Foi abordado, anteriormente, o primeiro de três períodos que integram uma secção em que Jesus se apresenta como missionário do Reino. Esta secção divide-se em:
- 1º período (Mt 8, 18 – 9, 35) – chamamento exigente dos discípulos, ilustrada pelos dez milagres, abordada atrás;
- 2º período (Mt 9, 35 – 10, 42) – Carta da missão proclamada por Jesus;
- 3º período (Mt 11, 1-12,21) – o acolhimento mitigado que Jesus encontra e que é indicados de como correrão as futuras missões.
Nesta parte do texto, focaremos apenas as passagens do segundo período. Esta incide sobre o discurso ou carta da missão. É o segundo grande discurso após o Sermão da Montanha. Este tem em vista tanto os discípulos da comunidade como nós, que o lemos hoje, anunciando os sofrimentos que temos de passar se queremos aderir a Jesus e ao Reino de Deus. Jesus envia os Seus discípulos a pregar, mas na realidade, é Ele que parte (Mt 11,1), descobrindo-se, no programa da missão, o testemunho da Sua própria vida.
O discurso missionário pode ser dividido em:
- Introdução: (Mt 9, 36-10-10);
- As dificuldades da missão (Mt 10, 11-25);
- Convite à confiança (Mt 10, 26-33);
- O horizonte conflitual do discípulo (Mt 10, 34-36);
- Conclusão – as escolhas do discípulo e o seu acolhimento (Mt 10, 37-42).
Introdução
Esta introdução ao discurso comporta quatro partes:
1ª parte: A missão é motivada pela ternura de Jesus pelas multidões desorientadas, “sem pastor” (Mt 10, 35-36);
2ª parte: Preocupado com o problema de procurar missionários, Jesus chama os Doze apóstolos e confere-lhes os seus poderes de exorcismos e curas;
3ª parte: Os Doze são indicados como representantes do povo de Deus, sendo o grupo a partir do qual se formará o novo povo (Mt 10, 2-4);
4ª parte: A missão do Doze dirige-se às “ovelhas perdidas da casa de Israel”.
Jesus e as multidões (Mt 9, 35-38)
v. 36: Jesus é apresentado como o Pastor que cumpre a expectativa do AT. A expressão “ovelhas sem pastor” evoca a missão messiânica que os discípulos vão testemunhar - a misericórdia do Bom Pastor.
v. 37-38: Jesus considera que é o momento de realizar a boa colheita que Deus espera, para trazer o Reino de Deus. Por isso, é preciso recrutar trabalhadores. Estes cultivarão uma total disponibilidade e rezarão ao Senhor para aumentar os frutos do seu trabalho.
Eleição dos Doze (Mt 10, 1-4)
v. 1: O número 12 corresponde ao número das tribos de Israel, pondo em relevo a continuidade e a diversidade do novo com o antigo Povo de Deus.
v. 2: A palavra “Apóstolo” implica dois aspectos: o apóstolo é enviado por Cristo (“Apóstolo” significa “enviado”) para espalhar a fé e é representante de Cristo (“Quem vos recebe, a mim recebe”, Mt 10, 40). Por isso, deve comportar-se de maneira a que, através dele, seja descoberto o próprio Cristo.
Missão dos Doze (Mt 10, 5-15)
v. 5: Jesus envia os Seus discípulos, tal como o Pai o enviou. A restrição relativa aos samaritanos está relacionada com a separação profunda entre estes e os judeus. Jesus porá em causa esta separação (Lc 10, 29-37, Jo 4, 1-30).
v. 7-8: Os enviados devem prolongar a missão de Jesus, anunciando o Reino do Céu e demonstrando o seu poder por meio de gestos miraculosos.
v. 9-10: Este ministério deve ser gratuito, não procurando a tentação de enriquecer pela pregação do Evangelho.
v. 11: A palavra “digno” refere-se a todo o homem que recebe e acolhe totalmente o dom de Deus que é levado pelos discípulos.
v. 14: A expressão “sacudir o pó” significava ruptura com aqueles que se recusavam a receber o Evangelho.
As dificuldades da missão
Perseguição dos discípulos (Mt 10, 16-23)
Quem anuncia o Evangelho encontrará grandes dificuldades, pois a Palavra que anunciam vem de um Mestre contestado.
Convite à confiança
A anunciar os valores do Reino, os discípulos têm um papel de profetas e devem esperar perseguições, como aconteceu com os profetas do AT. Jesus convida-os a não temer.
Nada temer (Mt 10, 24-31)
v. 24-25: O discípulo deve viver em conformidade com o Mestre, não podendo ter outra existência nem outro destino diferente do Seu e, como Ele, terá de sofrer e ser contrariado.
v. 26-27: Jesus exorta os discípulos a proclamar sem medo e abertamente o que este lhes revelou.
v. 28-31: Não temer a tortura, pois o torturador apenas tem poder sobre a vida terrestre, mas Deus dispõe da vida eterna e n’Ele devemos confiar.
Como o Mestre, o discípulo está desamparado: a sua única segurança está em saber que a autoridade do Mestre se exprime através das suas palavras e das suas acções; que o Pai vela sobre ele; e que o seu Espírito o inspira.
O horizonte conflitual do discípulo
Coragem e desprendimento (Mt 10, 32-39)
v. 32-33: Os enviados estão sobre um horizonte de julgamento final, em que Jesus terá em conta quem o confessou e quem o renegou.
v. 34-39: Ser discípulo não é fácil e requer uma escolha que implicará sacrifícios – horizonte conflitual: perder as seguranças familiares (v. 37); assumir a humilhação (v. 38); renunciar à sua vida como Jesus (v. 39).
Conclusão – as escolhas do discípulo e o seu acolhimento
Nesta conclusão, há uma preocupação com a humildade dos discípulos que pode estar relacionada com uma crise de ministérios no século I na Igreja de Mateus. O evangelista considera que a missão seria mais fecunda se os ministros agissem menos como mestres e mais como discípulos, modelando a sua existência sobre a humildade e a mansidão.
Acolhimento e recompensa (Mt 10, 40-42)
v. 40: Receber o enviado de Jesus é receber Jesus e n’Ele, o próprio Deus.
v. 41-42: Entre os futuros missionários, encontram-se os profetas (cristãos), alguns dos quais foram muito criticados. A referência aos justos pode querer dizer os escribas (cristãos), que ensinam o que é justo aos olhos de Deus. No entanto, é melhor ser-se acolhido como “pequeno”, recordando o exemplo humilde de Jesus perante a grandeza do Pai.
Embora Jesus envie os Seus discípulos a pregar, é o próprio Jesus que parte para a missão. Os discípulos ainda precisam de caminhar muito ao Seu lado e o seu envio efectivo virá na Páscoa. O Pai é o centro desta Carta: é a Ele que devemos rezar porque d’Ele vem a iniciativa da missão, que tem a sua origem humana no coração de Cristo.