Nascimento de Jesus
(2, 1-20)
A
narrativa do nascimento e da circuncisão de Jesus encontra o seu paralelo na
história de João Baptista (1, 57-66). Esta última passagem insiste na
circuncisão do Menino porque é aí que se manifesta a intervenção de Deus: o
inesperado acordo de Isabel e de Zacarias acerca do nome de João. No caso de
Jesus, ao contrário, todo o interesse se concentra no nascimento (2, 1-17),
comentado pela mensagem dos anjos (2, 8-17).
A
originalidade deste nascimento torna-se presente se compararmos ao nascimento
de João Baptista:
à João nasce confortavelmente na casa
de Zacarias, enquanto que Maria não tem ninguém que a assista no parto e apenas
tem uma manjedoura onde repousar Jesus;
à Os vizinhos e parentes acolhem João
com júbilo, enquanto que apenas alguns pastores, pessoas marginalizadas na
sociedade de então, vêm visitar o Menino Jesus quando este nasce.
Este
simples nascimento contrasta com o cântico triunfal dos anjos, dando glória a
Deus e à paz que este Menino pobrezinho vem trazer a todos os homens.
v. 1-2)
César Augusto era o imperador romano de 30 a.C. a 14 d.C. O recenseamento a que
LUCAS se refere, como abrangendo toda a terra, é um dos que César Augusto
decretou em várias províncias do Império. Efectuado quando Quirino era
governador da Síria (entre 4 e 1 a.C), este recenseamento da Palestina é
colocado por volta do ano 6 d.C, dez anos após a morte de Herodes, o Grande.
Trata-se de uma data aproximada, como preocupação em situar historicamente o
nascimento de Jesus. Quanto ao estabelecimento da era crista, há um erro
estabelecido por Dionísio, o Pequeno (séc. VI). Como os recenseamentos se
realizavam de 12 em 12 anos, Jesus terá nascido no primeiro resenceamento, antes
da morte de Herodes (4 a.C), por volta do ano 6 a.C.
v. 4)
A cidade de David é Jerusalém, mas LUCAS atribui este título a Belém, seguindo o
profeta Miqueias em Mq 5, 1.
“Beth-lehem”, que significa “casa do pão”,
situada a sete quilómetros de Jerusalém, foi o berço de nascimento de
Booz, Jessé e David. Sendo Jesus da linhagem de David, nasceu na mesma cidade
que este, realizando as profecias.
v. 7)
“Filho primogénito” refere-se à aplicação da Lei a Jesus recém-nascido, é um
título cristológico. Ao contrário de Isabel, Maria está a prestar os cuidados a
Jesus sozinha. Sendo oriundo de Belém, José terá voltado para a sua casa
paterna, uma casa tradicional da época, com um único compartimento e contígua a
uma das covas que servia de estábulo. Não tendo lugar no quarto de hóspedes –
“hospedaria” – talvez por estar cheio de familiares todos vindos para o
recenseamento, teria ficado no estábulo. A tradição de uma gruta vem do séc.
II.
v. 8)
Os pastores não eram bem vistos em Israel, por viverem à margem da prática
religiosa, “roubarem” pastos e trabalharem com animais impuros. Pertencem à
classe dos “pequenos” e “pobres” para os quais nasceu Jesus, pelo que estes vêm
adorar este Menino que veio para os salvar. Este acontecimento tem lugar
durante a noite, como muitos acontecimentos da salvação. Perante as trevas,
Jesus vem trazer a luz que nunca se apaga.
v. 9)
“A glória do Senhor” é uma expressão bíblica que designa a manifestação visível
de Deus. LUCAS atribui-a a Jesus na Transfiguração e na vinda escatológica.
v. 11)
No AT, o título “Salvador” é atribuído a Deus e algumas vezes aos “juízes de
Israel”. No NT, apenas LUCAS e JOÃO atribuem este título a Jesus, MATEUS e
MARCOS afirmam apenas que Jesus salva os doentes. “Messias Senhor” é o título
com que LUCAS indica que Jesus é o Cristo esperado e sugere o carácter divino
da Sua realeza.
v. 14)
A salvação trazida por Jesus é glorificada pelos poderes celestes. Este é sinal
da paz messiânica, cujo termo são os homens amados por Deus.
v. 20)
Canta-se a glória de Deus e os louvores de Deus perante as manifestações
divinas testemunhadas por todos quantos assistiram ao nascimento de Jesus.
O Universo exulta de alegria: homens e Anjos, todos louvam e glorificam a Deus,
pois começou a era jubilosa da salvação, onde todos os homens são chamados a
ser felizes porque Deus os ama. E este amor é tão grande que Deus se fez homem
e habitou entre nós, trazendo para todos a paz messiânica.
Circuncisão e
apresentação de Jesus no templo (2, 21-27)
João
Baptista foi anunciado no Templo, durante uma acção litúrgica; Jesus aparece
agora no Templo, acolhido pelos profetas, representados por Simeão e Ana, e a
este espaço voltará adiante. Aparece como um Menino indefeso, nas mãos dos seus
pais, que o apresentam ao Pai, o submetem ao cumprimento da Lei e recebem os
oráculos que lhe dizem respeito. A lei que leva os pais a irem ao Templo e o
Espírito Santo que se manifesta em Simeão juntam-se para designar o novo
Messias no coração da religião de Israel, o Templo.
v. 22-24)
A apresentação do Menino no Templo não era requerida pela Lei, apenas a
purificação da mãe. A Lei sobre os primogénitos indicava o pagamento de cinco
siclos durante o mês após o nascimento (Nm 18, 15-16). As duas rolas ou pombas
consistiam no oferecimento pela purificação da mãe (Lv 12).
v. 25-26)
Simeão é descrito como justo e piedoso, por estar cheio do Espírito Santo. A
consolação de Israel que ele esperava é a salvação que virá por meio de Jesus
Cristo. É neste Menino recém-nascido que Simeão reconhece como o Messias do
Senhor, “Luz das nações”, como proclama no cântico que dedica ao Senhor.
Simeão, prestes a morrer, toma em seus braços toda a sua esperança.
Cântico de Simeão
(2, 28-40)
v. 29-32)
O cântico de Simeão sobre Jesus corresponde ao cântico de Zacarias sobre o seu
filho João. Simeão saúda o Messias e revela aos pais algumas das
características da missão de Jesus, que vem trazer a salvação de Deus a todas
as nações, realçando o universalismo da vinda de Jesus, “Luz para se revelar às
nações”.
v. 34-35)
O oráculo de Simeão dirige-se a Maria, apresentando Jesus como sinal de divisão
e de contradição, antevendo a rejeição do Messias por uma parte do povo de
Israel. Esta rejeição será dolorosa para Maria, um preço a pagar pela missão de
Jesus. Jesus vem trazer a salvação para todos, mas esta deverá ser acolhida
livremente, podendo ser recusada. É uma chamamento pela fé que nem todos
manifestarão. Esta divisão que Jesus vem trazer em Israel dará origem a uma
nova Israel, da qual Maria será a mãe, pois esta vai superar a prova do
sofrimento de ver o seu Filho morrer na cruz. Por isso, Maria estará no coração
da Igreja nascente.
v. 36-38) Ana
é apresentada como uma israelita exemplar que não se afastava do Templo. Esta
mulher, com uma enorme espiritualidade e pureza interior, consegue reconhecer naquele
Menino pequenino a salvação do povo de Deus, a redenção esperada de Israel.
v. 39-40)
Jesus crescia como consequência da sua Encarnação. Existe um paralelo a Lc 1,
80 sobre o crescimento de João Baptista. A sabedoria e a graça de Deus são
atributos de Jesus que vêm do contacto com o Pai e da Sua benevolência divina.
João e Jesus crescem com a força do Espírito, e Deus-Pai vai enchendo com a Sua
sabedoria e graça o seu Filho muito amado.
Jesus entre os
doutores (2, 41-52)
No
coração de Israel, o Templo, Jesus encontrava-se entre os doutores da Lei e todos
se admiravam pela Sua inteligência, dom do Seu Pai que reconhece e ama, já na
sua juventude.
v. 41)
A Lei prescrevia que os judeus deviam fazer três peregrinações por ano a
Jerusalém, na Páscoa, no Pentecostes e na festa dos Tabernáculos. Estas
peregrinações acabaram por ser generalizadas a apenas uma vez por ano. As
mulheres e as crianças menores de 13 anos estavam dispensadas; no entanto, os
pais poderiam levar as crianças, desde que pudessem manter-se “aos ombros”, ou
seja, perto de si.
v. 46-49)
Os doutores da Lei ensinavam no pátio do Templo, recorrendo ao diálogo. Jesus
estabelece um diálogo com os doutores da Lei aos 12 anos, idade em que qualquer
adolescente ficava a ser adulto na Lei. Tal como o profeta Samuel (1 Sam 2, 26;
3, 19-20), Jesus é apresentado no Templo e também elogiado pela sua
inteligência. Tal como Samuel se entregava ao serviço do Templo, também Jesus
afirma os laços de dependência com o Pai (“não sabíeis que devia estar em casa
de meu Pai?”).
v. 49-51)
“Meu Pai” aparece como primeira e última expressão de Jesus em LUCAS (23, 46;
24, 49). A filiação divina de Jesus é um mistério, por isso, incompreendido
pelos pais, o que requer a meditação de Maria relativamente a todos os
acontecimentos, procurando uma maior compreensão. Jesus mantém a submissão como
filho obediente a seus pais, não esquecendo nunca a sua verdadeira condição
divina e, simultaneamente, humana.