ao pecado.
8 – Os frutos designam as boas obras que advém de uma conduta íntegra, sendo exigência da conversão, não podendo ser confundida com a ascendência de Abraão. Quem faz a vontade de Deus é o verdadeiro filho de Abraão. Isto põe em causa uma eleição considerada pelos judeus que os salvava automaticamente através da sua ascendência.
11 – Jesus é designado como mais poderoso que João Baptista, tanto que João refere-se ao gesto de descalçar as sandálias, gesto de um escravo perante o seu Senhor. Jesus é posto em relação com a força que se manifesta no dom do fogo do Espírito, que purifica e renova. João situa a sua missão em relação a Jesus, cuja acção será mais radical, através de um julgamento pelo fogo que purifica, o Espírito Santo, a santidade de Deus que exige a santidade do homem.
12 – A imagem da colheita do grão evoca o juízo final, momento em que a boa semente será separada do que não interessa, ou seja, a escolha de quem pode participar do Reino de Deus.

NOTA relativamente às classes sociais:
Os Fariseus eram um grupo de observantes zelosos da Lei.
Os Saduceus estavam ligados às grandes famílias sacerdotais, preocupando-se com a política.
Os Doutores da Lei ou Escribas eram os intérpretes oficiais da Torá, gozam de grande prestígio.




Mateus 3, 13-17: Baptismo de Jesus

Jesus vem da Galileia para ser baptizado por João, e apesar da resistência deste último, que é necessária para que os cristãos aceitassem que Jesus teria sido baptizado por João, Jesus fá-lo porque é a vontade de Deus. É esta atitude de humildade que permite a Jesus receber a sua investidura messiânica (3, 16-17) que o acreditará como Messias perante os futuros cristãos. Esta passagem pode ser dividida em duas partes:
=> 1ª parte: v. 14-15 – debate entre Jesus e o Baptista, em que este recusa baptizar Jesus e confessa a sua submissão; no entanto, Jesus insiste na noção de justiça;
=> 2ª parte: v. 16-17 – dá-se uma teofania – manifestação divina feita a Jesus, em que aparece o Espírito Santo e ouve-se a voz do Pai: esta teofania tem o valor da aceitação do Pai pela atitude da justa submissão adoptada por Jesus; trata-se de uma cena sem testemunhas: é Jesus quem vê o Espírito (“ele viu”); ao mesmo tempo, o evangelista procede a uma designação -  “Este é o meu Filho (…)” - que visa directamente o leitor.
Lendo ao ritmo do texto, por versículo:
15 – A “justiça” a que Jesus se refere é a fidelidade nova, obediência total à vontade de Deus. Solidarizando-se com os pecadores pelo baptismo, Jesus manifestava como a sua missão se distanciava do sonho judaico de um Messias triunfante. Antes que Jesus tome a direcção da Sua vida, está de acordo com a vontade de Deus que este Jesus marque a Sua solidariedade com aqueles que, à chamada de João (3, 2), se convertem para que o Reino de Deus chegue. É justo que os baptistas reconheçam um Messias humilde, irmão dos pecadores. Sem o saber, João terá feito o papel de tentador ao tentar desviar Jesus de se baptizar, mas Jesus, ao coagi-lo, recusa subtrair-se à solidariedade, significada pelo Baptismo, com a humanidade pecadora.
16 – Os céus abriram-se, tornando novamente possível o contacto entre o mundo celeste e o dos homens, revelando os projectos de Deus. A imagem da pomba centraliza a cena sobre Jesus. A pomba simboliza o Espírito de Deus voando sobre as águas de Gn 1, 2, evocando a nova criação iniciada na pessoa e missão de Jesus. Também está presente, nesta evocação, a passagem do mar Vermelho: “O Espírito desceu do Senhor e os conduziu (Is 63, 14). Assim, a passagem pelas águas do baptismo inaugura um novo Êxodo, pois Jesus será “conduzido ao deserto pelo Espírito” (Mt 4, 1) e aí vencerá as tentações que teve o povo de Deus. O baptismo de Jesus abre um mundo novo.
17 – A voz vinda do Céu parece dirigir-se não só a Jesus, mas a todos os presentes: trata-se de uma primeira “revelação” à gente que imediatamente vai seguir Jesus e, através desta, a todos os povos. O adjectivo “muito amado”, corresponde à palavra “único”, que lembra Isaac no episódio do sacrifício (Gn 22, 2.12.16). Ao Messsias glorioso junta-se pois a sombra do sacrifício da cruz. Lembra-nos também do Israel do deserto, sobre o qual plana a águia divina, e que é chamado “muito amado” (Dt 32, 11.15). Finalmente aquele em quem “se cumpriu” lembra o Servo profeta (Is 42, 1) sobre quem repousa o Espírito. Esta teofania revela um bilhete de identidade de Jesus: Jesus vai passar pelo deserto e abrir um novo Êxodo, para os filhos muito amados, que realizará as promessas de Deus.


Mateus 4, 1-11: Jesus tentado no deserto

O Espírito impele Jesus ao deserto: Ele vai experimentar o Seu messianismo no encontro com o demónio. A salvação está presente na Sua pessoa, por isso Jesus vai reviver no deserto as tentações do Seu povo durante o Êxodo. Jesus afasta todas as tentações, tendo êxito no caminho que outrora o povo tinha falhado. Ele determina-se livremente, diante da opção que lhe é apresentada: recusa um domínio terreno sobre o mundo, já que a Sua missão consiste em anunciar aos pobres a Boa Nova da salvação. Jesus encarna o novo povo de Deus e encoraja-o à luta contra as tentações fundamentais da vida cristã.
Lendo ao ritmo do texto, por versículo:
2 – O número “quarenta” evoca geralmente uma geração. Aqui evoca o tempo que Moisés passou na montanha (Ex 24, 18), a caminhada de Elias (1 Rs 19, 8) ou os quarenta anos de Israel no deserto.
3 a 10 - O que dispara a tentação é a fome, motivo fundamental na experiência de Israel: Deus “fez-te sentir fome” (Dt 8, 3). Este símbolo, desejo de saciedade, é patente. Daí as três tentações fundamentais: a fome de poder económico (v. 3-4), do poder religioso (v. 5-7) e do poder político (v. 8-10).
4 - O Messias pode mudar as pedras em pães, mas segundo a Bíblia, o alimento essencial é a palavra de Deus.
6 – Ninguém porá Jesus à prova por meio de tentações desmesuradas.
7 – “Tentar Deus” está ligado à desobediência dos Seus preceitos, mas aqui o sentido é abusar de Deus para um fim interesseiro. Esta tentação é de natureza política e a mais feroz. O diabo pretende possuir um poder universal ao propor dá-lo a Jesus. Mas Jesus remete para Deus, o único Senhor perante o qual devemos curvar-nos.
11 - O diabo vencido abandona a cena e os anjos vêm alimentar Jesus atestando, por esse meio, a complacência de Deus face a seu Filho. Ao longo da Sua vida, Jesus foi tentado várias vezes, sendo algumas pelos seus amigos: com Pedro em Mt 16, 23, que recusava a cruz para Jesus; Jesus repeliu o poder económico, escapando após a multiplicação dos pães (Mt 14, 22); recusou o poder religioso, aceitando a Paixão; a discussão com os filhos de Zebedeu é reveladora quanto ao poder político (Mt 20, 20-23). Ao receber esta tradição, Mateus pensa na sua própria Igreja, particularmente nos ministros duvidosos que fazem pesar sobre os crentes a sua ambição económica (Mt 7, 15; Mt 10, 8-9), religiosa e política (Mt 20. 21).

A jeito de conclusão, deixo-vos com um enxerto da homília de Santo Agostinho:

Cristo “transfigurou-nos nele. Lemos no Evangelho que o Senhor Jesus Cristo foi tentado pelo diabo no deserto. Isso mesmo! Cristo era tentado pelo diabo! Em Cristo, és tu que eras tentado, porque Cristo recebeu de ti a sua carne para te dar a salvação; recebeu de ti a morte para te dar a vida; recebeu de ti os ultrages para te dar honrarias; portanto, Ele recebeu de ti a tentação para te dar a vitória.”

Santo Agostinho (340-430), Homilia sobre o salmo 60

2 de jan. de 2011

Mateus 2 - I. EVANGELHO DA INFÂNCIA


Prólogo: O Mistério de Jesus (2ª parte)

Mateus 2 – Contexto global

Enquanto que o capítulo 1 teve a principal preocupação de responder à identidade de Jesus, o capítulo 2 gira em torno de outra questão: De onde é Jesus e de que época? Mateus situa Jesus no espaço – Belém e Nazaré, e no tempo – tempo de Herodes, o Grande e de seu filho Arquelau. Porém, Herodes é muito mais do que um mero indicador de tempo, tendo um objectivo muito maior na história. Ao colocar o rei Herodes em relação com Jesus, Mateus salienta não apenas o quadro histórico do evento como anuncia o conflito futuro que irá opor o verdadeiro rei e salvador do povo às autoridades judaicas.

Mateus 2, 1-12: Os Magos do Oriente

Esta passagem é lida na Celebração da Epifania. Epifania significa “manifestação”: é a manifestação do Deus-Menino às nações pagãs, representadas através dos magos do Oriente que o procuram visitar. Desenha-se assim o drama da vida e missão de Jesus: rejeitado pelos judeus e adorado pelos pagãos, realizando-se a profecia de Isaías (Is 60 e 62) que anunciava a entrada da multidão dos pagãos na Jerusalém iluminada pela glória de Deus. Tal como Herodes pretendia, Pilatos irá condenar Jesus, mas todas as nações irão reconhecer a Sua glória, pelo que esta passagem antevê quem será a Igreja e quem estará em oposição à Igreja. O Messias inaugura assim uma Igreja aberta a todos os povos.

1 – Quem são os Magos? Os Magos poderiam ser astrólogos babilónicos, pois estes tinham conhecimento do messianismo hebraico. O título de reis, o número três e os seus nomes próprios devem-se a uma tradição extra-evangélica. Na profecia de Is 60, 1-6, a visita dos magos é vista como o cumprimento da peregrinação dos povos em direcção à luz e à glória do Senhor na Sua cidade santa. Mateus 2 apoia também a sua passagem no Salmo 72 (71) ao evocar o gesto dos magos: “os reis de Sabá e de Seba trarão sua ofertas. Todos os reis da terra se prostrarão diante dele” (Sl 72, 10b-11). Estas associações terão conduzido à ideia de que os magos seriam reis. Para o mundo judeu, estes personagens estrangeiros não são valorizados, mas, com este episódio, Mateus mostra como os pagãos, representados pelos magos, adoram Aquele que as autoridades do povo rejeitam.
2 – O sentido da estrela de Belém. A expressão “Estrela no Oriente” não se trataria apenas da referência a um astro, mas também de um título messiânico atribuído a Jesus (2 Pe 1, 19). A estrela é a metáfora do rei-messias. O aparecimento de uma estrela simbolizava, no mundo helénico e no mundo judeu o nascimento de alguém grandioso. Mas a estrela é também o sinal de Deus que guia os magos. Na Antiguidade, as estrelas eram consideradas como seres de natureza espiritual: divindades para os pagãos e anjos para os judeus-cristãos. Não há, pois, grande diferença entre a estrela que conduz os magos a Belém e os anjos de Lucas que conduzem os pastores ao presépio.
3, 4, 5 – O papel da classe dirigente. Os sumos sacerdotes e os escribas, também chamados “doutores da lei”, são responsáveis pela vida religiosa do povo. Mateus associa os sumos sacerdotes e os anciãos mais vezes ao longo do Evangelho, para indicar os chefes do povo como responsáveis pelo drama da rejeição de Jesus. (Mt 26, 3 47; 27, 1)
6 – A citação profética. Mateus sublinha a importância de Belém, recorrendo à combinação das profecias de Mq 5, 1-2 e 2 Sm 5, 2. Mateus procura também revelar a importância da Escritura na adesão à fé em Jesus Cristo ao invocar a profecia de Miqueias: sublinha a ascendência davídica de Jesus e anuncia em Jesus o pastor enviado às ovelhas perdidas da casa de Israel. Esta preocupação de revelar Jesus como Salvador e Messias surgirá em mais passagens do Evangelho.
7, 8, 9, 10, 12 – Herodes e os magos. Jesus aparece como o novo Moisés, revendo-se a história: os magos tornam-se personagens positivas, e Herodes veste o papel do soberano cruel que quer a perda do Menino Salvador.
11 – O simbolismo dos presentes. Ouro, incenso e mirra estão ligados tradicionalmente à Arábia e significavam as dádivas de todos os povos ao Messias esperado. A Igreja viu nesses dons símbolos da realeza, divindade e humanidade sofredora de Cristo.

Esta passagem pode dividir-se em duas partes, que contrastam opondo sentimentos e personagens, de forma a revelar o decurso da acção em dois actos, em que o segundo completa e resolve o primeiro:

Mt 2, 1-9ª
Mt 9b-12
Acção decorre na capital Jerusalém, diante do rei Herodes.

Os magos perguntam pelo Rei dos Judeus, deixando o rei perturbado.

Os profetas indicam onde Jesus nasceu através de uma profecia.


Entrevista entre Rei Herodes e magos, onde o rei procura descobrir onde e quando Jesus nascera, antevendo o seu plano de massacre.
Acção decorre na humilde Belém, diante do Deus Menino.

Os magos alegram-se ao ver o Menino.


A estrela guia os magos para o lugar preciso do nascimento e os magos prostram-se em adoração.

O plano de Herodes falha pois, avisados em sonhos, os magos não regressam a Jerusalém.


Mateus 2, 13-15: Fuga para o Egipto

A intervenção de Deus continua através de José, que prossegue a sua missão de proteger o Menino, guiado pelo anjo do Senhor. Esta passagem tem uma estrutura semelhante ao relato do regresso, em Mt 2, 19-23 (bem como em Mt 1, 20-24, quando José descobre que Maria concebeu):
1) O anjo do Senhor aparece a José e dá-lhe uma incumbência;
2) José executa a ordem evangélica;
3) Há uma citação profética no termo do relato.

13 – O sonho de José. Os sonhos são meios com que Deus dirige o Seu povo e, nesta passagem, ao realçar a iniciativa divina, o sonho de José traduz a singularidade da sua missão na condução e protecção de Jesus, tal como nas passagens anteriores.
14, 15 – Porquê o Egipto? O Egipto era o lugar tradicional de refúgio (e.g. Abraão, José, Moisés, entre outros). Através da profecia de Os 11, 1 e ao evocar o Êxodo, Mateus mostra que com Jesus começa o novo povo de Deus. Para Oseias, o filho chamado do Egipto era o povo de Israel. Jesus é o verdadeiro Israel que vai realizar o êxodo que conduz à terra prometida, o Reino de Deus. O menino Jesus é o menino Israel: assume o destino do Povo eleito para quem vai abrir um novo Êxodo.

Mateus 2, 16-18: Martírio dos Inocentes

O sangue corre em Israel prefigurando o da cruz: o menino Jesus, salvo pela Providência, revive o exílio do seu povo, enquanto morrem as crianças de Belém, por causa da ira e inveja dos poderosos. Assim, o episódio profetiza a paixão de Cristo e a salvação dele pela ressurreição. Jesus é semelhante a Moisés na perseguição. No entanto, a história inverte-se: Moisés fugia da hostilidade do Egipto, enquanto é a terra de Israel que ameaça Jesus.

16 – As acções de Herodes. A narração tem uma base comum à do Êxodo e corresponde às atrocidades e costumes do rei Herodes, conhecidas pela história, revelando uma preocupação de Mateus de situar Jesus no contexto histórico e político do tempo. Herodes torna-se o Faraó perseguidor do novo Moisés e, portanto, o símbolo do poder ameaçador deste mundo.
17, 18 – Descendência de Raquel. O texto referido de Jr 31, 15 refere-se às tribos do Norte que foram chacinadas pelos assírios. Eram descendentes de Raquel e viviam em Rama; eram a figura dos inocentes de Belém. Uma tradição indicava que o túmulo de Raquel ficaria em Belém, onde esta mãe choraria os seus filhos mortos.

Mateus 2, 19-23: Jesus em Nazaré

Uma nova intervenção de Deus convida a ir mais longe, à “Galileia das nações” (Is 8, 23), que será o lugar de encontro de Jesus com o Seu povo (4, 15-16), e também o lugar de onde enviará os Seus discípulos por todas as nações (18, 16).
23 – Jesus, o Nazareno. Não é clara a origem do termo “Nazareno”, que no texto original seria na realidade “nazoreu”, podendo ser referente a cidadão de Nazaré, ou a “nazireu”, membro do grupo “nazir”, consagrado a Deus por um voto. Mateus parece ver aqui o equivalente a Galileu (21, 11; 26, 69.71); e parece evocar também o nazireu – “santo de Deus por excelência”. Os cristãos da Palestina, talvez na linha dos Baptistas, eram referidos como a seita dos Nazarenos. Se Mateus também pensa neste sentido, então sublinha, no começo do Evangelho, a solidariedade entre Jesus e os futuros crentes.

NOTA: Herodes morreu poucos dias antes da Páscoa do ano 750 (da fundação de Roma), isto é, no ano 4 da era crista. Juntando os dois anos mencionados em Mt 2, 16, calcula-se que o nascimento de Jesus tenha sido entre 7-6 antes da nossa era.

Segundo Mateus, pelas citações que usa, Jesus aparece profundamente inserido no povo judeu e vem refazer a sua história, conduzindo esta ao seu termo. É o novo Moisés que se vai colocar à frente do Seu povo para o convidar a entrar com Ele no Reino de Deus.
A realidade que Mateus nos quer apresentar é também uma realidade histórica: Jesus, filho de David, Novo Moisés, é o libertador que nos salva pela Sua morte e Sua ressurreição.
Termina a primeira parte do prólogo de Mateus, dedicada à infância de Jesus. A segunda parte põe-no em contacto com João Baptista (alguns estudos costumam incluir Mateus 3 e 4 no prólogo).