21 de dez. de 2011

1ª Parte : Quem é Jesus?


I. PREPARAÇÃO DO MINISTÉRIO DE JESUS (1, 1-13)

A primeira secção refere-se aos acontecimentos que precedem a pregação de Jesus e que preparam o começo da Sua missão. Nesta secção, João Baptista surge, na continuação dos anúncios do Antigo Testamento, como o mensageiro que anuncia a vinda do Messias. Jesus aparece para ser baptizado por João. O Senhor revela-se a Ele e anuncia-O como Seu “Filho muito amado”. Em seguida, Jesus segue para o deserto e, numa curta síntese, Mc refere-se às tentações e ao tempo que passou no deserto, antes de iniciar o anúncio da Boa-Nova.


Mc 1, 1-8: Pregação de João Baptista

“Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus.”

Assim começa Mc, com uma frase que é, simultaneamente, título e conclusão antecipada: o Evangelho traz-nos a Boa Nova – Jesus é o Cristo e é o Filho de Deus. Estes dois títulos vão ser determinantes para Mc e todo o texto segue no propósito de nos ajudar a reconhecê-los em Jesus:
à Cristo, o Ungido, o Messias esperado e anunciado pelos profetas;
à Filho de Deus, Salvador, que se revela a nós pela Sua Morte e Ressurreição.

“Conforme está escrito no profeta Isaías: Eis que envio à tua frente o meu mensageiro, a fim de preparar o teu caminho. Uma voz clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas.”

Partindo duma das profecias do profeta Isaías (Is 40, 3), Mc situa-nos perante a sua concretização: eis que aparece no deserto o Precursor, que vem anunciar a vinda do Senhor. Traz-nos uma mensagem: eis o Senhor que vem, para O receber, temos de nos preparar, de endireitar os caminhos – preparar o nosso interior para receber a Sua mensagem com pureza e abertura total do nosso coração.

“João Baptista apareceu no deserto, a pregar um baptismo de arrependimento para remissão dos pecados. Saíam ao seu encontro todos os da província da Judeia e todos os habitantes de Jerusalém e eram baptizados por ele no rio Jordão, confessando os seus pecados. João vestia-se de pêlos de camelo e trazia uma correia de couro à cintura; alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre.”

Citando Malaquias 3, 23, último dos profetas do AT, cujo livro é considerado o “selo dos profetas”, nos últimos versículos: “Eis que vou enviar-vos o profeta Elias, antes que chegue o dia do Senhor, dia grande e terrível.” João Baptista surge como o Precursor e como o profeta Elias que vem antes que chegue o Senhor. Apresenta-se com a mesma idumentária que Elias, em 2 Reis 1, 8, vestido de pêlos de camelo e correia de couro à cintura.
Um dos locais prováveis de onde João estaria seria Betânia, na outra margem do Jordão, do lado do deserto, suficientemente perto para receber as pessoas vindas de Jerusalém e da Judeia. O povo afasta-se da cidade do Templo, coração da fé judaica e vem para o deserto à procura da salvação, à procura do Senhor.

“E pregava assim: ‘Depois de mim vai chegar outro que é mais forte do que eu, diante do qual não sou digno de me inclinar para lhe desatar as correias das sandálias. Eu baptizei-vos em água, mas Ele há-de baptizar-vos no Espírito Santo.”

O baptismo em água de João é um baptismo de conversão interior, de arrependimento e confissão dos pecados. Lavando o nosso interior, retirando deste todo o mal, preparamo-nos para receber a Palavra de Cristo. Só de coração aberto poderemos receber a mensagem que Mc nos irá apresentar. Só com a alma purificada poderemos receber o Espírito Santo, o baptismo de “fogo” que Cristo nos traz e que nos irá encher do Amor de Deus para sermos seus missionários no mundo.


Esta passagem é lida, normalmente, no 2º Domingo do Advento no ano B. Faz-nos uma proposta de vida muito simples: para o Senhor nascer verdadeiramente em nós, precisamos lavar-nos de todo o mal, de tudo o que nos entristece, revolta, ou assusta, para podermos assim receber plenamente a grandiosidade do Espírito. “Só Deus basta”: precisamos de ir buscá-l’O ao deserto, onde não existem as coisas terrenas que normalmente nos distraem; precisamos de nos esvaziar para nos enchermos apenas e somente do Seu Amor.


Mc 1, 9-11: Baptismo de Jesus

“Por aqueles dias, Jesus veio de Nazaré da Galileia e foi baptizado por João no Jordão. “

Este episódio inaugura a vida pública de Jesus. Mc apresenta-o de forma resumida, mas com uma ligação evidente com a mensagem anterior. Jesus surge para ser baptizado por João. Porquê? 

“Quando saía da água, viu serem rasgados os céus e o Espírito descer sobre Ele como uma pomba. E do céu veio uma voz: ‘Tu és o meu Filho muito amado, em Ti pus todo o meu agrado’.”

Neste verso, surge uma teofania que se repetirá na Transfiguração - a presença da Santíssima Trindade:

* Pai – voz;
* Filho – Jesus;
* Espírito Santo – pomba.

A teofania surge nos momentos de uma importante revelação. No baptismo de Jesus, Deus revela-se ao Seu Filho como Pai que o ama: pelo texto se percebe que é Jesus que vê os céus abrirem-se e o Espírito descer como uma pomba. A voz dirige-se a Ele, pois fala na primeira pessoa “Tu és meu Filho.” Na Transfiguração, esta voz já será dirigida aos Apóstolos que o acompanham.
Mc apresenta-nos um Pai que ama o Seu Filho, no qual está todo o Seu agrado: Alguém que é caminho e exemplo para nós.

Esta passagem dá a Jesus a legitimidade como Filho de Deus, indicado pelo Pai para nós, introduz o começo da pregação e começa a desenvolver a revelação da filiação divina de Cristo que vai sendo desvendada ao longo de todo o evangelho.


Mc 1, 12-13: Jesus tentado no deserto

“Em seguida, o Espírito impeliu-o para o deserto. E ficou no deserto quarenta dias. Era tentado por Satanás, estava entre as feras e os anjos serviam-no.”

O deserto foi sempre considerado como um lugar privilegiado para o encontro com Deus. Jesus retira-se, impelido pelo Espírito, durante quarenta dias. Este número recorda os quarenta anos de permanência do povo de Israel no deserto ou o tempo que Moisés permaneceu no Sinai. Durante estes quarenta dias, Jesus confronta-se com o mal e expia os pecados do povo. Onde o povo de Israel não conseguiu resistir à tentação, Jesus renuncia por todos às tentações e mostra o verdadeiro caminho da salvação. Para ser caminho para nós, Ele tem de passar pelas mesmas provações e mostrar-nos que, por Seu intermédio, a salvação é possível. Este confronto com o mal só terminará definitivamente na Sua vitória pela Ressurreição.





7 de dez. de 2011

SOBRE O EVANGELHO SEGUNDO SÃO MARCOS



Sobre a origem e o autor

O Evangelho de São Marcos (Mc) é considerado o mais antigo dos evangelhos contidos no Novo Testamento. Terá sido a referência para a redacção dos outros Evangelhos Sinópticos (São Mateus e São Lucas), no esquema histórico-geográfico que apresenta.

A data provável de escrita de Mc terá sido pouco antes da destruição de Jerusalém, por volta do ano 70, embora haja alguma discussão neste ponto, pois o capítulo 13 de Mc introduz um conceito apocalíptico da espera da vinda de Cristo, que surgiu entre os cristãos após a destruição do Templo. Sendo assim, a redacção de Mc poderá ter sido pouco após a queda do Templo em Jerusalém.

Atribui-se a redacção deste evangelho a João Marcos, filho de Maria, cuja casa disponibilizava para os cristãos se reunirem e orarem, como se pode ler em Act 12, 12. Marcos começa a sua vida cristã acompanhando Paulo e o primo Barnabé nas primeiras viagens, mas posteriormente, afasta-se, numa viagem à Panfília. Ainda se associa a Barnabé numa ida a Chipre, mas depois liga-se mais a Pedro, de quem se pensa que terá recolhido a maioria das informações e dados que, juntamente com a inspiração divina, terão contribuído para a redacção do Evangelho. Pedro refere-se a Marcos como “filho” em 1 Pe 5, 13, pelo que haveria uma grande proximidade.


Sobre a obra

O Evangelho segundo São Marcos reflecte a catequese de Pedro, apresentando uma fase mais primitiva da reflexão da vida de Cristo, desde o Baptismo até à Ascensão, não contendo escritos sobre a infância de Jesus, como Mateus ou Lucas.

Apresenta um estilo simples, com poucos discursos - só apresenta as parábolas e o discurso escatológico – e muitas narrações (e.g. a filha de Jairo). Usa algumas expressões em aramaico (e.g. “Talitha qûm”) e é o único texto bíblico em que Jesus é chamado de “filho de Maria”, pouco comum, pois na altura, um homem era sempre indicado como filho segundo o nome do pai. Marcos tem uma preocupação sempre presente em explicar costumes judaicos, quando necessário, o que situa este Evangelho num contexto pagano-cristão. Refere-se insistentemente a perseguições por causa da Palavra, evocando as experiências vividas pelas comunidades cristãs durante a perseguição de Nero em Roma, no ano 64.

A obra encontra-se dividida em duas partes essenciais:

1ª parte – Quem é Jesus? Pedro responde :”Tu és o Messias!” (Mc 1 – 8, 30);

2ª parte – De que maneira Jesus se realiza como Messias? Morrendo e ressuscitando. (Mc 8, 31 – 16, 20).

Dentro destas duas partes, pode dividir-se o texto em cinco secções:

1ª secção – Preparação do ministério de Jesus (1, 1-13);

2ª secção – Ministério na Galileia (1, 14 – 7, 23);

3ª secção – Viagens por Tiro, Sídon e a Decápole (7, 24 – 10, 52);

4ª secção – Ministério em Jerusalém ( 11, 1 – 13, 37);

5ª secção – Paixão e Ressurreição de Jesus (14, 1 – 16, 20).


Sobre a teologia

A cristologia fundamental da obra é que Jesus de Nazaré é verdadeiramente o Messias que, com a Sua Morte e Ressurreição, demonstrou ser verdadeiramente o Filho de Deus que a todos possibilita a salvação.

Jesus, em Mc, é simultaneamente humano e divino: verdadeiro Homem e verdadeiro Deus, e por isso, o próprio Jesus se refere a si mesmo como Filho do Homem, sendo que o termo Filho de Deus só se revela após a Paixão, através das palavras do centurião diante da cruz, altura em que Jesus realiza plenamente a Sua Missão como Messias sofredor e Salvador. Por isso, toda a acção se desenrola perante o segredo messiânico no qual Jesus insiste, pois a Sua revelação só pode ser compreendida à luz da Paixão e Ressurreição.

Na primeira parte da obra, encontra-se um Jesus preocupado em acolher às pessoas e às suas necessidades, e na segunda parte, Jesus dedica-se a formar os Apóstolos e introduzi-los na intimidade do Pai. Esta formação é exigente e o discípulo de Jesus é apresentado frequentemente como alguém que não compreende bem a missão que lhe é atribuída e não entende verdadeiramente quem é Jesus. A incompreensão dos discípulos é uma das principais características de Mc: neste, qualquer cristão acaba por se sentir melhor retratado.

Mc apresenta-nos um Jesus enigmático e difícil de compreender, envolto no segredo messiânico que só se revela a nós se nos abandonarmos definitivamente à Sua Palavra. Mc deixa-nos perante o incompreensível, perante a verdadeira natureza inexplicável da fé.