28 de mar. de 2011

MISSIONÁRIOS DO REINO (Mt 9, 35 – 10, 42)


Foi abordado, anteriormente, o primeiro de três períodos que integram uma secção em que Jesus se apresenta como missionário do Reino. Esta secção divide-se em:
- 1º período (Mt 8, 18 – 9, 35) – chamamento exigente dos discípulos, ilustrada pelos dez milagres, abordada atrás;
- 2º período (Mt 9, 35 – 10, 42) – Carta da missão proclamada por Jesus;
- 3º período (Mt 11, 1-12,21) – o acolhimento mitigado que Jesus encontra e que é indicados de como correrão as futuras missões.
Nesta parte do texto, focaremos apenas as passagens do segundo período. Esta incide sobre o discurso ou carta da missão. É o segundo grande discurso após o Sermão da Montanha. Este tem em vista tanto os discípulos da comunidade como nós, que o lemos hoje, anunciando os sofrimentos que temos de passar se queremos aderir a Jesus e ao Reino de Deus. Jesus envia os Seus discípulos a pregar, mas na realidade, é Ele que parte (Mt 11,1), descobrindo-se, no programa da missão, o testemunho da Sua própria vida. 

O discurso missionário pode ser dividido em:
- Introdução: (Mt 9, 36-10-10);
- As dificuldades da missão (Mt 10, 11-25);
- Convite à confiança (Mt 10, 26-33);
- O horizonte conflitual do discípulo (Mt 10, 34-36);
- Conclusão – as escolhas do discípulo e o seu acolhimento (Mt 10, 37-42).


Introdução

Esta introdução ao discurso comporta quatro partes:
1ª parte: A missão é motivada pela ternura de Jesus pelas multidões desorientadas, “sem pastor” (Mt 10, 35-36);
2ª parte: Preocupado com o problema de procurar missionários, Jesus chama os Doze apóstolos e confere-lhes os seus poderes de exorcismos e curas;
3ª parte: Os Doze são indicados como representantes do povo de Deus, sendo o grupo a partir do qual se formará o novo povo (Mt 10, 2-4);
4ª parte: A missão do Doze dirige-se às “ovelhas perdidas da casa de Israel”.

Jesus e as multidões (Mt 9, 35-38)
v. 36: Jesus é apresentado como o Pastor que cumpre a expectativa do AT. A expressão “ovelhas sem pastor” evoca a missão messiânica que os discípulos vão testemunhar - a misericórdia do Bom Pastor.
v. 37-38: Jesus considera que é o momento de realizar a boa colheita que Deus espera, para trazer o Reino de Deus. Por isso, é preciso recrutar trabalhadores. Estes cultivarão uma total disponibilidade e rezarão ao Senhor para aumentar os frutos do seu trabalho.

Eleição dos Doze (Mt 10, 1-4)
v. 1: O número 12 corresponde ao número das tribos de Israel, pondo em relevo a continuidade e a diversidade do novo com o antigo Povo de Deus.
v. 2: A palavra “Apóstolo” implica dois aspectos: o apóstolo é enviado por Cristo (“Apóstolo” significa “enviado”) para espalhar a fé e é representante de Cristo (“Quem vos recebe, a mim recebe”, Mt 10, 40). Por isso, deve comportar-se de maneira a que, através dele, seja descoberto o próprio Cristo.

Missão dos Doze (Mt 10, 5-15)
v. 5: Jesus envia os Seus discípulos, tal como o Pai o enviou. A restrição relativa aos samaritanos está relacionada com a separação profunda entre estes e os judeus. Jesus porá em causa esta separação (Lc 10, 29-37, Jo 4, 1-30).
v. 7-8: Os enviados devem prolongar a missão de Jesus, anunciando o Reino do Céu e demonstrando o seu poder por meio de gestos miraculosos.
v. 9-10: Este ministério deve ser gratuito, não procurando a tentação de enriquecer pela pregação do Evangelho.
v. 11: A palavra “digno” refere-se a todo o homem que recebe e acolhe totalmente o dom de Deus que é levado pelos discípulos.
v. 14: A expressão “sacudir o pó” significava ruptura com aqueles que se recusavam a receber o Evangelho.


As dificuldades da missão

Perseguição dos discípulos (Mt 10, 16-23)
Quem anuncia o Evangelho encontrará grandes dificuldades, pois a Palavra que anunciam vem de um Mestre contestado.

Convite à confiança

A anunciar os valores do Reino, os discípulos têm um papel de profetas e devem esperar perseguições, como aconteceu com os profetas do AT. Jesus convida-os a não temer.

Nada temer (Mt 10, 24-31)
v. 24-25: O discípulo deve viver em conformidade com o Mestre, não podendo ter outra existência nem outro destino diferente do Seu e, como Ele, terá de sofrer e ser contrariado.
v. 26-27: Jesus exorta os discípulos a proclamar sem medo e abertamente o que este lhes revelou.
v. 28-31: Não temer a tortura, pois o torturador apenas tem poder sobre a vida terrestre, mas Deus dispõe da vida eterna e n’Ele devemos confiar.
Como o Mestre, o discípulo está desamparado: a sua única segurança está em saber que a autoridade do Mestre se exprime através das suas palavras e das suas acções; que o Pai vela sobre ele; e que o seu Espírito o inspira.

O horizonte conflitual do discípulo

Coragem e desprendimento (Mt 10, 32-39)
v. 32-33: Os enviados estão sobre um horizonte de julgamento final, em que Jesus terá em conta quem o confessou e quem o renegou.
v. 34-39: Ser discípulo não é fácil e requer uma escolha que implicará sacrifícios – horizonte conflitual: perder as seguranças familiares (v. 37); assumir a humilhação (v. 38); renunciar à sua vida como Jesus (v. 39).


Conclusão – as escolhas do discípulo e o seu acolhimento

Nesta conclusão, há uma preocupação com a humildade dos discípulos que pode estar relacionada com uma crise de ministérios no século I na Igreja de Mateus. O evangelista considera que a missão seria mais fecunda se os ministros agissem menos como mestres e mais como discípulos, modelando a sua existência sobre a humildade e a mansidão.

Acolhimento e recompensa (Mt 10, 40-42)
v. 40: Receber o enviado de Jesus é receber Jesus e n’Ele, o próprio Deus.
v. 41-42: Entre os futuros missionários, encontram-se os profetas (cristãos), alguns dos quais foram muito criticados. A referência aos justos pode querer dizer os escribas (cristãos), que ensinam o que é justo aos olhos de Deus. No entanto, é melhor ser-se acolhido como “pequeno”, recordando o exemplo humilde de Jesus perante a grandeza do Pai.

Embora Jesus envie os Seus discípulos a pregar, é o próprio Jesus que parte para a missão. Os discípulos ainda precisam de caminhar muito ao Seu lado e o seu envio efectivo virá na Páscoa. O Pai é o centro desta Carta: é a Ele que devemos rezar porque d’Ele vem a iniciativa da missão, que tem a sua origem humana no coração de Cristo.

21 de mar. de 2011

O DINAMISMO DO REINO (Mt 8, 1 – 9, 34)


O dinamismo do Reino é apresentado com os relatos de dez milagres, que podem serem divididos em três séries:
1ª série – Jesus é o servo sofredor que nos salva (Mt 8, 1-17);
2ª série – Jesus convida a segui-l’O (Mt 8, 18 – 9, 13)
3ª série – Jesus obriga a uma opção (Mt 9, 14-34)

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1ª série – Jesus é o servo sofredor que nos salva (Mt 8, 1-17)

O texto de Mt 8, 1-17 termina a inauguração do Reino que foi anunciada até este ponto no Evangelho. As multidões vêem, nesta secção, o poder do Reino, que tinha sido anunciado em palavras. Este poder de salvação será transmitido posteriormente por Jesus aos discípulos. Jesus socorre os excluídos:
- o leproso, que simboliza os excluídos pela doença, considerada consequência de serem pecadores;
- o centurião, marginalizado por ser estrangeiro;
- a mulher, marginalizada por ser considerada socialmente inferior.
A secção termina com a citação de Is 53,4, indicando que Jesus vêm para tomar as nossas doenças e os nossas dores. Jesus Cristo não só sofre pelos nossos pecados mas, procedendo assim, destrói estes e salva-nos.

Cura de um leproso (Mt 8, 1-4)

A lepra era considerado um castigo divino pelos pecados, pelo que era motivo para exclusão. Ao curar o leproso, Jesus vem abolir a fronteira entre puro e impuro e dar um sinal da sua missão: salvar a humanidade.

Cura do servo do centurião (Mt 8, 5-13)

A salvação de Jesus é para todos: atinge, pela fé, mesmo os pagãos, representados pelo centurião. O louvor da fé do centurião aponta para o que este pressente em Jesus: o poder de Jesus provém do Pai, por isso não é preciso uma deslocação e um toque físico.
Este episódio coloca em contraste a universalidade do Reino e a infidelidade dos filhos do Reino, os judeus, a quem o Reino pertencia, em primeiro lugar. Por isso, Jesus refere o banquete, como uma imagem do juízo final: quem fica de fora são os “não-crentes”, independentemente de fazerem parte ou não do povo primeiramente escolhido.

Cura da sogra de Pedro e outros milagres (Mt 8, 14-17)

A verdadeira salvação é a ressurreição: a sogra “levanta-se” ou “ressuscita” (palavras que têm o mesmo significado na língua original) e a finalidade da Igreja, de quem a sogra de Pedro é sinal, consiste em servir Jesus.

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A 2ª e a 3ª série focam-se sobre o chamamento de Jesus aos discípulos, que pressupõe:
- A vitória de Jesus sobre o mal (Mt 8, 23-34), representado pela passagem sobre a tempestade e sobre os demónios dos pagãos de Gádara;
- A misericórdia para com os pecadores, representada pela passagem da cura do paralítico (Mt 9, 1-13);
- A novidade do Reino (Mt 9, 14-34): tecido novo, vinho novo, luz aos cegos, palavra aos mudos, e a reacção dos ouvintes.

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2ª série – Jesus convida a segui-l’O (Mt 8, 18 – 9, 13)

Os três milagres que se seguem estão enquadrados pelos convites de Jesus a segui-l’O. Jesus chama, pois a Sua Palavra governa tanto sobre os nossos corações como sobre os elementos naturais (a tempestade), sobre os possessos e sobre as consciências (o perdão dos pecados).

Tempestade acalmada (Mt 8, 23-27)

O mar era considerado refúgio das forças maléficas. Dando ordem aos ventos e ao mar, Jesus comporta-se como Senhor, a cuja autoridade não escapam as forças da natureza.
O relato da tempestade acalmada reflecte uma imagem da vida da Igreja: os discípulos seguem Jesus na barca-Igreja, nesta celebram o Senhor Ressuscitado com o grito litúrgico “Salva-nos”. A designação “homens” refere-se, em Mt, aos “não-crentes”, atribuída aqui aos discípulos devido à sua pouca fé.

Possessos de Gádara (Mt 8, 28-34)

Gádara era uma povoação da Decápole, situada na Transjordânia, país considerado pagão. Esta intervenção de Jesus apresenta a sua orientação universal para libertar toda humanidade do mal.

Cura de um paralítico (Mt 9, 1-8)

A cura do paralítico invoca a misericórdia, reforçada pela referência a Os 6,6 no chamamento de Mateus, e indica que Jesus nos liberta do mal salvando-nos do pecado.
O v.8 é um indicador de que o poder de perdoar os pecados na Igreja, pelos ministros, vem de Jesus.

Chamamento de Mateus (Mt 9, 9-13)

Através da passagem sobre Mateus, Jesus chama todos os pecadores. A acção desenrola-se em três actos:
1º acto – Chamamento:
O verbo “seguir” mostra-nos que se trata da vocação de um discípulo.
2º acto – Jesus junta-se com impuros:
Cena à mesa, em que Jesus come com pecadores – os publicanos são considerados pecadores, pois recebem impostos para os romanos, aplicando margens de lucro duvidosas (este impostos eram recolhidos em Cafarnaum, zona fronteiriça).
3º acto – Controvérsia:
Surge uma questão dos fariseus (v.11), devido ao escândalo que representava a atitude de Jesus - os judeus não se juntavam com pecadores, pois eram considerados impuros. Jesus responde com um provérbio (v. 12) e com recurso às Escrituras, citando o profeta Oseias (Os 6, 6). Jesus define a Sua missão de chamar os pecadores e de os “curar”. A sua resposta é também um convite feito aos fariseus para ultrapassar o fosso criado entre eles e os pecadores, chamando-os à prática da misericórdia, fonte de bondade divina.

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3ª série – Jesus obriga a uma opção (Mt 9, 14-34)

Nesta secção, Jesus refere que a adesão a Ele requer uma escolha definitiva, que significa a ruptura com o antigo modo de vida, renascendo para uma vida plena e nova no Reino do pai.

Discussão sobre o jejum (Mt 9, 14-15)

Jesus é o Esposo e o Seu tempo é o tempo messiânico. Durante esse tempo, os discípulos não devem jejuar, mas sentir e celebrar a alegria de estarem com o Senhor.

O velho e o novo (Mt 9, 16-17)

É necessário escolher entre a novidade trazida por Jesus e o “velho” judaísmo. Jesus indica que tem de se escolher entre o Reino que Ele nos anuncia e o caminho anterior seguido pelos judeus. Os dois caminhos não são conciliáveis.

A filha de Jairo e a mulher com hemorragia (Mt 9, 18-26)

Mais uma vez, a condição de impureza não é impedimento à adesão à Jesus. A salvação vem para todos os que têm fé, independentemente da sua condição. A fé é a verdadeira condição de salvação e é por esta que a mulher é salva. Pela adesão a fé em Jesus, despertamos para uma nova vida, assim como a filha de Jairo.

Cura de dois cegos (Mt 9, 27-31)

A misericórdia infinita de Deus salva-nos libertando-nos duma cegueira de coração, em que não reconhecemos Jesus. Abrindo o nosso coração à fé em Jesus, despertamos o nosso olhar para as maravilhas do Reino, vemos tudo com novo olhar.
A razão de Jesus impor segredo aos miraculados pode residir no facto de não querer que os seus actos tenham consequências ou interpretações políticas.

Cura de um possesso (Mt 9, 32-34)

Este episódio serve para mostrar a divisão de opiniões acerca da actividade de Jesus. Com este, Mt encerra a apresentação de Jesus por palavras e acções.
Surgem duas tomadas de posição diferentes face à revelação do Reino:
- as multidões maravilham-se perante a novidade;
- os fariseus rejeitam a novidade, consumando uma ruptura que vai surgir em vários confrontos no decurso dos relatos seguintes.


8 de mar. de 2011

CONCLUSÃO DO SERMÃO DA MONTANHA (Mt 7, 13- 27)


A conclusão do Sermão retoma Mt 5, 19, referindo-se àqueles cujo ensino e prática ridicularizavam os mandamentos divinos. A ideia-chave é: quem ouviu a mensagem de Jesus não pode ficar neutro, tem de se comprometer. Há duas soluções opostas: duas portas e dois caminhos (Mt 7, 13-14), duas espécies de pessoas (árvores de bom ou mau fruto; Mt 7, 15-20), há o dizer e o fazer (Mt 7, 21-23) e duas maneiras de construir ou concretizar (Mt 7, 24-27).  


A porta estreita (Mt 7, 13-14)

A imagem dos dois caminhos mostra a necessidade de escolha com que nos confrontamos, ao acolher o Evangelho. A porta estreita ilustra as exigências e riscos que seguir Jesus nos impõe e como é difícil superar as dificuldades, pelo que tem de ser ter uma grande persistência e fé.

Os falsos profetas (Mt 7, 15-20)

Jesus refere-se aos profetas e ministros que exteriormente parecem mansos e bondosos, mas que, como lobos, apenas pensam na exploração dos fiéis. A imagem dos frutos realça o comportamento do ser humano e os resultados desse comportamento: é bom ser acolhido como profeta, mas é melhor sê-lo como simples discípulo, modelo de fidelidade ao querer de Deus.


O verdadeiro discípulo (Mt 7, 21-23)

A confissão em palavras deve corresponder à obediência total à vontade do Pai. Deus deve ser absoluto na vida do discípulo. Por muito que demonstre a sua fé em palavras, se a sua conduta pessoal não for conforme à vontade de Deus, ouvirá uma sentença de exclusão “naquele dia”, o dia do juízo, no qual se manifestará a glória de Deus.
 
Edificar sobre a rocha (Mt 7, 24-27)

Refere-se a todos nós. Por um lado, há o discípulo prudente que escuta as palavras de Jesus e as põe em prática, e o louco, que escuta mas não age em conformidade. Prever e agir, eis o que implica a vontade do Pai. “Construir a sua casa” é construir a nossa vida sobre Deus, sobre a sua vontade revelada por Jesus.

Autoridade de Jesus (7, 28 – 29)

A admiração da multidão vinha do conteúdo dos ensinamentos e das palavras de Jesus e da autoridade com que o faz, uma autoridade própria que vem de Deus. Esta multidão segue Jesus e verá em actos o poder do Reino que no Sermão foi anunciado em palavras (Mt 8-9).

Um breve olhar sobre o Sermão da Montanha

O Sermão da Montanha tem como linhas fundamentais a revelação do amor do Pai celeste. Quando se é amado, há uma exigência interior de identidade com aquele que nos ama. Somos amados pelo Pai, que é perfeito, logo também podemos ser perfeitos como Ele. É esta a essência do verdadeiro discípulo: “ser discípulo de Jesus é acolher a oportunidade que Ele nos oferece (a graça) de sermos livres sobre o olhar do Amor” (J. Guillet, em Aujourd’hui la Bible). Esse olhar de Deus revela-se a nós próprios, interessando-se sobretudo pelos nossos gestos. Os gestos mais altos, a generosidade, o desprendimento, a busca de Deus, só atingem o seu valor quando o homem renuncia à sua vontade e com a ajuda de Deus descobre o valor dos seus gestos e da alegria que neles deposita. Esta entrega, este amor que liberta exige tanto de nós porque Jesus tem por nós um amor imenso que requer a mesma intensidade no amor que sentimos e vivemos.
O Sermão da Montanha não procura ser uma abordagem intensiva da Lei e dos Profetas, tendo dois objectivos fundamentais: a interiorização da Lei, apelando a que cada um de nós dê um sentido de amor e pureza às atitudes que temos em conformidade com a Lei; a personalização da Lei, procurando na nossa vivência entrar numa relação íntima com Deus. A lei nova é uma experiência da nossa comunhão íntima plena com Deus.

7 de mar. de 2011

CORPO DO SERMÃO DA MONTANHA: Confiança para com o Pai (Mt 6, 19-7, 12)


Jesus encerra o corpo do sermão com chave de ouro, abordando o tema da Confiança para o Pai. No novo programa de vida que este discurso do Reino apresenta, Jesus ensina-nos a não termos medo, a rezarmos confiantes ao Pai, entregando-Lhe as nossas vidas com as suas necessidades, vivendo com humildade e amor, confiança e entrega total ao Reino.

O tesouro no céu (Mt 6, 19-24)

O recurso à figura dos “olhos sãos e doentes”, referem-se à integridade do discípulo: a falta de luz espiritual é uma cegueira pior do que a falta de visão física. Fixo somente em Deus, o olhar do discípulo ilumina toda a humanidade. O olho é a lâmpada do corpo: por ele, através de um olhar atento, o discípulo deve saber discernir o verdadeiro tesouro e os verdadeiros valores. Jesus alerta para a rendição ao poder do dinheiro, não condenando o uso dos bens terrestres, mas a idolatria dos mesmos, que nos afasta de Deus.

Confiança na Providência (Mt 6, 25-34)

A passagem anterior deixa pensar: como deve o discípulo gerir os cuidados do quotidiano? Jesus responde a esta questão nesta parte, dizendo: “Não vos inquieteis” (Mt 6, 25). Este não é um convite à preguiça, mas à confiança filial no Pai do Céu, que se deve exprimir e alimentar na oração. Jesus começa por estabelecer um paralelo entre a vida e o alimento, e o corpo e o vestido, ou seja, entre o ser humano (vida e corpo) e o trabalho humano (alimento e vestido). A vida é o centro da pessoa – alma, e o corpo representa as suas relações no quotidiano. Qual o valor do homem para Deus? Jesus refere-se às aves, que estão num plano físico alto e aos lírios, que se situam num plano abaixo. As aves são alimentadas pelo Pai e as flores vestidas por este, e no entanto, têm ambas uma ténue existência. Os seres humanos situam-se para Deus, no plano central, sendo amados por este e, apesar da sua pouca fé, valem muito mais para o Criador, por isso não há que temer.
A expressão “Homens de pouca fé”, refere-se ao perigo da incredulidade para os discípulos que se deixam dominar pelos cuidados ou pelo medo. O verbo “preocupar-se” tem a ver com os domínios práticos para os quais o homem utiliza prioritariamente as suas energias. O único cuidado do discípulo deve ser o de viver segundo a justiça do Reino (Mt 6, 33), que Deus assegurará o resto. Isto requer um compromisso do discípulo nas relações com o mundo, que devem ser sempre inspiradas e induzidas pela mensagem de Jesus. Na prática, Jesus diz para viver o quotidiano, um dia de cada vez, entregando-se com confiança à vontade do Pai. Seguidamente, Jesus desenvolve algumas indicações práticas para esta nova forma de vida.

Não julgar os outros (Mt 7, 1-5)

Nesta secção, Jesus não proíbe a apreciação objectiva dos factos, mas o juízo que leva a condenar os outros, usurpando o direito de Deus, único Senhor e Juiz. Não cabe ao discípulo julgar, pois todos somos pecadores. Jesus recorda-nos, assim, o convite à conversão e à humildade.

NOTA: Hipócrita refere-se a um homem de juízo perverso.

Responsabilidade da fé (Mt 7, 6)

“Coisas santas” refere-se, neste contexto, aos ensinamentos de Jesus. A fé deve ser responsável, não desperdiçando ou usando os ensinamentos de Jesus de uma forma vã, mas vivendo segundo estes de uma forma verdadeiramente comprometida.

Confiança na oração (Mt 7, 7-11)

Jesus apela mais uma vez, à importância da oração, de uma oração de confiança de que Deus nos ajudará sempre ao longo do caminho.

A regra de ouro (Mt 7, 12)

Tendo uma formulação negativa no mundo antigo ( semelhante a “não faças aos outros o que não queres que te façam”), Jesus renova-a, colocando-a na formulação positiva: o discípulo deve tomar a iniciativa de fazer o bem sem ter em conta qualquer retribuição - tal espírito de fazer o bem é a síntese da Lei e dos Profetas, renovada em Jesus Cristo.

Em resumo, na prática do quotidiano, o discípulo deve avançar sem medo, pois Deus providenciará tudo o que realmente precisar, vivendo de uma forma comprometida com a Fé, orando sem cessar, sendo humilde, não julgando ninguém e preocupando-se apenas em tomar a iniciativa de fazer o bem.