31 de mar. de 2012

II. Ministério na Galileia (Mc 4 - 6)

Mc 4 - PRIMEIRO DISCURSO - PARÁBOLAS


Mc 4, 1-9: Discurso em parábolas: o semeador

Este constitui o primeiro grande discurso deste Evangelho (o segundo discurso é o discurso escatológico). As parábolas são tiradas do quotidiano doméstico, dão-nos a compreender a missão de Jesus, desde que estejamos em sintonia com a Sua mensagem, senão parecem-nos difíceis de compreender.
A parábola do semeador é especialmente dedicada aos ouvintes de Jesus.


Mc 4, 10-12: O porquê das parábolas

Faz-se uma distinção entre multidão e discípulos: Jesus fala a todos mas só explica aos discípulos. Porquê? Na mentalidade judaica, o v.12 é equivalente a “eles, por mais que olhem, não vêem, por mais que ouçam, não entendem, a não ser que se convertam e Deus lhes perdoe”. A chave para a compreensão das parábolas está no Reino de Deus: o segredo é dado a revelar a quem se converte de coração a Deus – só a estes é dada a explicação, pois já acolheram a Jesus e estão abertos à Sua mensagem. Os que “estão de fora” não são a multidão necessariamente - que não escuta a explicação - mas antes, todos os que ficam de fora da fé, ou seja, os que não aderem a Cristo.

Mc 4, 13-20: Explicação da parábola do semeador

Jesus começa por sublinhar a ininteligência dos discípulos ao não compreender a parábola: esta crise não será resolvida até ao fim e fica em aberto para nós – também nos diz respeito, pois cabe-nos a todos abrir o nosso entendimento para compreender e viver a Palavra de Deus.
O Semeador é Cristo, pois revela o Pai, a Semente é a Palavra, que Cristo semeia em nossos corações, e a Terra representa cada um de nós, que recebe e escuta a Palavra. Existem vários tipos de terra, ou seja, vários tipos de ouvintes:
- A terra à beira do caminho onde as aves comem as sementes recebidas, representa todos aqueles que não recebem a Palavra, porque deixam que o mal retire esta dos seus corações;
- O terreno pedregoso representa todos os que recebem a Palavra com alegria, mas não estão enraizados em Cristo, pelo que desfalecem perante as dificuldades;
- O terreno com espinhos representa todos os que se deixam levar pelas seduções do mundo, que impedem a adesão à Palavra;
- A boa terra simboliza todos os que acolhem verdadeiramente a Palavra e a vivem com fé: estes dão frutos, através das boas obras que praticam.


Mc 4, 21-23: A lâmpada

A lâmpada simboliza, simultaneamente, os nossos actos e a Palavra de Deus.
Os nossos actos, se forem fruto da Palavra, não se devem esconder, mas sim serem revelados à vista de todos para glória de Deus Pai.
Também a Palavra de Deus, que traz em si uma luz imensa, não se consegue esconder. A Sua luz é tão intensa que será revelada a todos a seu tempo por Jesus Cristo.


Mc 4, 24-25: A medida

O êxito do discípulo depende da intensidade, atenção e diligência que põe no acolhimento da Palavra. Se não for suficiente, perde a Salvação, perde o que tem. Quanto mais empenho tiver, mais frutos o discípulo dará e mais perto este estará da salvação.


Mc 4, 26-29: O grão que germina

O Reino de Deus é autónomo e dinâmico no seu crescimento. É um Reino de ordem espiritual. Começa neste mundo, com a pregação de Cristo e consuma-se na Sua segunda vinda – “o tempo da ceifa”.
Vivemos no tempo da paciência, e não no tempo da ceifa. Confiando em Deus sem desanimar, deixemos a Palavra do Evangelho brotar em nós, a Seu tempo. A Palavra de Deus, semente do Reino, se acolhida com fé, terá um crescimento maravilhoso, mas é preciso ter paciência e esperar.


Mc 4, 30-32: O grão de mostarda

O Reino de Deus começa modestamente com a actividade de Jesus na Palestina – “grão de mostarda”, mas depressa atingiu o mundo conhecido de então, e continua hoje a crescer, em cada povo e em cada cultura – “a maior de todas as plantas do horto”.


Mc 4, 33-34: A função das parábolas

Jesus usa as parábolas para tornar mais simples e acessível a doutrina do Reino. Estas encerram um sentido oculto, cuja novidade eterna os discípulos se esforçaram por descobrir e também todos nós devemos continuar esse esforço, dia-a-dia, na nossa vivência cristã.




Mc 4 - 5: QUATRO MILAGRES, QUATRO ENSINAMENTOS


 Segue-se uma sequência de quatro milagres (4, 35 – 5, 42) com ensinamentos para os discípulos, que são as testemunhas destas quatro acções:
- Tempestade acalmada;
- Possesso de Gerasa;
- Cura da hemorróisa;
- Ressurreição da filha de Jairo.
Todos estes milagres estão encadeados no mesmo dia, após as parábolas, não com uma finalidade histórica, pois não seria possível fazer todos estes trajectos no mesmo dia, mas com uma finalidade catequética:

- Tempestade acalmada: o mar levanta um obstáculo para dissuadir Jesus de ir aos pagãos, mas Jesus domina o mar e os ventos;
- Exorcismo: o demónio não quer Jesus no seu local de acção, mas Jesus vence-o, mesmo no seu território de acção;
- Hemorroísa: só pela fé em Cristo poderemos alcançar a salvação;
- Filha de Jairo: a fé em Cristo salva-nos da morte e ressuscita-nos para a vida eterna.
Esta sequência (parábolas – milagres) reflecte a acção da Igreja junto dos pagãos – Jesus vem para salvar TODOS, o Seu Reino é para toda a humanidade. A catequese de Mc apresenta o reflexo da luz da Páscoa sobre a vida de Jesus, revelado apenas com o segredo, para uso dos discípulos e do leitor.

Mc 4, 35-41: A tempestade acalmada

Primeiro milagre do conjunto. O vento pode ser associado a maus espíritos, que pretendiam afastar Jesus do Seu propósito de pregar a outros povos.

v. 39: Jesus manifesta o Seu poder divino ao acalmar as águas: só a força do Criador tem poder sobre a criação. O sono de Jesus e a dúvida dos discípulos evocam a dúvida sentida por estes e a falta de fé na Ressurreição durante a Paixão e Morte de Jesus.

v. 40: Perante a questão “Ainda não tendes fé?”, Mc convida-nos a questionar a solidez da nossa fé. Os discípulos que suplicam para acalmar a tempestade representam a Igreja que, ameaçada pelas tempestades que vão surgindo ao longo da história, não se pode deixar abalar, tendo de gritar com fé sem medo e chamar Jesus, que está à “popa da embarcação”, pois Ele está connosco: se tivermos fé, seremos salvos.

Mc 5, 1-20: O possesso de Gerasa

Segundo milagre do conjunto. Gerasa ou Gadara é uma das dez cidades da Decápole, região exterior à Galileia. Este relato representa o choque de Jesus com as forças do mal, descrevendo a derrota do Maligno de uma forma aparatosa.

v. 12-13: Os demónios suplicam a Jesus pois reconhecem o Seu poder divino sobre o Mal; os porcos lançam-se ao mar, lugar associado na Antiguidade a monstros, símbolos do Mal.

v. 17: Os habitantes pedem a Jesus para se ir embora por medo do que aconteceu ou pelo prejuízo ao perderem os porcos, o que revela uma total incompreensão de quem é verdadeiramente Jesus. O medo afastou-os da fé, e impediu-os de alcançar a salvação.

v. 19-20: Desta vez, Jesus não pede silêncio sobre o milagre, antes envia o homem que tinha estado possesso para ser apóstolo na Decápole, região que não conhece Deus e o reino messiânico, na qual é preciso dar a conhecer o projecto de Deus.

Mc 5, 21-43: A filha de Jairo e a mulher com fluxo de sangue

Passagem que relata o terceiro e quarto milagres. A cura da hemorroísa vai estimular a confiança de Jairo na salvação da sua filha.

v. 26: A menção do falhanço dos médicos serve apenas para sublinhar o poder de Jesus, que tudo pode, ultrapassando em muito o conhecimento dos homens.
v. 27-28: É uma cura roubada, pois a fé da mulher é mais uma crença na magia, recorrendo ao toque no manto.
v. 31-34: Jesus torna esta cura roubada numa cura renovada: reconhece a mulher e diz-lhe: “A tua fé salvou-te”; a cura é dada de novo pela fé (salvação na fé), pelo que a mulher recebe mais do que procurava.

v. 35-36: Jairo tem de ter uma fé maior, pois a menina morre. Tem de acreditar que Jesus tem poder mesmo sobre a morte.
v. 39: “A criança dorme” - para Jesus a morte já não é morte, mas um sonho.
v. 41-42: “Menina, levanta-te” - não há fórmulas mágicas (as palavras são logo traduzidas), mas apenas a fé pessoal em Jesus que é exigida aos que são salvos.
v. 43: A preocupação em dar de comer à menina, revela a atenção e sensibilidade de Jesus.

Estes dois milagre apresentam um crescendo na fé:
- a fé original de Jairo, que consiste em curar a filha duma doença;
- a fé primitiva da hemorroísa na magia;
- a fé nova na relação com Jesus da hemorroísa (salvação pela fé);
- a fé plena de Jairo n’Aquele que ressuscita.

Estes milagres e curas dão-se longe da multidão para preservar o espaço sagrado e para manter o segredo messiânico, a ser revelado apenas na Páscoa. Pedro, Tiago e João são os únicos que acompanham Jesus: são as testemunhas escolhidas para os momentos altos (também estão presentes na Transfiguração).



Jesus toca em quem cura e ressuscita, sendo verdadeira presença física de Deus, fonte de todo o bem. Estes dois milagres apresentam o caminho para compreender o mistério da fé e chegar à fé pascal. Deus desperta-nos do sono da morte para a vida eterna. Deus toca-nos através do Seu Filho para nos dar a salvação.

27 de mar. de 2012

II. Ministério na Galileia - Mc 3

Mc 3, 7-12: Jesus e a multidão junto do lago
Resume a actividade de Jesus após as hostilidades com os seus adversários.

vv. 7-8: Mostra que nada pode travar o anúncio da Boa-Nova ao povo de Deus e aos pagãos. Por isso, aflui uma multidão vinda de toda a parte.

vv. 11-12: Jesus, Filho de Deus, é reconhecido até pelos demónios, que Jesus proíbe de falar, para manter o segredo messiânico.

Esta passagem dá uma panorâmica sobre as relações de Jesus:

- com a multidão: vem de toda a parte, demonstra a expansão da Salvação, e que nada detém a Boa-Nova de se espalhar;

- com os discípulos: estão sempre com Jesus, acompanham-n’O no barco.

Junto com a passagem seguinte – o chamamento dos Apóstolos – esta parte constitui uma mudança de cena.



Mc 3, 13-19: Escolha dos Doze

Juntamente com a passagem anterior, faz a transição para uma segunda etapa do Evangelho, que decorre da instituição dos Doze até ao seu envio.

Faz o contraste entre Jesus e os discípulos – no monte – e a multidão – no lago, ilustrando as diferenças entre a natureza da relação.

vv. 13: Jesus e os discípulos estão no monte, que mais elevado, sublinha uma relação de maior intimidade; os Doze são constituídos para estarem com Jesus e fazerem o que Ele faz, por isso, o contraste com a multidão - o lugar do monte evoca a aparição de Deus, está ligado com intimidade e oração.

vv. 14: O número “Doze” está ligado ao número das doze tribos de Israel – os Doze Apóstolos serão os doze chefes da nova Israel; esta designação é única em Mc para o colégio apostólico.

vv. 16-19: Os Doze são:

- Simão, chamado Pedro ou Cefas, que significa “pedra” – a mudança de nome assinala uma missão especial;

- Tiago e João, filhos de Zebedeu, Boanerges ou “filhos do trovão”, que significa serem temperamentais;

- André e Filipe;

- Bartolomeu (ou Natanael), que Filipe conduziu ao Senhor (Jo 1, 45-51);

- Mateus e Tomé;

- Tiago, filho de Alfeu;

- Tadeu e Simão, o Cananeu;

- Judas Iscariotes, que será aquele que entregará Jesus.



Mc 3, 20-21: Receios dos familiares de Jesus

Este texto faz parte do conjunto de três passagens (Mc 3, 20-35), em que Jesus é caluniado como “possesso” pelos doutores da Lei e “louco” pelos familiares. Marca uma oposição entre quem reconhece Jesus e segue-o e quem não O reconhece e não O segue.

Os familiares não reconhecem Jesus como enviado de Deus não acreditam n’Ele, em contraste com Maria e os Apóstolos (Mc 3, 31-35 e Act 1, 13-14). A expressão utilizada “para ter mão nele”, mostra esta incompreensão, pois significa trazer Jesus para o seio da tribo: este era o projecto dos familia, pois Jesus estava a ter um comportamento que não era aceite, nem compreendido, nem apoiado pela família.



Mc 3, 22-30: Jesus e Belzebu

 Os doutores da lei atribuem ao demónio a obra do Espírito Santo. Pecam, pois fecham-se à luz do Espírito Santo, negam-se à comunhão com Cristo, prescindem do perdão de Deus, não reconhecem a autoridade de Cristo. Com esta atitude, estão a renunciar à salvação.



Mc 3, 31-35: A família de Jesus

Último texto do conjunto de três passagens sobre a oposição entre a multidão (e os discípulos nela inseridos), que escutam a Palavra de Deus e reconhecem em Jesus a Sabedoria do Pai, e os familiares, que O procuram deter.

vv. 34-35: A fé em Cristo introduz-nos na família de Deus. Escutar e fazer a vontade de Deus faz-nos parte integrante do Seu Projecto, logo da Sua família.

Maria, em especial, é duplamente honrada porque:

- é Sua família por ser Sua mãe, trouxe-O no ventre;

- é Sua família porque O escuta e faz a Sua vontade, logo traz Jesus no seu coração.


23 de mar. de 2012

II. Mistério na Galileia - Mc 2, 1 - 3, 6

Mc 2, 1 a Mc 3, 6 apresenta cinco discussões com os fariseus sobre as antigas práticas e a nova mensagem do Evangelho. Em cada interpretação excessiva e rigorosa da Lei, Jesus vem trazer uma nova mensagem: a Lei de
Deus é sobretudo uma Lei de amor e de liberdade da alma, não apenas rigor por rigor. Em todos estes episódios, os discípulos aparecem solidários com Jesus face aos adversários, sendo testemunhas desta Nova Lei que vem renovar a Antiga Lei Mosaica. 


1º discurso (Cura do paralítico) - Os Judeus excluem os doentes, pois tomam estes como pecadores, mas Jesus dá-lhes o perdão dos pecados e cura-os de todos os seus males.

2º discurso (Chamamento de Levi) – Os Judeus excluem os pecadores, mas Jesus e os discípulos estão com estes, porque Jesus diz “vim para salvar os pecadores.

3º discurso (Discussão sobre o jejum) – O ritualismo judaico do jejum não faz sentido quando Jesus já está connosco, apenas guardamos jejum em determinados momentos.

4º e 5º discurso (Discussão sobre o sábado e cura da mão paralisada) – O cumprimento do sábado era excessivo: Jesus vem revelar-se como Senhor do sábado e que neste deve praticar-se a misericórdia.

Nesta secção, começa a definir-se um triângulo de acção formado por três grupos que serão postos em confronto ao longo do Evangelho: Jesus e os discípulos, a multidão e os adversários.

Mc 2, 1-12: Cura de um paralítico. Perdão dos pecados.

“Dias depois, tendo Jesus voltado a Cafarnaúm, ouviu-se dizer que estava em casa. Juntou-se tanta gente que nem mesmo à volta da porta havia lugar, e anunciava-lhes a Palavra. Vieram, então, trazer-lhe um paralítico, transportado por quatro homens. Como não podiam aproximar-se por causa da multidão, descobriram o tecto do sítio onde Ele estava, fizeram uma abertura e desceram o catre em que jazia o paralítico. Vendo Jesus a fé daqueles homens, disse ao paralítico: ‘Filho, os teus pecados estão perdoados.’”

 A solidariedade que envolve o paralítico aponta para o poder sacramental da Igreja, ao serviço dos mais necessitados, como comunidade de fé. A força da fé em comunidade e a nossa insistência pessoal é caminho essencial para o perdão e cura interior de cada um dos que mais precisam. Por isso, a Igreja deve estar atenta a todas as carências dos membros da sua comunidade e exercer a misericórdia a caridade como missão fundamental.

“Ora estavam lá sentados alguns doutores da Lei que discorriam em seus corações: ‘Porque fala este assim? Blasfema! Quem pode perdoar pecados senão Deus?’ Jesus percebeu logo, em seu íntimo, que eles assim discorriam; e disse-lhes: ‘Porque discorreis assim em vossos corações? Que é mais fácil? Dizer ao paralítico: ‘Os teus pecados estão perdoados’, ou dizer: ‘Levanta-te, pega no teu catre e anda’? Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem na terra poder para perdoar os pecados, Eu te ordeno – disse ao paralítico: levanta-te, pega no teu catre e vai para tua casa.’ Ele levantou-se e, pegando logo no catre, saiu à vista de todos, de modo que todos se maravilhavam e glorificavam a Deus, dizendo: ‘Nunca vimos coisa assim!’”

A autoridade de Jesus é questionada, pois a filiação divina de Jesus não é reconhecida, nem a verdadeira natureza do Messias é compreendida por aqueles que melhor deveriam saber, rigorosos cumpridores da Lei Mosaica e estudiosos das Escrituras. Intitulando-se Filho do Homem, Jesus evoca o mistério da Sua pessoa, Deus-Homem, no qual se entrelaçam força e fraqueza, a divindade e a humanidade.

O perdão do paralítico é precedido pela cura pois, na Antiguidade, as doenças surgiriam como castigo divino pelos pecados em cada um. Nesta passagem, pode também ler-se como o pecado origina a doença da alma. Uma alma doente precisa restabelecer-se pelo poder de Deus para poder converter-se e receber o Senhor em seu coração. O perdão é um dom messiânico por excelência: Jesus, como Messias, tem o poder de perdoar, e do perdão, vem a cura de todo o mal que impede o homem de viver em toda a sua plenitude.

Mc 2, 13-17: Chamamento de Levi

“Jesus saiu de novo para a beira-mar. Toda a multidão ia ao seu encontro, e Ele ensinava-os. Ao passar, viu Levi, filho de Alfeu, sentado no posto de cobrança, e disse-lhe: ‘Segue-me.’ E, levantando-se, ele seguiu Jesus.”

Levi, filho de Alfeu, era também conhecido como Mateus, o autor de um dos quatro Evangelhos. Era cobrador de impostos, profissão muito mal vista na sociedade, pois os cobradores recebiam impostos para o império romano, ficando com uma parte das receitas para si, pelo que eram vistos como pecadores e excluídos da sociedade judaica.

 Depois, quando se encontrava à mesa em casa dele, muitos cobradores de impostos e pecadores também se puseram à mesma mesa com Jesus e os seus discípulos, pois eram muitos os que o seguiam. Mas os doutores da Lei do partido dos fariseus, vendo-o comer com pecadores e cobradores de impostos, disseram aos discípulos: ‘Porque é que ele come com cobradores de impostos e pecadores?’ Jesus ouviu isto e respondeu: ‘Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os enfermos. Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores.’”

Jesus senta-se à mesa com os pecadores, pois vem para todos, não há excepções: para Deus, todos os homens são iguais e todos devem ser salvos. Quem reconhecer as suas fraquezas e abrir o seu coração a Deus, recebe-O, mas quem se julga bom e pensa já não precisar de Deus, rejeita a salvação, pois não acolhe o amor que Deus lhe quer dar.

Jesus dá-nos o dom da salvação: se recebermos de coração aberto o Seu chamamento pelo Evangelho, descobrimos a presença de Deus em nós e assim seremos salvos.


Mc 2, 18-20: Discussão sobre o jejum

“Estando os discípulos de João e os fariseus a jejuar, vieram disser-lhe: ‘Porque é que os discípulos de João e os dos fariseus guardam jejum, e os teus discípulos não jejuam?’ Jesus respondeu: ‘Poderão os convidados para a boda jejuar enquanto o esposo está com eles? Enquanto têm consigo o esposo, não podem jejuar. Dias verão em que o esposo lhes será tirado; e então, nesses dias, hão-de jejuar.’”

O jejum que os fariseus e os discípulos de João estavam a praticar seria eventualmente uma iniciativa particular, não faria parte do que era preceituado.

Os discípulos de Jesus não jejuam pela alegria de estarem com o Messias. Jesus refere-se mesmo como o noivo, usando a imagem das núpcias do Cordeiro, que simboliza a relação amorosa e permanente de Deus com o povo de Israel.

Jesus vem unir Deus ao Seu povo, é a aliança viva dessa união, por isso, estar com Ele é estar em festa. O jejum vem nos momentos em que procuramos encontrar Deus. Vivemos esses momentos de procura de forma mais insistente na Quaresma, tempo especial em que o jejum é recomendado. Quando o Filho de Deus está entre nós, é tempo de alegria e de festa, o jejum já não fará sentido.


Mc 2, 21-22: O velho e o novo

“Ninguém deita remendo de pano novo em roupa velha, pois o pano novo puxa o tecido velho e o rasgão fica maior. E ninguém deita vinho novo em odres velhos; se o fizer, o vinho romperá os odres e perder-se o vinho, tal como os odres. Mas vinho novo, em odres novos.”

Esta passagem vem na sequência da discussão de Jesus com os seus opositores, abordando a questão da mensagem nova que Ele nos traz – “pano novo”, “vinho novo” – que não é compatível com determinadas práticas ritualistas, antigas e ultrapassadas – “tecido velho”, “odres velhos”.

 O Evangelho não é compatível com práticas que já não se adequam aos tempos actuais. O Evangelho é Boa Nova, Palavra nova a ser recebida por um coração limpo e renovado (“odres novos”). Jesus não vem contradizer a Lei, mas sim renová-la, actualizá-la e completá-la.


Mc 2, 23-28: Jesus e o sábado

“Ora num dia de sábado, indo Jesus através das searas, os discípulos puseram-se a colher espigas pelo caminho. Os fariseus diziam-lhe: ’Repara! Poraue fazem eles ao sábado o que não é permitido?’”

A colheita das espigas com foice era associada a trabalho servil e, por isso, era proibida ao sábado. Apenas se podia colher sem foice para “matar” a fome.

“Ele disse: ‘Nunca lestes o que fez David, quando teve necessidade e sentiu fome, ele e os que estavam com ele? Como entrou na casa de Deus, ao tempo do Sumo Sacerdote Abiatar, e comeu os pães da oferenda, que apenas aos sacerdotes era permitido comer, e também os deu aos que estavam com ele?’ E disse-lhes: ‘O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado. O Filho do Homem até do sábado é Senhor.’”

O episódio que Jesus menciona está descrito no Primeiro Livro de Samuel, no capitulo 21 e é usado como exemplo para recordar a importância de o homem não se tornar escravo da Lei. Jesus vem libertar o sábado de preceitos e acrescentos para o tornar dia de serviço fraterno e de louvor ao Senhor.

Mc 3, 1-6: Cura da mão paralisada

“Novamente entrou na sinagoga. E estava lá um homem que tinha uma das mãos paralisada. Ora eles observavam-no, para ver se iria curá-lo ao sábado, a fim de o poderem acusar.

Jesus disse ao homem da mão paralisada: ‘Levanta-te e vem para o meio.’ E a eles perguntou: ‘É permitido ao sábado fazer bem ou fazer mal, salvar uma vida, ou matá-la?’ Eles ficaram calados. Então, olhando-os com indignação e magoado com a dureza dos seus corações, disse ao homem: ‘Estende a mão.’ Estendeu-a e a mão ficou curada.

Assim que saíram, os fariseus reuniram-se com os partidários de Herodes para deliberar como haviam de matar Jesus.”

Jesus afirma a necessidade de praticar as obras de misericórdia ao Sábado, como forma de santificar este dia e de louvar a Deus. Todos os dias são de salvação e amor, e o Dia do Senhor deve ser também o dia da caridade.



Estes cinco discursos apresentam a perspectiva nova do Evangelho sobre a Lei do Senhor: esta não foi feita para nos subjugar, mas para nos libertar e unir mais ao Pai. Devemos procurar viver a Lei nas nossas vidas, usando de misericórdia e praticando a caridade, tornando Deus presente em cada momento das nossas vidas.

21 de mar. de 2012

II. Ministério na Galileia - Mc 1: Jornada de Cafarnaum e Cura de um leproso

Segue-se uma secção do texto conhecida como “A Jornada de Cafarnaúm”. Compreende os versículos 21 a 39 de Mc 1 e apresenta um dia típico na vida pública de Jesus:

- Jesus reza em comunidade (v. 21);

- Jesus acolhe os que a Ele vêm (v.23, v.31);

- Jesus liberta-os do mal (v.25, v.31, v.34, v.39);

- Jesus ensina (v.21);

- Jesus ora a Deus-Pai (v.35).

Esta jornada mostra que a acção de Jesus interessa a todo o ser humano nas suas dimensões pública (sinagoga) e privada (casa da sogra de Pedro). Esta encerra num pequeno espaço todos os acontecimentos que se darão num espaço maior – a Galileia.



Mc 1, 21-28: Cura de um possesso na sinagoga de Cafarnaum

“Entraram em Cafarnaúm. Chegado o sábado, veio à sinagoga e começou a ensinar. E maravilhavam-se com o seu ensinamento, pois os ensinava como quem tem autoridade e não como os doutores da Lei.”

A sinagoga era o lugar de reunião da comunidade judaica. Foi o local escolhido por Jesus para iniciar o Seu Ministério. Vem, primeiramente, proclamar o Evangelho ao povo escolhido, trazer a salvação prometida ao povo de Israel.

“Na sinagoga deles encontrava-se um homem com um espírito maligno, que começou a gritar. ‘Que tens a ver connosco, Jesus de Nazaré? Vieste para nos arruinar? Sei quem Tu és: o Santo de Deus.’ Jesus repreendeu-o, dizendo: ‘Cala-te e sai desse homem.’ Então, o espírito maligno, depois de o sacudir com força, saiu dele dando um grande grito. Tão assombrados ficaram que perguntavam uns aos outros: ‘Que é isto? Eis um novo ensinamento e feito com tal autoridade que até manda aos espíritos malignos e eles obedecem-lhe!’ E a sua fama logo se espalhou por toda a parte, em toda a região da Galileia.”

A proclamação do Evangelho é feita em dois passos: o ensino da Palavra e o acto de cura. Ambos revelam conjuntamente a manifestação da autoridade de Jesus e a proximidade do Reino de Deus: quem acolhe a Palavra encontra a salvação de todo o mal e uma mudança radical na sua vida.



Mc 1, 29-34: Cura da sogra de Simão e outros milagres

Este episódio contém elementos semelhantes ao anterior. No entanto, mostra Jesus trazendo a salvação no domínio privado, através da sogra de Pedro, e depois alarga o horizonte para o domínio público, apresentando Jesus a curar enfermos perto da porta da cidade.

“Saindo da sinagoga, foram para casa de Simão e André, com Tiago e João. A sogra de Simão estava de cama com febre, e logo lhe falaram dela. Aproximando-se, tomou-a pela mão e levantou-a. A febre deixou-a e ela começou a servi-los.”

 Jesus salva-nos pessoalmente e individualmente, tirando-nos da inércia (“tomou-a pela mão”) e de todo o mal que nos põe “doentes” espiritualmente (“febre”), e chama-nos a servir o Reino de Deus. Após ficar sem febre, a sogra de Pedro serve Jesus e os discípulos, serve o Reino.

Também cada um de nós, acolhendo Jesus nas nossas vidas, deixamos a inércia pessoal que nos deixa sem acção, passando a ser missionários e construtores do Reino de Deus.

“À noitinha, depois do pôr-do-sol, trouxeram-lhe todos os enfermos e possessos, e a cidade inteira estava reunida junto à porta. Curou muitos enfermos atormentados por toda a espécie de males e expulsou muitos demónios; mas não deixava falar os demónios, porque sabiam que Ele era.”

Jesus recusa a revelação feita pelos demónios porque:

- A resposta sobre a identidade de Jesus é um mistério, deve ser segredo;

- Os demónios pretenderiam revelar a identidade de Jesus precocemente, para que a Sua missão fracassasse, pois assim ficaria sujeita a várias interpretações que existiam na altura sobre o Messias que haveria de vir.



Mc 1, 35-39: Retira-se para orar

“De madrugada, ainda escuro, levantou-se e saiu, foi para um lugar solitário e ali se pôs em oração. Simão e os que estavam com Ele seguiram-no. E, tendo-o encontrado, disseram-lhe: ‘Todos te procuram.’ Mas Ele respondeu-lhes: ‘Vamos para outra parte, para as aldeias vizinhas, a fim de pregar aí, pois foi para isso que Eu vim.’
E foi por toda a Galileia, pregando nas sinagogas deles e expulsando os demónios.”

Esta passagem faz uma oposição entre cidade e lugar solitário ou deserto. Este é um lugar de retiro, o lugar para o encontro com o Pai, para descobrir a Sua vontade através da oração, para se preparar para passar a outros lugares de pregação. É assim, um lugar de transição. Jesus vai sair de Cafarnaúm e seguir para as aldeias vizinhas.

Jesus ora a Deus, pois quem anuncia o evangelho é enviado por Deus ao serviço das pessoas, logo, a Deus deve buscar conhecimento, iluminação e forças para seguir a Sua missão, e agradecer por toda a salvação que conseguiu levar, reconhecendo-a possível apenas pela fé em Deus. A oração liberta o evangelizador das seduções da fama que a sua missão possa trazer, firmando-o na determinação de servir a Deus.

A jornada de Jesus serve também como um exemplo da jornada de um cristão evangelizador, que partilha da vida da comunidade, que proclama a Palavra levando a salvação a quem precisa, mas nunca esquece o Pai que o ama, o orienta e fortalece na Sua missão.



Mc 1, 40-45: Cura de um leproso

“Um leproso veio ter com Ele, caiu de joelhos e suplicou: ‘Se quiseres, podes purificar-me.’ Compadecido, Jesus estendeu a mão, tocou-o e disse: ‘Quero, fica purificado.’ Imediatamente, a lepra deixou-o e ficou purificado.”

Existem algumas traduções em que a palavra “compadecido” é interpretada como “irado”. Na realidade, os leprosos estavam proibidos de se chegarem ao pé de alguém, pois a sua doença era considerada consequência de terem pecado perante Deus. Ao chegar-se a Jesus, o leproso teria desobedecido às leis indicadas por Moisés. Por isso, também Jesus relembra-o de apresentar as suas ofertas de acordo com a Lei, em reconhecimento da salvação que Deus lhe concedeu.

Então, porque Jesus o salva? Porque quer: porque a salvação de todos é a vontade do Pai, e a vontade do Pai e do Filho é uma só e a mesma.

“E logo o despediu, dizendo-lhe em tom severo: ‘Livra-te de falar disto a alguém; vai, antes, mostra-te ao sacerdote e oferece pela tua purificação o que foi estabelecido por Moisés, a fim de lhes servir de testemunho.’
Ele, porém, assim que se retirou, começou a proclamar e a divulgar o sucedido, a ponto de Jesus não poder entrar abertamente numa cidade; ficava fora, em lugares despovoados. E de todas as partes iam ter com Ele.”

A preocupação pelo segredo messiânico continua presente: Jesus proíbe os demónios de revelarem a sua identidade, os miraculados de revelarem os benefícios recebidos e os discípulos de transmitirem certos conhecimentos. O objectivo é o mesmo: evitar que se crie uma ideia errada do Seu messianismo. Este só será verdadeiramente compreendido à luz da Sua Paixão, morte e Ressurreição. A missão libertadora de Jesus dá-se no íntimo de cada pessoa, não sendo um movimento de libertação nacional, como o povo de Israel esperava.



 Porquê o episódio do leproso? O pecado torna-nos doentes, faz-nos mal. Mas podemos purificar-nos do mal e ficarmos “limpos” quando abrimos o nosso coração a Deus, quando vamos ao Seu encontro. Só perante a abertura do leproso é que Jesus o cura.