6 de abr. de 2012

IV. MINISTÉRIO EM JERUSALÉM: Mc 11-13

Até este ponto do Evangelho, Mc mostra Jesus ensinando os Seus discípulos sobre a Sua pessoa, obra e missão. Segue-se a realização desta missão em dois tempos: o confronto com Jerusalém (11-13) e a paixão, morte e ressurreição (14-16).

O confronto com Jerusalém está organizado no tempo e no espaço em três dias ou jornadas, em que as duas primeiras têm a ver com a chegada e a entrada na cidade e no Templo, e o terceiro dia consiste em ensinamentos que colidem com o judaísmo:

- 1ª jornada: entrada em Jerusalém;

- 2ª jornada: maldição da figueira, expulsão dos vendedores do Templo; explicação da maldição da figueira;

- 3ª jornada: ensinamentos polémicos (Mc 12).

Mc 11, 1-11: Entrada messiânica em Jerusalém

Segundo os Evangelhos sinópticos, é a única entrada em Jerusalém de Jesus. Jesus entra como os reis do AT, montado num jumento, e é aclamado como o Salvador e como Messias-Rei. Esta entrada vai marca a ruptura com o judaísmo, que situava a centralização do poder em Jerusalém: o Messias-Rei vem para tomar posse do templo, local da teocracia de Israel.

v. 3: Jesus refere-se a si mesmo como “Senhor”, termo que só é usado em Mc. Esta designação está normalmente reservada a Deus ou ao Messias-Rei - os cristãos designam assim Jesus ressuscitado.

v. 7-8: Ao entrar como os reis do AT, Jesus manifesta-se como o Rei messiânico que vem trazer a salvação e a paz a Jerusalém.

v. 9: A palavra “Hossana” significa “vem em auxílio” e/ou “por favor, concede a salvação” - Jesus, o Salvador, vai realizar a salvação do seu povo.

v. 11: Após entrar em Jerusalém, Jesus retira-se para Betânia, a 4 km de Jerusalém, junto da família de Lázaro, Marta e Maria. Em Mc, ao contrário dos outros Evangelhos, Jesus apenas observa a cidade, não expulsando logo os vendedores, mas apenas quando regressa, mais adiante. Isto demonstra que Jesus teria estudado este acto e que não seria um impulso do momento.


Mc 11, 12-14: A figueira estéril

À figueira estéril pode atribuir-se o sentido figurativo da improdutividade da casa de Israel – o Templo - no que diz respeito à salvação: Jesus condena um culto vazio de boas obras, e por isso, a figueira não dá frutos, pois o culto não tem raízes assentes numa fé legítima e verdadeira em Deus.

Mc 11, 15-19: Purificação do templo

Este episódio está enquadrado pelos dois episódios da maldição da figueira por uma razão muito específica. A intenção de Mc seria mostrar a incapacidade do culto judaico de reconhecer o Messias e de dar frutos dignos do Reino de Deus que Jesus vem instaurar, pelo que o Templo, seu símbolo máximo, não perduraria por muito mais tempo, algo que depois é afirmado no discurso escatológico.

v. 17: “Covil de ladrões”, refere-se, sobretudo a todos os que se refugiam no Templo, vivendo um culto enganador, que daria uma falsa segurança. O profeta Jeremias (Jr 7, 11) já se referia aos judeus que dissimulavam no Templo a sua conduta pouco própria, escondendo-se atrás de rituais no Templo.

Jesus vem tomar posse do Templo com autoridade e renová-lo, para acolher todos os povos. Os vendedores costumavam instalar-se no Pátio dos Gentios, onde era permitido o acesso a todos os não-judeus. Ao purificar esta zona do Templo, Jesus mostra-nos que Deus vem para todos e não apenas para os judeus, por isso, até o Pátio dos Gentios é um espaço sagrado, que deve ser respeitado e não ser local de venda.

A expressão “para todos os povos” é específica de Mc e demonstra a sua insistência na abertura do Templo para todos, procurando quebrar as fronteiras impostas pelo judaísmo.

Ao expulsar todas as actividades profanas e restaurar a pureza do espaço, Jesus espera que, deste modo, a terra inteira seja consagrada a Deus como seu Templo.

v. 18: Apresenta a oposição, já presente anteriormente, entre o povo, que fica maravilhado com os ensinamentos, e os sacerdotes e doutores da Lei, que procuram matar Jesus.

Mc 11, 20-26: A figueira seca. Fé e oração.

Na realidade, não é a figueira que está em jogo, mas o Templo. Como este não corresponde ao que Deus esperaria, será incapaz de dar os frutos que deveria, pelo que não perdurará (13,2).

O exemplo da figueira serve para afirmar a importância de uma fé orante. Quem recebe a Palavra e crê, não tem de ter medo, nenhum mal lhe acontecerá, pelo que é importante rezar a Deus para manter a fé. Mas é  também preciso ter o coração pronto para receber, sem rancores e ódio, pelo que é fundamental o perdão ao próximo. Como nos pode perdoar o Pai se não perdoamos quem nos ofende?



Mc 11, 27-33: Autoridade de Jesus

Para reconhecer a autoridade de Jesus, é preciso fé e humildade, que os sacerdotes e os doutores do Templo não tinham, apenas possuíam preocupações políticas. Para Jesus lhes dar uma resposta, precisavam reconhecer a Sua autoridade, algo a que não estavam abertos devido à sua agenda política e ao seu orgulho, o que não os abria à Sua Palavra. Não valeria a pena dar-lhes uma resposta, pois nunca a compreenderiam ou aceitariam.


Mc 12, 1-12: Parábola dos vinhateiros homicidas

A história da vinha representa a história do amor e fidelidade de Deus para com o Seu povo, que a estes envia mensageiros, os profetas e, por último o seu Filho amado.

v. 1: O dono é Deus e a vinha é o povo de Israel. Os vinhateiros são os fariseus, sumos-sacerdotes, escribas, anciaos e os doutores da lei, responsáveis pelo legado espiritual do povo e pelo cumprimento da Lei do Senhor.

v. 2-5: Os servos representam os profetas enviados por Deus, que raramente eram ouvidos, sendo maltratados e até mortos ao longo da história de Israel.

v. 6-9: O filho do dono da vinha é Jesus. Deus conduz o Seu próprio Filho ao povo, mas aqueles que estão desejosos de poder, vêem n’Ele uma ameaça e matam-no.

v. 10-11: Jesus pretende apelar à conversão através desta parábola, procurando que cada um reconhecesse o seu papel na parábola e se arrependesse. A pedra angular é, na arquitectura a pedra de fecho da estrutura de um templo. O Messias, pedra angular, é fundamento e remate do Reino de Deus.

Mc começa a levantar o véu sobre o segredo messiânico. Jesus é o Filho de Deus que os responsáveis de Israel vão matar, mas que Deus glorificará na Ressurreição.


Mc 12, 13-17: Tributo a César

Jesus ensina nesta passagem a importância de respeitar e separar a política da soberania absoluta de Deus. Os impostos são assuntos relacionados com política e gestão de governo, sobre estes Jesus não se preocupa, pois para Ele o fundamental são as questões da Fé e o Amor de Deus.


Mc 12, 18-27: A ressurreição dos mortos

Os saduceus recordam a Lei do Levirato, referente a viuvez e descendência.

Ao afirmar que Deus é dos vivos e não dos mortos, após mencionar os três patriarcas – Abraão, Isaac e Jacob – Jesus fala de uma vida nova, a ressurreição. Na vida nova da ressurreição, seremos todos como anjos no céu, as leis e os laços terrenos de nada servirão.

Mc 12, 28-34: O mandamento do amor

A pergunta tinha razão de ser, face à grande quantidade de leis e preceitos existentes na altura. Jesus responde citando o “Chemá Israel” (“Escuta, Israel”) – oração privilegiada do devocionário judaico, que iniciava a liturgia da sinagoga, recitado três vezes por dia pelos judeus, virados para Jerusalém.

O amor a Deus e ao próximo está acima de qualquer ritual e é insubstituível.

Mc 12, 35-37: O Messias, Filho e Senhor de David

A expressão “filho de David” significa que Jesus nasceria na casa de David, neste caso, tendo José, um descendente de David, como pai adoptivo. Mas se David chamava “Senhor” ao Messias, referindo-se em salmos e no conhecimento de profecias, como pode este ser seu filho? Cristo é superior a David, como o próprio reconheceu.

O título de “Filho de David” não está, para Mc, à altura do mistério de Jesus. Jesus é o Senhor de David e de todos os homens.


Mc 12, 38-40: Condenação do farisaísmo

Jesus adverte aqueles que se aproveitam dos ritos e leis sagradas e distorcem a seu favor, para se engrandecerem, pois o mal que fizerem não será esquecido e terá repercussões.


Mc 12, 41-44: A oferta da viúva pobre

O que oferecemos a Deus mede-se em valor pelo espírito em que é oferecido e consoante a privação que representa. Por isso, a viúva deu muito mais do que os outros, porque deu tudo quanto possuía.


Mc 13, 1-2: Discurso escatológico

Nesta passagem, inicia-se o discurso escatológico ou apocalíptico, que segue até ao final do capítulo. Refere-se à destruição do templo, à ruína de Jerusalém, às perseguições e vale para todos os tempos críticos da história.

O templo que Salomão edificou, e que foi reconstruído após o exílio da Babilónia, foi restaurado por Herodes, o Grande. Pouco depois da inauguração, foi completamente destruído pelos romanos, no ano 70, 1030 anos após o primeiro templo. Com ele, desapareceria o símbolo da teocracia de Israel. É o fracasso de toda a pretensão de restaurar o reino de David.


Mc 13, 3-8: Sinais precursores

v. 3: André encontra-se nesta passagem associado aos três discípulos que são testemunhas dos grandes momentos da vida de Jesus: ressurreição da filha de Jairo; transfiguração; oração no Getsémani. Também terá um papel determinante e será martirizado na história da Igreja primitiva cristã.

v. 5-8: Recomenda atenção para não se deixar levar por falsos Messias e aos acontecimentos, mas não será o fim: a mensagem final é de esperança no Senhor.

O acontecimento central é a Parusia ou vinda do Filho do Homem, sinal de libertação para os eleitos. Deus é o único Senhor da História, só Ele a fará terminar e quando o quiser.

Mc 13, 9-13: Perseguição aos discípulos

Continua na sequência do texto anterior. A Palavra deve ser levada a todas as nações, e o Espírito Santo falará pelo missionário. Apesar de todas as guerras e desentendimentos, mesmo entre família, quem manter a fé em Deus será salvo.

Mc 13, 14-20: Destruição de Jerusalém

Esta passagem é uma profecia sobre a destruição de Jerusalém e do Templo, que ocorre cerca do ano 70.

v. 14: A referência “abominação da desolação” está relacionada com a colocação da estátua de Zeus no altar do templo de Jerusalém.

Este anúncio de ruína definitiva do Templo segue uma direcção própria da universalidade de Mc: não faz sentido restaurar o reino de David, que defendia um culto que excluía os pagãos. 

Mc 13, 21-23: Falsos messias

Jesus volta a advertir para estarmos atentos aos falsos profetas e falsos Messias que procuram desencaminhar-nos do caminho da Fé.


Mc 13, 24-27: Vinda do Filho do Homem

No ponto alto do discurso, Jesus fala sobre a Parusia, onde virá reunir os eleitos de toda a terra – universalidade dos escolhidos.


Mc 13, 28-32: Sinal da figueira

Da mesma maneira que interpretamos os sinais da natureza para reconhecer a mudança das estações, também devemos estar atentos aos sinais da vinda do Senhor, para nos prepararmos devidamente e não desfalecemos na fé.

Nem Jesus conhece a hora, só Deus Pai. Jesus volta a afirmar a Sua pequenez diante do Pai, tal como em 10,18; algo que é exclusivo em Mc.

Mc 13, 33-37: Vigilância

A vigilância é uma atitude cristã por excelência: há que dar atenção aos sinais dos tempos, a fim de que a fé não se perca perante os perigos e adversidades. A Parusia não deve dar lugar ao medo ou ansiedade, mas sim, ser uma mensagem de esperança.

v. 35: Jesus refere quatro vigílias ou partes da noite que eram, na Antiguidade: à tarde - 18-21h; à meia-noite - 21-24h; ao cantar do galo - 0-3h; de manhãzinha - 3-6h.

Em suma, Jesus adverte os cristãos para não se deixarem desorientar por falsos testemunhos, tendo consciência das difíceis condições que os espera na luta pelo Reino de Deus, mas com uma mensagem final de esperança: quem perseverar até ao fim será salvo.

5 de abr. de 2012

III - VIAGENS POR TIRO, SÍDON E DECÁPOLE: Mc 8-10

Mc 8, 27-30: Confissão messiânica de Pedro

Com esta passagem, inicia-se uma nova secção, em que Jesus dedica-se mais à formação dos discípulos para a missão que teriam de desempenhar, bem como prepará-las para o que ia acontecer, através dos anúncios da Paixão.

v. 27: Cesareia de Filipe (actualmente, Banias) é um local onde acontecem dois eventos determinantes em relação a Pedro:
- onde Pedro faz a confissão messiânica;
- onde Jesus anuncia que fundará a Sua Igreja em Pedro.

v. 27- 29: Jesus faz uma dupla pergunta: o que diz a multidão sobre a Sua identidade - é o maior dos profetas; o que dizem os discípulos sobre si (personificados em Pedro) – é o Messias. Esta duplicidade de respostas de acordo com quem responde distingue claramente a multidão dos discípulos: a multidão reconhece em Jesus algo de especial (profeta), mas não compreende verdadeiramente a Sua identidade, pois ainda não aderiu à Sua Palavra, ainda não entregou completamente o Seu coração; os discípulos, que caminham com Jesus, que vivem com Jesus e escutam a Sua Palavra, começam a conhecer a verdadeira natureza de Jesus – o Messias.

v. 29: A palavra “Messias” vem do aramaico e significa “ungido”. A palavra equivalente em grego é “Cristo”.
Só a quem se entrega de coração a Cristo pode reconhecê-l’O como o Messias, e n’Ele ser salvo. Simão Pedro personifica todos a quem se põe a questão da identidade de Jesus e que procuram dar resposta: no fundo, Pedro representa cada um de nós no nosso caminho de Fé ao encontro de Jesus Cristo nas nossas vidas.

v. 30: Jesus insiste no segredo messiânico, pois só pela Paixão e Ressurreição este título poderá ser verdadeiramente revelado e compreendido.



Mc 8, 31-33: Primeiro anúncio da Paixão

O primeiro anúncio da Paixão marca o início dos ensinamentos e revelação que se referem à Paixão e Ressurreição. Por este anúncio, começa o debate central do livro: a correcta interpretação da missão de Jesus segundo as perspectivas de Deus.

São três anúncios no total e decorrem até à chegada a Jerusalém. São constituídos por três partes:
1) Anúncio;
2) Incompreensão dos discípulos;
3) Ensinamentos de Jesus:
- A missão de Jesus não é a de um Messias triunfante, mas a de um servo sofredor;
- O caminho de Jesus é o caminho que os discípulos devem seguir.
Vai-se verificando um crescendo na informação dada de anúncio para anúncio.

v. 31: O título “Filho do Homem” significa o Homem verdadeiro, o representante da humanidade, aquele por quem o julgamento dos homens se irá realizar.

v. 33: Pedro representa todos os discípulos nos seus momentos de fraqueza: estes devem procurar seguir Jesus pelo caminho que Deus lhes traça e não  seguir segundo a vontade dos homens.


Mc 8, 34- 9, 1: Condições para seguir Jesus

Primeiro ensinamento de Jesus, após o anuncio da Paixão.

v. 34: O caminho da cruz que Jesus anuncia é o caminho de quantos o aceitam. É um caminho de descoberta do que é ser discípulo. É para todos, por isso, é anunciado publicamente à multidão.

v. 35: Paradoxo - a única maneira de salvar a própria vida é perdendo-a, por Cristo, pelo Evangelho. Cristo traz a salvação, pela Sua morte e Ressurreição. Para nascermos nesta nova vida, precisamos morrer na nossa existência anterior, renunciar ao que éramos e tornarmo-nos novos seres em Cristo.

v. 38-39: A referência à vinda do Filho do Homem ou “parusia” é um estímulo à esperança e, sobretudo, uma exortação à vigilância. “Não experimentarão a morte” poderá ser uma referência à ressurreição.
Acreditar em Cristo é reconhecer n’Ele o Filho de Deus na Sua Paixão, Morte e Ressurreição. Esta fé exige seguir os seus passos, agir, comportar-se, dar-se como Ele se deu, para nos salvar.


Mc 9, 2-10: Transfiguração de Jesus

Existem três quadros ao longo do Evangelho em que Pedro, Tiago e João são testemunhas:
- Ressurreição da filha de Jairo – poder de Jesus sobre a morte;
- Transfiguração de Jesus – glória da Ressurreição antecipada;
- Agonia no Getsemani – modo segundo o qual Jesus caminha para a glória.
A Transfiguração é a manifestação antecipada da glória do Filho do Homem.

v. 2: O monte  mencionado seria provavelmente o Monte Tabor ou o Hermon. O monte é um lugar elevado, lugar privilegiado para o encontro com Deus.

v. 3: As vestes brancas são um sinal da glória celeste do Filho do Homem.

v. 4: Elias e Moisés surgem em estreita relação com Jesus: Jesus assume e aperfeiçoa a missão profética de Elias; Jesus assume e aperfeiçoa a missão legislativa de Moisés.

v. 5-6: A visão dos discípulos é assombrosa e entram em êxtase: é um “medo” sagrado que o homem sente quando presencia o divino. Pedro mostra este êxtase (“não sabia o que dizia”). As tendas podem ser uma alusão à festa dos Tabernáculos, uma festa de esperança, sinal da vinda do Reino.

v. 7: Dá-se uma teofania, como no Baptismo, mas agora, a voz dirige-se aos discípulos, revelando Jesus como verdadeiro Deus: “Escutai-O”.

v. 8: A visão é efémera e provisória, pois o caminho da cruz tem de ser feito, pelo que ainda não chegou a hora de tudo se concretizar.

v. 10: Ao discutirem a Ressurreição, nota-se que os Apóstolos não compreendem o que pode significar, algo que só fará sentido quando Jesus concretizar em pleno a Sua missão de servo sofredor e ressuscitar.

A Transfiguração não é apenas uma revelação de Jesus como divino, mas sobretudo, serve para mostrar que não se chega à glória a não ser pelo dom da própria vida.



Mc 9, 11-13: A vinda de Elias

Segundo as profecias, o profeta Elias viria para preparar a vinda do Messias. João Baptista é Elias que regressa para preparar o caminho e passa por uma missão de sofrimento, dando a Sua vida: a chegada do Reino de Deus deve ser esperada no seguimento da cruz.


Mc 9, 14-29: O jovem epilético

v. 18: Os sintomas descritos são concordantes com epilepsia. As doenças de natureza mental ou neurológica assumiam-se como provocadas por possessão de espíritos malignos na Antiguidade.

v. 19: A geração incrédula consiste nos discípulos – que não conseguiram expulsar o espírito maligno do jovem – e na multidão, que não acredita na força da fé que conduz à salvação.

v. 23-24: Tudo é possível a Deus em favor daquele que crê. O pai do jovem, ao abrir-se inteiramente à fé em Cristo, permite abrir o caminho para a salvação do seu filho.

v. 28-29: A força da oração é essencial a todo o discípulo, pois este tem necessidade de estar em sintonia perfeita com Deus para conseguir libertar do mal quem vai ajudar.


Mc 9, 30-32: Segundo anúncio da Paixão

v. 30: O segredo da viagem para a multidão servia para Jesus ter o tempo e as condições necessárias para preparar os discípulos para o que se ia passar quando chegasse a Jerusalém.

v. 32: O facto de os discípulos não entenderem o que Jesus queria dizer mostrava que ainda não compreendiam verdadeiramente a missão do Messias. Esta compreensão só virá após a morte e ressurreição de Cristo.


Mc 9, 33-37: O maior no Reino

Ensinamento que se segue ao segundo anúncio da Paixão.

v. 33-34: O desejo de ser o maior para os discípulos demonstrava que esperavam um Messias temporal, um Rei terreno, pelo que estavam à procura de protagonismo no novo reino terreno que julgavam que iam surgir.

v. 35: Aos Doze em especial, Jesus revela que, para se ser o maior no Reino de Deus, deve se “ser o último e servo” em palavras e gestos: servir com dedicação e humildade a todos os que precisam.

v. 36-37: Jesus dá um exemplo ambíguo: a criança, pela sua dependência, disponibilidade (pequenino) e fragilidade representa os discípulos, que devem ser acolhidos para que o próprio Jesus seja acolhido na vida de quem os recebe; por outro lado, a criança representa os desprotegidos, os pobres e os marginalizados, que devem ser aqueles que o discípulo deve receber e assistir. A relação é um pouco complexa, pois Jesus é quem acolhe, mas também se faz acolhido por intermédio destes “pequeninos”, mostrando a grandeza eminente do mais pequeno no Reino de Deus.


Mc 9, 38-41: Quem não é contra nós é por nós

Quem age por Cristo, ainda que não siga a Igreja fundada, é também de Cristo, fará parte do Reino de Deus, pois também está a contribuir para a sua construção.

v. 38: O homem que age em nome de Jesus sem ser Seu discípulo mostra a acção de Cristo fora das fronteiras visíveis da Igreja.

v. 39: A acção feita em nome de Jesus e a palavra acerca de Jesus podem existir fora do grupo dos discípulos de Jesus, e esta será verdadeira se incidir na fé em Cristo.

v. 40: A reacção de João é de deter o monopólio do poder de Cristo. Jesus responde ensinando-lhes que, se a obra vem de Deus, é verdadeira e não se pode impedir. O Reino de Deus é muito maior e a função dos discípulos é a de servir o Reino e não procurar deter poder para si.

v. 41: O copo de água pode fazer alusão a um gesto de piedade para com um cristão desprezado e maltratado, podendo aludir às perseguições vividas pelos primeiros cristãos.

Os Doze são postos em cena nestes ensinamentos por um motivo muito especial. São aqueles que Jesus escolheu para viver com Ele e colaborar na Sua obra, sobre os quais a primeira comunidade crista se estruturou. Devido à autoridade que irão ter, Jesus insiste em lembrar da sua condição de servos de todos no Reino de Deus.


Mc 9, 42-50: O escândalo

 “Escandalizar os pequeninos” refere-se aos próprios discípulos. Entre os crentes, há alguns que não são tidos em conta e escandalizar um deles é muito grave aos olhos de Deus, de tal forma que quem o faz, seria preferível perder uma mão, um pé, um olho… Estes “pequeninos” também podem ser os que são tentados a abandonar a Igreja porque esta não se reforma, ou aqueles que querem fazer parte da Igreja e não conseguem porque o nosso comportamento mantém-nos de parte e exclui-os.

v. 42-48: O gesto de cortar e arrancar significa evitar e suprimir tudo o que possa ser ocasião de pecado. A Geena era um vale situado a sudoeste de Jerusalém, onde se queimava o lixo – este tornou-se uma imagem associada ao inferno.

v. 49: “Todos serão salgados com fogo”: o discípulo tem de passar pela provação para se tornar agradável a Deus e útil aos irmãos.

v. 50: O sal é um tempero, sem ele a comida não tem sabor. Da mesma maneira, se tivermos sal, ou seja, consistência na nossa fé, não haverá ocasião para escândalo e assim viveremos em paz uns com os outros.


Mc 10, 1-12: Jesus e o divórcio

v. 4-5: A dispensa matrimonial concedida por Moisés devido à dureza dos corações rabínicos não se pode sobrepor às origens. Foi uma solução provisória em face de um problema da época.

v. 7-9: Deus fez o homem e a mulher para se unirem e serem um só de forma que nada os deverá separar, pois foram unidos por Deus. “uma só carne” significa tornados num só SER.

v. 12: Mc terá como alvo leitores de uma comunidade em que a mulher também pode divorciar-se, daí a menção de divórcio assumido por uma mulher.


Mc 10, 13-16: Jesus e os pequeninos

Só com a humildade e a simplicidade de uma criança, que tudo acolhe sem questionar, é que podemos acolher Jesus: sem medo, de coração aberto, despertos e entusiasmados com a novidade da Sua Palavra, recebendo com alegria o Reino de Deus.


Mc 10, 17-22: O homem rico

Cumprir os mandamentos faz parte do caminho, mas não chega para alcançar a vida eterna, o Reino de Deus. É preciso deixar tudo o que nos prende e nos impede de acolher Deus e o Seu Amor no nosso coração.
Este episódio serve para uma instrução específica dada aos discípulos, divida em duas partes: o perigo das riquezas e a recompensa do desprendimento.


Mc 10, 23-27: Perigo das riquezas

As riquezas, vistas como uma bênção no AT, podem trazer perigos ao afastar o coração do homem do mais importante – o Amor a Deus e ao próximo. Para receber o Reino de Deus, temos de abdicar da nossa vida para ganhar a plenitude com Deus, ganhar a nossa alma.

v. 26-27: A salvação parece impossível de atingir. Na realidade, não podemos entrar no Reino de Deus pelos nossos próprios meios, só Deus nos pode fazer entrar. A única coisa que podemos fazer é acolher o dom que o Pai nos dá como uma criança, desfazermo-nos de tudo o que tínhamos e éramos, para nascermos de novo no Reino que Deus escolheu para nós.


Mc 10, 28-31: Recompensa do desprendimento

Esta passagem é a conclusão das duas anteriores. Jesus e o Seu Reino são o valor absoluto – tudo o resto, bens, terrenos e família, vêm em segundo plano. O missionário, o discípulo deve entregar toda a sua vida a Deus para não haver obstáculos à Sua missão.

v. 30: Mc poderá referir-se à experiência da Igreja primitiva, onde havia tribulações e perseguições, mas também o ganho de uma família muito maior, que se reflecte nos laços de afeição e de ajuda que existiam entre os cristãos (“receberá cem vezes mais”), e a vida eterna futura.

v. 31: Os primeiros, segundo os critérios na Terra, são as pessoas com poder e visibilidade. Estes poderão ser os últimos segundo os critérios do Evangelho, pois no Reino de Deus, os bens terrenos não têm qualquer valor, apenas os bens espirituais.


Mc 10, 32-34: Terceiro anúncio da Paixão

“Subindo para Jerusalém”: a ida à Cidade Santa para adorar, sacrificar e celebrar o Senhor no Templo, era um acontecimento importante na vida de todos os judeus.
Pela terceira vez, Jesus anuncia que será um Messias sofredor mas, pela petição feita pelos filhos de Zebedeu, compreende-se que os Apóstolos ainda não compreendem o que Ele quis dizer.


Mc 10, 35-45: Poder e serviço

Ensinamento que se segue ao terceiro e último anúncio da Paixão.

v. 38: “beber o cálice”, simboliza o sofrimento por que Jesus irá passar; “receber o baptismo” – assim como o baptizando é imerso nas águas, assim Cristo será submerso num mar de sofrimentos.

v. 40: Jesus apresenta-se como o servo do Senhor, não podendo tomar as decisões de Deus, mas unicamente fazer a Sua vontade. Não pode, assim, atender ao pedido de Tiago e João, pois a vontade de Jesus não se sobrepõe à vontade do Pai.

v. 43-45: Quem quiser ser o maior, faça-se servo de todos. O melhor governante é aquele que serve e que procura o melhor para o seu povo, abdicando dos seus interesses pessoais. Por isso, no Reino de Deus, onde o Amor é o valor máximo, o maior é o que mais ama, é o que mais serve.

Este serviço não é sinónimo de se apagar diante dos outros. É servir verdadeiramente a Deus através de uma acção visível mas humilde. Cristo foi um homem público e o Seu exemplo foi testemunhado por muitos. Também nós devemos exercer de forma visível, mas sempre humildemente o nosso serviço, servindo como exemplo para todos.


Mc 10, 46-52: Cura do cego de Jericó

Este é o último milagre relatado por Mc. O cego chama-se Bartimeu: este quer ver e, para isso, chama Jesus com insistência. A cura de Bartimeu não requer qualquer gesto, ao contrário dos outros milagres, porque basta a fé para ser salvo. Após conseguir ver, o cego segue Jesus para Jerusalém. O milagre não vem apenas de Jesus, mas sobretudo da fé de Bartimeu: sem esta, ver não era possível.

Bartimeu é o exemplo do verdadeiro discípulo: é incapaz de seguir Jesus por si próprio - lembrar a incompreensão dos discípulos face aos anúncios da Paixão). Mas Jesus cura e ilumina os seus discípulos, tornando-os capazes de O seguirem.

A cura do cego como último milagre marca uma viragem na narrativa de Mc. Bartimeu refere-se a Jesus como “Filho de David”, que poderá ser um prenúncio da revelação de Jesus como o Messias através da Paixão, morte e Ressurreição.

3 de abr. de 2012

II. Ministério na Galileia e III. Viagens por Tiro, Sídon e Decápole (Mc 6-8)

Mc 6, 1-6: Jesus em Nazaré

v. 3: Os habitantes de Nazaré vêem Jesus apenas como um carpinteiro, profissão que herdou de José, como seu filho adoptivo. A designação que lhe atribuem de “filho de Maria”, pode ter a intenção em Mc de revelar a calúnia das pessoas por causa da situação de José, pois, habitualmente um filho era sempre chamado pelo nome do pai, não pelo da mãe. No entanto, “filho de Maria” também alude à conceição virginal: Jesus é filho da Virgem; é “o filho”, pois é filho único – na Antiguidade, designavam-se por irmãos e irmãs, todos os parentes próximos (e.g. primos e primas), por isso, a referência aos seus irmãos e irmãs pode ser na realidade, a outros membros da família de Jesus.

vv. 4-5: Jesus não fez milagres na terra onde cresceu, porque um milagre não faz sentido fora do contexto da fé. Não aceitar Jesus como Filho Unigénito de Deus afasta-nos do seu projecto de Salvação: só a fé em Cristo nos abre o caminho à salvação porque abre-nos o coração à Sua mensagem.

A verdadeira família de Jesus são que têm fé e acreditam n’Ele: os Seus irmãos são todos os cristãos que seguem a Sua Palavra e que proclamam que Jesus Cristo é o Filho de Deus.

Mc 6, 6b-13: Missão dos Doze

Esta passagem tem correspondência com o chamamento em 3, 14-15: “para os enviar a pregar”: apresenta a segunda parte do programa missionário.

 v. 7: “envia dois a dois” – duas testemunhas dão maior credibilidade no anúncio do Evangelho, e podem apoiar-se mutuamente: enquanto um fala, o outro reza pedindo a força do Espírito Santo e a abertura de quem escuta.

v. 8: “nem pão, nem alforge” – exigência de agilidade e de desprendimento, consequência de seguir Jesus e de consagrar em pleno a sua vida ao anúncio do Evangelho.

v. 11: “se não fordes bem recebidos” – a missão cumprir-se-á com dificuldade, o que alude às dificuldades missionárias da comunidade de Mc na igreja cristã primitiva em anunciar a Palavra.

v. 12: “pregaram e curaram” – são os dois aspectos da pregação do Evangelho: a proclamação da mensagem e os sinais da salvação testemunham a Boa-Nova: o Evangelho é um poder de acção contra o mal. A unção com óleo simboliza o poder miraculoso de Jesus e da consagração a Deus no AT, prefigurando o sacramento cristão da Unção dos doentes.


Mc 6, 14-16: Herodes e Jesus

Mc 6, 17-29: Execução de João Baptista

Discute-se a identidade de Jesus através de Herodes. A questão de quem é Jesus será resolvida por Pedro na Confissão Messiânica (8,29). A opinião dos homens acerca de Jesus estabelece um paralelismo entre João Baptista e Jesus, introduzindo subtilmente o anúncio da Paixão.

Mc coloca o assassínio de João Baptista nesta parte por uma identidade de atmosfera: a missão evangelizadora vai ser vivida na perseguição e não tem sucesso assegurado.


Mc 6, 30-33: Regresso dos Apóstolos

Jesus e os Apóstolos procuram recolhimento após regressarem da missão, mas não é possível escapar da multidão, pois é necessário cuidar desta. Esta passagem é a única vez em que o Evangelho se refere aos discípulos como Apóstolos. Esta palavra significa “enviados”, atribuindo-lhes o título que lhes confere a sua missão, que irão desempenhar ao longo das suas vidas.

Seguem-se duas séries de cinco episódios que vão ter uma relação estreita com a acção de Cristo, primeiro na Galileia, depois em Tiro, Sídon e na Decápole: 

Primeira multiplicação dos pães
(6, 30-44)
Segunda multiplicação dos pães
(8, 1-9)
Jesus caminha sobre o lago
(6, 45-52)
Travessia do lago
(8, 10)
Genesaré - diálogo com fariseus
(6, 53 – 7, 23)
Dalmanuthá - altercação com fariseus
(8, 10, 12)
Tiro e Sídon – a siro-fenícia
(7, 24-30)
Ida para a outra margem, discussão sobre o pão entre Jesus e os discípulos (8, 13-21)
Jesus cura um surdo-gago
(7, 31-37)
Cura do cego em Betsaida
(8, 22-26)

Mc 6, 34-44: Jesus alimenta cinco mil pessoas

Jesus é o Bom Pastor: Ele alimenta as Suas ovelhas, pede aos Apóstolos para renunciarem ao seu descanso, pois devem anunciar a Boa-Nova a todos os que os procuram, dá-nos o verdadeiro alimento e oferece-se na Palavra e no Pão partilhado.

Este “banquete” de Jesus com o povo opõem-se ao relato anterior do banquete macabro de Herodes com os “grandes”: Herodes dá a morte a João Baptista, Jesus dá a vida à multidão.

v. 34: Jesus tem piedade da multidão porque estão desorganizados (“sem Pastor”). Jesus é Aquele que ensina, o Missionário ao serviço da Palavra: proclama e ensina.

v. 37-39: Os Apóstolos não têm os meios, embora vejam o que há a fazer (“manda-os (…) comprar de comer”). Jesus manda-os acomodar as pessoas e dá-lhes os meios. Este é o retrato do Apóstolo e dos missionários: devem prosseguir a sua obra e ocupar-se da multidão; o repouso fica para mais tarde…

v. 34, v. 41: Esta passagem apresenta os elementos estruturais da Eucaristia - Liturgia da Palavra e Liturgia Eucarística:

- “começou a ensinar”;

- “tomou os pães”;

- “pronunciou a bênção”;

- “partiu os pães e dava-os”.

vv. 39, 42-44: Organização do povo em grupos - os discípulos organizam o povo e recolhem as sobras. O alimento espiritual é inesgotável e é para todos Os doze cestos aludem ao ministério apostólico – doze Apóstolos, encarregados de colocar à disposição o alimento do Senhor a todos quantos o procurarem.

O texto apresenta duas linhas principais:

- O ensino acerca do ministério apostólico - Jesus forma os discípulos para a Sua missão;

- O ensino acerca do próprio Jesus – Pastor do novo povo, com a missão de reunir, instruir e alimentar.

Jesus é o Pastor do seu povo, novo Moisés e novo David. Cuida do povo e alimenta-o, reúne-o em torno da Palavra e do Pão. A partir destes elementos o povo identifica Jesus como o Filho de Deus, o Messias esperado.


Mc 6, 45-52: Jesus caminha sobre as águas

Esta passagem apresenta algumas semelhanças à passagem da tempestade acalmada. Jesus retira-se, provavelmente, para fugir à multidão que, segundo Jo 6, 15, queria fazê-lo rei.

v. 52: “coração endurecido” dos discípulos – pode reflectir as perseguições e outras dificuldades da comunidade cristã primitiva.

Jesus realiza os milagres em apoio da credibilidade da Sua Palavra, e não, como manifestação da Sua divindade (Jesus nunca se apresenta como Deus, mas sempre como Filho de Deus). Os milagres servem para alimentar a nossa fé, não para a fundamentar, e fazem-nos compreender o que Jesus quer realizar no coração dos crentes – uma adesão pessoal e sem medo, pois não temos nada a temer quando Jesus está connosco. Ele protege-nos de todo o mal, só precisamos de nos mantermos firmes na fé.



Mc 6, 53-56: Curas em Genesaré

Genesaré fica ao lado do lago da Galileia. Esta passagem é um resumo da acção de evangelização nesta região. As curas mencionadas aludem ao dinamismo do Reino realizado em Jesus Cristo. Esta terra irá ser posta em paralelo com terras do outro lado do lago (Tiro, Sídon e Decápole) após a segunda multiplicação dos pães.

Mc 7, 1-23: Jesus e as tradições judaicas

Esta polémica precede a digressão que Jesus vai fazer em terras pagãs, servindo como esclarecimento da maneira de viver judaica e introduzindo o problema pastoral de inserção dos pagãos na comunidade cristã.

Deus deu-nos os Mandamentos para vivermos com sabedoria e inteligência, não para esmagar o homem com regras. Os rabinos foram acrescentando regras e regras, mas a Lei do Senhor é perfeita, não precisa de correcções. A Lei deve ser, antes de tudo, cumprida com responsabilidade, tendo em conta as exigências do tempo, do lugar e das pessoas.

A Lei de Deus e a Sua Palavra devem ser inscritas no coração do homem. É o ser humano que origina a sua impureza, de acordo como sente e vive (o coração é o centro da pureza cristã). O critério último da observância da Lei é o amor eficaz ao próximo. As tradições e práticas são importantes desde que não se tornem um obstáculo ao amor a Deus e ao próximo.

A religião que Jesus ensina é a religião do coração.



III - VIAGENS POR TIRO, SÍDON E DECÁPOLE

Mc 7, 24-30: A mulher siro-fenícia

Jesus veio primeiramente ao povo de Israel, mas a fé da mulher pagã demonstra que a salvação chega para todos os que acolhem Jesus e crêem n’Ele, independentemente da Sua origem. Assim, o “pão” que está, primeiramente, reservado a Israel, será um dia repartido por todos.


Mc 7, 31-37: Cura de um surdo-mudo

A cura do surdo-mudo em território pagão mais uma vez mostra uma humanidade nova inaugurada por Jesus em que todos podem ser membros.

Esta cura apresenta uma perspectiva litúrgica e sacramental ligada com o Baptismo cristão. Manteve-se a palavra “Effathá” no ritual: significa que, curado da surdez e da mudez espiritual, o baptizado pode ouvir a Palavra de Deus e entra na comunidade dos irmãos, onde não há distinções - todos são herdeiros do Reino prometido por Deus àqueles que O amam.

v. 33-34: Jesus tem os gestos de um taumaturgo:

- Jesus leva o doente “para longe da multidão” – vai dar-se um acontecimento transcendente;

- Uso da saliva e do toque – meio de cura nos milagres;

- Jesus “ergueu os olhos ao céu” – é o poder divino que vai realizar o milagre;

- Jesus “suspira” – apelo a Deus, com a consciência de que é uma tarefa difícil (e.g. são precisas duas insistências para que o cego veja, algo que também acontece na cura do cego de Betsaida, em 8, 22-26).


Mc 8, 1-10: Jesus alimenta quatro mil pessoas

Segunda narração da multiplicação dos pães, muito semelhante à primeira, apresentando algumas diferenças:

- Jesus refere-se às duas multiplicações como episódios diferentes em 8, 19-20;

- Jesus também beneficia os pagãos: a Palavra deve ser para todos, o que é uma orientação missionária essencial em Mc;

- Jesus compadece-se porque a multidão não tem de comer (v. 2);

- A actividade dos discípulos é menos sublinhada, mas continuam como intermediários entre Jesus e a multidão (v.6);

- Na primeira multiplicação, Jesus “pronunciou a bênção” (do grego “eulogein”), o que está relacionado com o rito judaico, mas na segunda multiplicação “deu graças” (do grego “eucharistein”), o que está relacionado com a comunidade não-judaica da igreja primitiva (v.6-7).

v. 4-6: Aspecto formativo dos Apóstolos: têm à disposição tudo o que é necessário para alimentar a multidão; devem ir para junto dos pagãos, têm uma missão universal.

v. 8: Os sete pães e os sete cestos podem ser uma possível alusão aos Sete, um grupo à volta do qual se organizava a comunidade de cristãos helenistas de Jerusalém, o que pode estar relacionado com uma origem greco-cristã desta passagem de Mc.

Mc 8, 11-13: Os fariseus pedem um sinal

Era legítimo exigir um sinal que credenciasse o enviado na missão, mas Jesus provou a sua missão com sinais anunciados no AT. A exigência dos requerentes denunciava cegueira voluntária e má vontade perante toda a acção de Jesus Cristo.

Mc 8, 14-21: O fermento dos fariseus e de Herodes

v. 14-16: O fermento tem a função habitual de transformar ou alterar as propriedades da farinha. Quando Jesus se refere ao fermento dos fariseus, fala da corrupção destes e da maneira como distorciam e interpretavam a Lei erradamente.

v. 19-21: A multiplicação dos pães mostra-nos que só a Palavra de Deus é verdadeiro alimento para a nossa vida e esta sacia-nos plenamente. A menção a dois milagres distintos realça a falta de inteligência dos discípulos perante a evidência destes acontecimentos. Jesus procura abrir o coração dos seus discípulos à autenticidade da missão, que é dirigida a todos.

Mc 8, 22-26: Cura do cego de Betsaida

A cura da cegueira dá-se em dois tempos, o que está interligado com o crescimento da Fé e reconhecimento da identidade de Cristo e da Sua missão ao longo do Evangelho: 


1) Crescimento na Fé
2) Progresso na Revelação
Cego de Betsaida
Imagens distorcidas (“homens como árvores”).
Imagem nítida da realidade.
Testemunhas da acção de Cristo
Confissão de Pedro.
Confissão do centurião.
Reconhecimento de Jesus e da Sua missão
Jesus como Mestre.
Jesus como Servo sofredor na Sua morte e Ressurreição.

A manifestação messiânica dá-se através de sinais: milagres, mas Jesus insiste no segredo messiânico – o Reino de Deus está próximo, mas a compreensão plena de que Jesus é o Messias só virá mediante a crucificação.

Estas curas simbolizam a cura espiritual dos discípulos:

- Surdo – abertura à escuta da Palavra;

- Cego – reconhecimento de Jesus como o Messias.

Após a cura espiritual, os discípulos reconhecem Jesus, o que se realiza na confissão messiânica de Pedro.