10 de set. de 2013

4ª PARTE – MINISTÉRIO DE JESUS NA GALILEIA (4, 14 – 9, 50)

Início da pregação (4, 14-15) Jesus dá início à sua tarefa missionária, impelido pelo Espírito, manifestando-se através da Sua Palavra e da Sua acção, levando a salvação a todos os homens e ajudando estes a compreender progressivamente o Seu mistério. Jesus em Nazaré (4, 16-30) Esta cena é o pano de abertura para a missão evangelizadora de Jesus: caracterizando o que será a mensagem de Jesus – a salvação para todos - e a forma como esta vai ser acolhida, com forte oposição de Israel. Começa a pregar na sinagoga num dia de sábado, como também o apóstolo Paulo fará mais tarde (Act 13, 14-41). v.18-19) Jesus lê a passagem do profeta Isaías (Is 61, 1-2 e 42, 7), que evocava a consagração de um profeta. Tal como um profeta, Jesus recebeu o Espírito no Baptismo para proclamar a Boa-Nova aos pobres e para oferecer a liberdade e a luz a todos os necessitados. v.19-21) Jesus não é, no entanto, um profeta qualquer, pois recebeu a unção do Espírito de forma plena do Pai, pelo que, com Jesus começam os tempos de graça, a que se refere como “ano favorável” (ano jubilar, celebrado a cada cinquenta anos). Mas este ano é o “hoje” da salvação, e ao anunciar a chegada deste tempo, Jesus procura apelar à conversão, “porque está próximo o Reino de Deus” e anunciar que esta salvação chega por meio d’Ele, tornando-se o centro da mensagem. v.22-23) As pessoas não têm uma reacção positiva, pois não compreendem quem é verdadeiramente a pessoa de Jesus: pedem-lhe milagres, apelando ao seu direito de compatriotas, não se abandonam verdadeiramente ao seu projecto de salvação. v.24-27) Jesus reconhece que os corações das pessoas da sua terra não estavam abertos para O ver de verdade e para abraçar a conversão: contesta este direito de compatriotas que reclamavam, referindo de forma velada, e através de exemplos do passado, que a salvação virá para os pagãos porque estes é que a conseguirão acolher de coração livre e aberto. v. 28-30) A reacção do povo é uma antevisão do que acontecerá na Paixão, pois já pretendem matá-lo. Israel não percebe que Jesus é a própria mensagem de salvação, e esta é muito mais importante do que os milagres que realiza. Por isso, Jesus será rejeitado pelo Seu povo e crucificado.

4 de set. de 2013

3ª PARTE – PREPARAÇÃO PARA O MINISTÉRIO (3, 1 – 4, 13)

LUCAS segue o caminho das outras narrativas da tradição evangélica, situando a pregação de João Baptista antes do começo da missão de Jesus. Estes elementos – a pregação do Baptista, o baptismo de Jesus e as tentações no deserto – conferem sentido a toda a missão e constituem o prelúdio da mesma. LUCAS preocupa-se em apresentar João como o precursor do anúncio da salvação de Deus para todos os homens, que se revelará em Jesus Cristo. João não é Jesus, mas a sua pregação já faz parte da Boa-Nova que Jesus vem trazer para a humanidade. Pregação de João Baptista (3, 1-6) v. 1-2) LUCAS começa por situar a missão de João Baptista no tempo e no espaço, indicando a data com referência ao imperador Tibério, sendo correspondente ao ano 28 da nossa era. Indica quem governava a Judeia e as províncias respectivas: Pôncio Pilatos e os tetrarcas, estando Herodes responsável pela Galileia, e os pontífices - Caifás, que era o Sumo Sacerdote, e Anás, chefe do povo e sogro de Caifás. v. 3) João não é apresentado a pregar no deserto, mas antes nas margens do Jordão, uma zona bastante povoada. O verbo “pregar” (“kêrusso”) significa a proclamação pública de um arauto, sendo um verbo frequente no vocabulário cristão primitivo, associado aos Apóstolos e aos primeiros missionários. João pregava um baptismo de penitência, que era um sinal exterior da mudança de vida necessária para acolher o Messias que iria chegar. v. 4-5) João Baptista aplica o texto de Is 40, 3-5 a Jesus. O Senhor vai chegar e é preciso aplanar os caminhos para que Ele possa chegar até nós, retirando todos os obstáculos que nos afastam d’Ele – os nossos pecados e todo o mal que sentimos no coração. A imagem do monte e “colina abatidos" quer ilustrar que Deus vai abaixar as grandezas do mundo, chamando a humanidade à humildade e conversão. v. 6) Jesus é o portador da salvação de Deus, que chegará a todos os que seguirem o cominho de conversão. Julgamento e conversão (3, 7-14) v. 7-9) João adverte todos os ouvintes: os pecadores têm de se converter e não descansar na herança dos seus antepassados. O Senhor virá para todos os que tiverem sincero arrependimento, pois só estes conseguirão receber a Sua Palavra em seus corações. Os frutos de arrependimento são actos concretos que são sinal de uma mudança de vida verdadeira, aos quais João se refere nos v. 10-14. v. 10-14) João refere que a conversão é mesmo para todos, sobretudo para os que eram vistos como pecadores – cobradores de impostos e soldados. Os primeiros passos para a conversão consistem na partilha dos bens com quem precisa, na generosidade no seu trabalho de cada dia, deixando de lado o egoísmo, a ganância e a ambição desmedida. Anúncio da vinda do Messias (3, 15-18) v. 15) A designação de Messias (do hebreu Mashiah) era muito frequentemente associada a um salvador político da nação, mas tem o mesmo significado que o nome Christós, que é aquele que recebeu a unção divina. Percebendo que o povo estava na expectativa do Messias, João realça que é apenas o Seu precursor e a sua pequenez diante de Jesus. v. 16) Por isso, João designa Jesus de “forte”: enquanto João baptiza na água, um baptismo de conversão, Jesus baptizará no fogo, o baptismo no Espírito: inaugurado no Pentecostes, este baptismo purifica-nos e transforma-nos como seres novos diante de Deus, tornando-nos Seus filhos, para quem o Reino de Deus está reservado. v. 17) Em seguida, João evoca o juízo final, em que a escolha dos eleitos (o trigo) será feita e estes serão acolhidos no Reino de Deus, figurado pelo celeiro. Prisão de João Baptista (3, 19-20) v. 19) Mt 14, 3-4 e Mc 6 17-18 descrevem com mais detalhe as razões da prisão de João, que LUCAS prefere resumir. Herodíade era neta de Herodes, o Grande. Ela abandonou o marido, seu tio, para se juntar com o irmão deste, Herodes Antipas. João denuncia esta situação de adultério, algo que não agradou a Herodíade e Herodes, e que conduziu à sua prisão. v. 20) Com este episódio, LUCAS encerra a missão de João e escolhe fazê-lo antes do episódio do Baptismo de Jesus, para realçar que a missão de João e a missão de Jesus representam dois períodos distintos da História da Salvação. Baptismo de Jesus (3, 21-22) LUCAS não menciona o nome de João nesta passagem, pois com o baptismo de Jesus, termina o tempo de João. Separa, para acentuar a diferença, o baptismo de Jesus da teofania em que Deus revela a Jesus a Sua filiação divina. Ao receber o baptismo, Jesus manifesta a Sua solidariedade com o povo. O Seu baptismo é um acontecimento público que vem cumprir o baptismo do povo de Israel. Termina o movimento preparatório de conversão; segue-se o tempo messiânico. Jesus é ungido pelo Espírito e é reconhecido como Filho de Deus. O momento de oração é o momento deste encontro do Filho com o Pai, e a citação do Sl 2, 7 (“Tu és o meu Filho muito amado…”) indica a entronização messiânica de Jesus pelo Pai e o início da Sua missão. A Palavra do Pai é a revelação do mistério de Jesus por excelência. No entanto, Jesus só exercerá plenamente o seu poder real na glória pascal da ressurreição. Genealogia de Jesus Cristo (3, 23-38) A finalidade principal de uma genealogia no mundo bíblico é a de fundamentar o direito de posse de uma terra, ao estatuto sacerdotal ou até à legitimidade dinástica. LUCAS procura legitimar a messianidade de Cristo com a sua descendência davídica, através da apresentação da genealogia de Jesus. MATEUS também apresenta uma genealogia, mas ambas têm algumas diferenças: as duas genealogias apenas se cruzam nos nomes de José, na descendência desde Abraão até David e nos nomes de Salatiel e Zorobabel. LUCAS não apresenta alguns reis na genealogia, entre Salatiel e David, devido a algumas reservas perante a realeza do mundo terrestre, mas introduz alguns profetas, como Eli, Amós, Naum e Natan, pretendendo assim colocar Jesus mais na linha dos profetas do que na linha dos grandes do mundo terrestre. Outras diferenças são: - MATEUS conta 42 (3x2x7) gerações e LUCAS conta 77 (11x7) gerações; - MATEUS coloca a genealogia no início do evangelho, e LUCAS apenas o faz após a referência à filiação divina de Jesus no baptismo; - MATEUS liga Jesus a Abraão, enquanto que LUCAS liga Jesus a Adão, para realçar a Sua ligação com toda a humanidade. Jesus é o novo Adão, o protótipo de uma nova humanidade. Jesus tentado no deserto (4, 1-13) Jesus é conduzido pelo Espírito ao deserto, e é submetido à tentação, tal como Adão, referido na sua genealogia. Mas Jesus não cede à tentação e sai vitorioso do combate com o Mal. A permanência de quarenta dias evoca a estada do povo de Israel no deserto após a saída do Egipto, onde pecaram contra Deus que os salvou, ao adorarem um deus pagão. Esta vitória inicial de Jesus sobre as forças do Mal fundamenta os seus milagres e exorcismos posteriores. v.2) O inimigo oposto a Deus aparece na Bíblia com vários nomes, como Satanás, Belzebu e Belial. v.3-4) A filiação divina de Jesus é a primeira tentação que o diabo usa: porque não Jesus aproveitar esta filiação para escapar à fome e miséria dos homens? Jesus responde implicitamente que só Deus basta perante qualquer dificuldade e que não quer fazer milagres apenas para seu proveito. v.5-8) A segunda tentação que LUCAS apresenta – é a terceira em MATEUS - apoia-se no poder político sobre o mundo, algo que Jesus sabe ser fugaz e temporário e que vem apenas do mal. Esta tentação pressupõe que Jesus ainda não alcançou a Sua realeza, e a Sua recusa indica que este só quer receber a realeza que vem do Pai, segundo o caminho da pobreza, do sofrimento e da cruz. v. 9-12) A terceira tentação refere-se ao espaço físico – Jerusalém – onde ocorrerá a Paixão de Cristo. O pináculo do templo era uma parte alta ou a cornija superior de uma das portas do Templo onde a multidão habitualmente se congregava. LUCAS coloca esta tentação em último lugar porque quereria sublinhar o que lhe parece ser a maior tentação para Jesus: a de renunciar à morte por ser Filho de Deus. Jesus recusa usar este título a Seu favor, respeitando a soberana liberdade e vontade do Pai. v. 13) O diabo surgirá noutros confrontos, tais como curas e exorcismos, mas o confronto final dar-se-á na Paixão, que culminará no triunfo definitivo da Ressurreição. LUCAS procura assim demonstrar que Jesus não quer aproveitar-se da Sua filiação divina, mas que a Sua vontade é a vontade do Pai e cumprir a missão messiânica. O poder do mundo é exposto como algo que vem do Mal e que devemos renunciar. Onde tantas vezes nós falhamos, Jesus mostra-nos, na Sua condição humana, que podemos sair vitoriosos, se repousarmos em Deus toda a nossa fé e toda a nossa vida. A introdução ao Evangelho termina com esta passagem. O Evangelho da infância mostrou o mistério de Jesus definido pelas mensagens dos anjos e dos profetas. As cenas do prelúdio da missão mostraram a consciência de Jesus da Sua missão a que o Pai o chama e a sua vitória radical sobre o Mal, que terá o seu expoente máximo na Paixão e Ressurreição.

2 de ago. de 2013

O NASCIMENTO DE JESUS

Nascimento de Jesus (2, 1-20)

A narrativa do nascimento e da circuncisão de Jesus encontra o seu paralelo na história de João Baptista (1, 57-66). Esta última passagem insiste na circuncisão do Menino porque é aí que se manifesta a intervenção de Deus: o inesperado acordo de Isabel e de Zacarias acerca do nome de João. No caso de Jesus, ao contrário, todo o interesse se concentra no nascimento (2, 1-17), comentado pela mensagem dos anjos (2, 8-17).
A originalidade deste nascimento torna-se presente se compararmos ao nascimento de João Baptista:
à João nasce confortavelmente na casa de Zacarias, enquanto que Maria não tem ninguém que a assista no parto e apenas tem uma manjedoura onde repousar Jesus;
à Os vizinhos e parentes acolhem João com júbilo, enquanto que apenas alguns pastores, pessoas marginalizadas na sociedade de então, vêm visitar o Menino Jesus quando este nasce.
Este simples nascimento contrasta com o cântico triunfal dos anjos, dando glória a Deus e à paz que este Menino pobrezinho vem trazer a todos os homens.

v. 1-2) César Augusto era o imperador romano de 30 a.C. a 14 d.C. O recenseamento a que LUCAS se refere, como abrangendo toda a terra, é um dos que César Augusto decretou em várias províncias do Império. Efectuado quando Quirino era governador da Síria (entre 4 e 1 a.C), este recenseamento da Palestina é colocado por volta do ano 6 d.C, dez anos após a morte de Herodes, o Grande. Trata-se de uma data aproximada, como preocupação em situar historicamente o nascimento de Jesus. Quanto ao estabelecimento da era crista, há um erro estabelecido por Dionísio, o Pequeno (séc. VI). Como os recenseamentos se realizavam de 12 em 12 anos, Jesus terá nascido no primeiro resenceamento, antes da morte de Herodes (4 a.C), por volta do ano 6 a.C.
v. 4) A cidade de David é Jerusalém, mas LUCAS atribui este título a Belém, seguindo o profeta  Miqueias em Mq 5, 1. “Beth-lehem”, que significa “casa do pão”,  situada a sete quilómetros de Jerusalém, foi o berço de nascimento de Booz, Jessé e David. Sendo Jesus da linhagem de David, nasceu na mesma cidade que este, realizando as profecias.
v. 7) “Filho primogénito” refere-se à aplicação da Lei a Jesus recém-nascido, é um título cristológico. Ao contrário de Isabel, Maria está a prestar os cuidados a Jesus sozinha. Sendo oriundo de Belém, José terá voltado para a sua casa paterna, uma casa tradicional da época, com um único compartimento e contígua a uma das covas que servia de estábulo. Não tendo lugar no quarto de hóspedes – “hospedaria” – talvez por estar cheio de familiares todos vindos para o recenseamento, teria ficado no estábulo. A tradição de uma gruta vem do séc. II.
v. 8) Os pastores não eram bem vistos em Israel, por viverem à margem da prática religiosa, “roubarem” pastos e trabalharem com animais impuros. Pertencem à classe dos “pequenos” e “pobres” para os quais nasceu Jesus, pelo que estes vêm adorar este Menino que veio para os salvar. Este acontecimento tem lugar durante a noite, como muitos acontecimentos da salvação. Perante as trevas, Jesus vem trazer a luz que nunca se apaga.
v. 9) “A glória do Senhor” é uma expressão bíblica que designa a manifestação visível de Deus. LUCAS atribui-a a Jesus na Transfiguração e na vinda escatológica.
v. 11) No AT, o título “Salvador” é atribuído a Deus e algumas vezes aos “juízes de Israel”. No NT, apenas LUCAS e JOÃO atribuem este título a Jesus, MATEUS e MARCOS afirmam apenas que Jesus salva os doentes. “Messias Senhor” é o título com que LUCAS indica que Jesus é o Cristo esperado e sugere o carácter divino da Sua realeza.
v. 14) A salvação trazida por Jesus é glorificada pelos poderes celestes. Este é sinal da paz messiânica, cujo termo são os homens amados por Deus.
v. 20) Canta-se a glória de Deus e os louvores de Deus perante as manifestações divinas testemunhadas por todos quantos assistiram ao nascimento de Jesus.

O Universo exulta de alegria: homens e Anjos, todos louvam e glorificam a Deus, pois começou a era jubilosa da salvação, onde todos os homens são chamados a ser felizes porque Deus os ama. E este amor é tão grande que Deus se fez homem e habitou entre nós, trazendo para todos a paz messiânica.



Circuncisão e apresentação de Jesus no templo (2, 21-27)

João Baptista foi anunciado no Templo, durante uma acção litúrgica; Jesus aparece agora no Templo, acolhido pelos profetas, representados por Simeão e Ana, e a este espaço voltará adiante. Aparece como um Menino indefeso, nas mãos dos seus pais, que o apresentam ao Pai, o submetem ao cumprimento da Lei e recebem os oráculos que lhe dizem respeito. A lei que leva os pais a irem ao Templo e o Espírito Santo que se manifesta em Simeão juntam-se para designar o novo Messias no coração da religião de Israel, o Templo.
v. 22-24) A apresentação do Menino no Templo não era requerida pela Lei, apenas a purificação da mãe. A Lei sobre os primogénitos indicava o pagamento de cinco siclos durante o mês após o nascimento (Nm 18, 15-16). As duas rolas ou pombas consistiam no oferecimento pela purificação da mãe (Lv 12).
v. 25-26) Simeão é descrito como justo e piedoso, por estar cheio do Espírito Santo. A consolação de Israel que ele esperava é a salvação que virá por meio de Jesus Cristo. É neste Menino recém-nascido que Simeão reconhece como o Messias do Senhor, “Luz das nações”, como proclama no cântico que dedica ao Senhor. Simeão, prestes a morrer, toma em seus braços toda a sua esperança.

Cântico de Simeão (2, 28-40)

v. 29-32) O cântico de Simeão sobre Jesus corresponde ao cântico de Zacarias sobre o seu filho João. Simeão saúda o Messias e revela aos pais algumas das características da missão de Jesus, que vem trazer a salvação de Deus a todas as nações, realçando o universalismo da vinda de Jesus, “Luz para se revelar às nações”.
v. 34-35) O oráculo de Simeão dirige-se a Maria, apresentando Jesus como sinal de divisão e de contradição, antevendo a rejeição do Messias por uma parte do povo de Israel. Esta rejeição será dolorosa para Maria, um preço a pagar pela missão de Jesus. Jesus vem trazer a salvação para todos, mas esta deverá ser acolhida livremente, podendo ser recusada. É uma chamamento pela fé que nem todos manifestarão. Esta divisão que Jesus vem trazer em Israel dará origem a uma nova Israel, da qual Maria será a mãe, pois esta vai superar a prova do sofrimento de ver o seu Filho morrer na cruz. Por isso, Maria estará no coração da Igreja nascente.
v. 36-38) Ana é apresentada como uma israelita exemplar que não se afastava do Templo. Esta mulher, com uma enorme espiritualidade e pureza interior, consegue reconhecer naquele Menino pequenino a salvação do povo de Deus, a redenção esperada de Israel.
v. 39-40) Jesus crescia como consequência da sua Encarnação. Existe um paralelo a Lc 1, 80 sobre o crescimento de João Baptista. A sabedoria e a graça de Deus são atributos de Jesus que vêm do contacto com o Pai e da Sua benevolência divina. João e Jesus crescem com a força do Espírito, e Deus-Pai vai enchendo com a Sua sabedoria e graça o seu Filho muito amado.

Jesus entre os doutores (2, 41-52)

No coração de Israel, o Templo, Jesus encontrava-se entre os doutores da Lei e todos se admiravam pela Sua inteligência, dom do Seu Pai que reconhece e ama, já na sua juventude.
v. 41) A Lei prescrevia que os judeus deviam fazer três peregrinações por ano a Jerusalém, na Páscoa, no Pentecostes e na festa dos Tabernáculos. Estas peregrinações acabaram por ser generalizadas a apenas uma vez por ano. As mulheres e as crianças menores de 13 anos estavam dispensadas; no entanto, os pais poderiam levar as crianças, desde que pudessem manter-se “aos ombros”, ou seja, perto de si.
v. 46-49) Os doutores da Lei ensinavam no pátio do Templo, recorrendo ao diálogo. Jesus estabelece um diálogo com os doutores da Lei aos 12 anos, idade em que qualquer adolescente ficava a ser adulto na Lei. Tal como o profeta Samuel (1 Sam 2, 26; 3, 19-20), Jesus é apresentado no Templo e também elogiado pela sua inteligência. Tal como Samuel se entregava ao serviço do Templo, também Jesus afirma os laços de dependência com o Pai (“não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai?”).

v. 49-51) “Meu Pai” aparece como primeira e última expressão de Jesus em LUCAS (23, 46; 24, 49). A filiação divina de Jesus é um mistério, por isso, incompreendido pelos pais, o que requer a meditação de Maria relativamente a todos os acontecimentos, procurando uma maior compreensão. Jesus mantém a submissão como filho obediente a seus pais, não esquecendo nunca a sua verdadeira condição divina e, simultaneamente, humana.


1 de ago. de 2013

ANÚNCIO DO NASCIMENTO DE JESUS E NASCIMENTO DE JOÃO BAPTISTA

Anúncio do nascimento de Jesus (1, 26-38)

Esta narrativa apresenta-nos uma revelação a Maria que diz respeito ao mistério de Jesus e, secundariamente, à vocação de Maria ao serviço deste mistério.
O texto segue a estrutura de cenas do AT (e.g. Jz 13; Gn 16, 17; Ex 3, 12) dos anúncios ligados a um chamamento ou vocação:
- aparição de um Anjo;
- anúncio de um filho providencial;
- vocação (“O Senhor está contigo”);
- oráculos messiânicos.

O texto começa localizando a cena no tempo e no espaço, Nazaré da Galileia:
v.26) A indicação “sexto mês” é feita a partir da concepção de João Baptista.
v.27) LUCAS realça a virgindade de Maria. Embora casada com José, Maria ainda não viveria em comum com José, pois era tradição haver um espaço de tempo após o casamento para a esposa ser introduzida na casa do esposo. Ela estaria, assim, no estado de pureza que permite acolher o Senhor no seu seio.
v.28) A saudação “salve” alude às saudações à “filha de Sião” encontradas em algumas passagens do AT (e.g. Zc 2, 14). A saudação do anjo é um convite à alegria messiânica. Maria é “cheia de graça”, pois é escolhida e amada por Deus, é sua predilecta, pelo que recebe a Sua graça. “O Senhor está contigo” é uma expressão presente frequentemente nas narrações de vocação (e.g. Ex 3, 12). “Bendita és tu entre as mulheres” pensa-se ter sido inserida posteriormente por influência das palavras de Isabel no v. 42.
v. 29) A perturbação de Maria, antes de uma reacção de medo, é uma atitude de reflexão sobre o mistério da mensagem que lhe foi dada e a sua interrogação interior sobre o sentido da vocação a que está a ser chamada.
v. 31-33) Embora haja semelhanças entre o anúncio do nascimento de Jesus e o anúncio do nascimento de João, o anúncio de Jesus está em estreita ligação com os oráculos proféticos (ver 2 Sam 7, 14.16 e Is 7, 14; 9,6), em que este é designado como o Messias, o Filho de Deus, da filiação divina, concebido por uma virgem.
v. 34) A pergunta de Maria não manifesta a incredulidade da de Zacarias, mas antes, a procura de esclarecimento e como introdução a uma revelação mais completa do mistério de Jesus que vai seguir-se. Enquanto Zacarias procurava um “saber” novo, para além do saber trazido por Deus, Maria pergunta apenas como se pode realizar o anúncio messiânico, visto ela ser virgem, referindo-se ao poder de Deus e como é possível tal maravilha.
v. 35) O Espírito Santo, que actua na criação e no ministério dos profetas, é o que intervém na investidura do Messias. “Estender a sombra” significa a presença eficaz de Deus no meio do Seu povo. Recorda a nuvem divina que manifestava a presença do Senhor sobre o tabernáculo do deserto. “Santo” é um dos atributos mais antigos que exprime a divindade de Jesus, significa a pertença total e exclusiva a Deus. A concepção virginal significa a união insondável de Jesus com Deus, seu Pai. “Filho de Deus” é uma designação do Messias e exprime a relação misteriosa que une Jesus a Deus – esta expressão sai apenas de Deus, de Jesus ou dos anjos em LUCAS. Este título aprofunda o de “Filho do Altíssimo”.
v. 38) “Serva” exprime uma atitude de fé e de amor, de posse incondicional por parte do Senhor. Maria conforma-se totalmente com o misterioso desígnio de Deus a seu respeito. “Servo de Deus” é um título de glória, não de humildade.

Podemos rever em Maria a perfeição do discípulo que ama o Senhor, que O serve incondicionalmente, e que na sua entrega total e com uma pureza interior plena, O acolhe em Seu coração, “dando à luz” os frutos deste Amor incondicional. Este Amor traduz-se no anúncio pleno e eficaz do Evangelho na sua vida e na de todos com quem se encontra diariamente.



Visita de Maria a Isabel (1, 39-45)

A visita de Maria serve de ponte entre os dois relatos da anunciação. O Anjo tinha dado um sinal a Maria e o desenvolvimento do relato requeria que esta fosse reconhecer o sinal de Deus, pelo que se dirige com pressa, sinal da sua fé e inteira disponibilidade perante a vontade de Deus.
v. 39) A cidade de Judá ou Judeia é identificada pela tradição como sendo Ain-Karim, a 6 km para oeste de Jerusalém.
v. 41) O encontro das duas mães é o encontro dos dois filhos. As duas servem uma missão que envolve os dois filhos. João “salta de alegria” no seio da sua mãe, pois começa o tempo da alegria messiânica. É o primeiro encontro de João com o Messias do qual será precursor e que define toda a razão da sua existência.
v. 42) João inaugura a sua missão profética pela boca da sua mãe, que ficara “cheia do Espírito Santo”. Uma saudação tem sempre a finalidade de desejar felicidade e a bênção divina: Isabel saúda Maria como a “mãe do meu Senhor”, reconhecendo o mistério de Maria e a presença do Senhor nela por obra do Espírito Santo.
v. 43) “Senhor” é um dos títulos que LUCAS atribui a Jesus desde o início da Sua vida terrestre, designando-o antecipadamente como o filho de Deus ressuscitado.
v.45) Ao contrário de Zacarias, Maria acreditou na palavra de Deus: é desta Fé total que lhe vem a felicidade e o cumprimento de toda a Palavra que o Senhor lhe anunciara.


Cântico de Maria (1, 46-56)

A primeira manifestação de João é seguida do Magnificat, e a primeira manifestação de Jesus no templo será acompanhada do Nunc Dimittis. Da mesma forma, o nascimento de João é seguido do Benedictus e o nascimento de Jesus do Glória dos Anjos. Estes hinos e cânticos são louvores perante a alegria messiânica do plano salvador de Deus para o Seu povo que se começa a revelar.
v. 46) O cântico de Maria – Magnificat – inspira-se sobretudo no cântico de Ana, em 1 Sm 2, 1-10, sendo um cântico de acção de graças. Com substrato nos salmos e nos profetas, este hino canta a gratidão e a exultação da mãe de Jesus e de todo o povo pelo cumprimento das promessas. Existem dois temas: a justiça de Deus, que socorre os pobres e pequeninos, e a Sua fidelidade e misericórdia ao povo das promessas. Talvez por isso este cântico Evangélico seja recitado nas Vésperas (Liturgia das Horas), recordando-nos sempre que Deus é justo, fiel e misericordioso para quem n’Ele acredita e que nada temos a temer ao cair do dia.
v. 54) Por isso, o AT (Israel) afirma que Deus “se lembra” porque é fiel às suas promessas e as executa infalivelmente.
v. 56) Maria ficou três meses com Isabel, isto é, até ao nascimento de João Baptista. A partida de Maria marca a conclusão da narração antes da passagem a outra. O Evangelho marca a distinção das cenas e acentua a separação do tempo de João do tempo de Jesus.


Nascimento e circuncisão de João Baptista (1, 57-66)

v. 60) Embora no AT o nome seja dado ao nascimento, segundo um costume judaico mais recente, era atribuído na altura da circuncisão. O nome foi atribuído pela mãe, algo que não era aceite na altura, pertencendo ao pai e seguindo a tradição.
v. 62-63) Além de mudo, Zacarias também ficou surdo, pelo que tinham de comunicar com ele por sinais.
v. 64-65) O acordo de Zacarias e de Isabel quanto ao nome de João, surge naquele momento, sem acordo prévio, o que é percebido como um sinal de Deus, provocando admiração e temor. O nome de João é um desígnio divino, o que leva os presentes a questionarem-se sobre quem será esta criança. Ao escrever o nome “João”, Zacarias afirma a sua fé e a sua boca abre-se.
v. 66) “Memória” pode significar “coração”, a sede de toda a vida íntima do ser humano: pensamento, recordação, sentimento, decisão. “A mão do Senhor estava com ele” significa que João é objecto da benevolência divina e inspira-se no AT, onde exprime a protecção de Deus sobre os seus fiéis e a sua acção sobre os profetas.


Cântico de Zacarias (1, 67-80)

v. 67) O cântico de Zacarias – Benedictus – é análogo ao cântico de Maria, sendo também uma acção de graças pela salvação messiânica e uma visão profética da missão de João Baptista. Aparece como paralelo aos oráculos de Simeão e de Ana sobre a missão de Jesus (2, 29-32). Este cântico Evangélico é cantado habitualmente nas Laudes (Liturgia das Horas), onde bendizemos e damos graças ao Senhor pela vida que nos dá e pelo Seu projecto de Salvação para todos nós.
O Benedictus é composto por duas longas frases de origem grega:
v.69-75 à Acção salvadora de Deus e Sua fidelidade e misericórdia para com Seu povo;
v.76-79 à Missão de João Baptista e anúncio messiânico.

v. 68) “Deus de Israel” é uma fórmula tradicional de bênção no AT. LUCAS é o único a utilizar a imagem da visita de Deus, que representa no AT uma intervenção favorável da benevolência divina ou com o sentido de castigo, mas aqui é uma visita portadora de salvação. O termo “redenção” significa no AT a salvação, a libertação do povo de Deus, mediante um resgate.
v. 69) “Salvador poderoso”, é a força de salvação suscitada por Deus na casa de David. É uma ideia messiânica que ocorre com frequência no AT, onde se anuncia o “Forte”, que será o libertador, o salvador.
v. 70-71) A salvação que é oferecida pela vinda do  Messias realiza a profecia do AT.
v. 72-75) Liga-se à ideia da visita ou da salvação (v. 68-69). Exprime a misericórdia de Deus e o cumprimento da aliança feita com Abraão. Livres dos inimigos, poderemos servir a Deus na santidade e na fidelidade. A salvação é o cumprimento da aliança.
v. 76-77) Referência à missão de João, o profeta que vem para preparar os caminhos do Senhor. João vem oferecer “o conhecimento da salvação”, de como Deus salvará o Seu povo pelo perdão dos pecados.
v. 78) “Sol nascente”, o surgir de um Astro, que na bíblia foi tomado como um título de Messias, que traria a luz (Ml 3, 20), o termo significa também “Rebento” que surge do tronco de David.
v. 79) A luz messiânica vem libertar-nos das trevas e conduzir-nos pelo caminho da paz. A paz é o dom messiânico por excelência.

v. 80) LUCAS encerra a narração sobre João Baptista, antecipando em resumo alguns dados da sua vida futura, anunciando a actividade do Baptista, o Precursor que nos dá a conhecer o caminho que nos pode conduz para fora do deserto do pecado em que nos deixamos ficar, que nos ajuda a ver e seguir a luz do Messias que nos traz a alegria da salvação de Deus Pai.