12 de dez. de 2012

PRÓLOGO E EVANGELHO DA INFÂNCIA


1ª PARTE – PRÓLOGO (1, 1-4)
São Lucas é o único dos evangelistas que apresenta um prólogo antes do evangelho. Neste, ele anuncia o assunto sobre o qual vai escrever: o que significa para ele, a vida de Jesus e o nascimento da Igreja. Apoia-se na tradição, escrevendo de forma ordenada o que era ensinado na catequese da Igreja primitiva. Pretende confirmar o que as “testemunhas oculares” e os “ministros ou servidores da Palavra” relataram. Estes são os Apóstolos e o Evangelho que pregaram, bem como referência a fontes escritas como o Evangelho segundo São Marcos e outros escritos e testemunhos.
Seguidamente, refere o método utilizado. Foi uma pesquisa cuidadosa “desde as origens”, com um trabalho minucioso de historiador. Os “factos” narrados, referem-se à vida e missão de Jesus, testemunhados pelos discípulos de Jesus: são a Boa-Nova, o Evangelho que, em LUCAS é transmitido. Mas estes são apresentados, mais do que usando uma ordem cronológica, antes adopta um método pedagógico e bem pensado dos acontecimentos e da doutrina de Jesus.
Finalmente, LUCAS dedica o seu livro a “Teófilo”, que significa, em grego, “amigo de Deus”. Este é todo o cristão ou pagão, sobretudo no mundo grego do seu tempo, a quem LUCAS apresenta uma apologia da fé crista.


2ª PARTE – EVANGELHO DA INFÂNCIA (1, 5 – 2, 52)
A construção literária do evangelho da infância em LUCAS apresenta um paralelo entre João Baptista e Jesus Cristo. Os episódios têm correspondência paralela, o que evidencia a unidade de acção de Deus em João Baptista e em Jesus (ver tabela abaixo). A finalidade fundamental destas narrativas é a de apresentar o mistério de Jesus e, secundariamente, a missão de João Baptista, o Precursor, através de uma série de mensagens sobrenaturais pelos anjos, por algumas personagens, como Simeão e Ana, e finalmente, pelo próprio Jesus (2, 49).



Anúncio do nascimento de João Baptista (1, 5 – 25)
O começo da narrativa começa à maneira das antigas histórias bíblicas (“No tempo de Herodes”). Esta apresenta um processo de transformação de um vazio, representado pela esterilidade de Isabel, para um enchimento, representado pela aparição do anjo a Zacarias e realizado pela Palavra de Deus e pela gravidez de Isabel. Este processo entra em contraste pela segunda transformação, a mudez de Zacarias por não acreditar na Palavra de Deus. O nascimento de João vem trazer uma nova esperança, vem encher os corações do povo de Deus com a alegria do Messias que está para nascer.

v.5) Herodes, o Grande, filho do idumeu Antipas ou Antipater, foi nomeado rei da Judeia pelo Senado Romano em 40 a.C. (morto em 4 d.C.). Era um político hábil e um grande construtor. A classe de Abias, à qual pertencia Zacarias, era a oitava em 24 das classes que serviam o Templo.

v.7) A esterilidade era considerada motivo de humilhação, vergonha e castigo. Esta história apresenta semelhanças notáveis com a história de Sara e Abraão (Gn 18, 11), Rebeca (Gn 25, 21), Raquel (Gn 30, 22), a mulher de Manoah (mãe de Sansão - Jz 13, 2) e Ana (mãe do profeta Samuel - 1 Sam 1, 5) . Zacarias e Isabel representam a comunidade dos pobres e oprimidos, para quem Deus se volta e de onde nascerá João, o último profeta da Antiga Aliança.

v.9) Os sacerdotes entravam no altar de manhã e à tarde, quando era a oferta do sacrifício, para renovar as brasas e os aromas no altar do incenso, feito de ouro, que se encontrava no Santo dos Santos.

v.12) O “Temor” sentido por Zacarias era uma perturbação habitualmente sentida pelo ser humano no confronto com o mistério de Deus, presente em revelações, milagres e outras intervenções divinas. Deus comunica com o homem mediante o seu anjo, mas mais importante que a visão, que apenas serve de apoio, é a mensagem, comunicada por um autêntico mensageiro de Deus, que ocupa um lugar de honra, entre o altar e o candelabro de sete braços.

v. 13) Zacarias é tranquilizado com a fórmula habitual “Não temas”, usada pelos anjos nas aparições. A resposta de Deus à ignomínia de Zacarias e Isabel está contida no nome “João”, que significa “o Senhor faz graça” ou “Deus compadece-se”. Além de uma resposta à prece deste casal, este menino tem ainda uma missão especial.

v.14) “João” é o portador da alegria messiânica nas primeiras manifestações da vinda do Messias. Esta alegria é a resposta ao dom da salvação presente em Jesus Cristo.

v.15) A missão do Precursor é profética: mantém-se diante do Senhor como um Servo, é um asceta consagrado a Deus, e está predestinado pelo Senhor desde o ventre da sua mãe para uma especial missão.

v.17) A missão de João é semelhante aos antepassados Levi e Elias: levar Israel à conversão; abrirá o caminho para a chegada do Messias, que iniciará a História da libertação dos pobres.

v.19) O anjo Gabriel é enviado para anunciar a Boa-Nova. Enquanto que Marcos usa o termo “Evangelho”, Lucas utiliza os termos “Boa-Nova”, “evangelizar”, usando o verbo, e não a designação.

v.20) Perante a incredulidade de Zacarias, que pede um sinal  como se a palavra de Deus devesse justificar-se a si mesma, o dom divino faz-se acompanhar da retribuição, pois a palavra que fecunda Isabel encontra o sinal na mudez de Zacarias. Esta mudez perante a palavra de Deus não se trata tanto de uma punição, mas principalmente um sinal que permite guardar o segredo do nascimento, que será revelado a Maria apenas em altura própria, sendo esta a razão pela qual Isabel fica oculta durante cinco meses.

v.23) “Terminados os dias” é uma expressão que transmite a ideia da realização das profecias. João é, para LUCAS, o profeta escatológico de que fala Malaquias (Mal 3, 1.24). “Mais do que um profeta” (Mt 11, 9), João tem a missão de reconciliar e ajudar à conversão do povo de Deus para se prepararem para a vinda do Messias. João baptizou o Salvador e encaminhou para Ele os primeiros discípulos. A Igreja celebra o seu nascimento a 24 de Junho, no solistício de Verão, pois João é uma “lâmpada” cuja luz deve diminuir ao aparecer a Luz verdadeira (Jo 1, 8-9; Jo 5, 36; Jo 3, 30). João é modelo dos pregadores e dos crentes que devem desaparecer diante d’Aquele que anunciam, para “preparar os Seus caminhos”.

O anúncio do nascimento de João Baptista é o primeiro sinal da vinda de Messias, é um sinal de alegria e de esperança, no novo Messias que vai nascer. Tal como Isabel permanece oculta, também para nós o tempo do Advento é um tempo de recolhimento e de preparação para receber Deus “que nos vem visitar como sol nascente”. Como nos prepararmos devidamente para o receber? Podemos deter-nos na mensagem de conversão do coração que João nos vem trazer e procurar viver verdadeiramente esta mudança interior, esvaziando-nos do que não interessa, e enchendo-nos do Amor que Deus nos traz por meio do Seu “Filho muito amado”.
 


30 de nov. de 2012

UMA LEITURA DO EVANGELHO SEGUNDO SÃO LUCAS - Introdução

Inicia-se um novo ano litúrgico, no enquadramento do Ano da Fé que teve início no passado dia 11 de Outubro. A liturgia deste novo ano pertence ao Ano C, último ano do ciclo. Os Evangelhos do tempo comum são sobretudo retirados do Evangelho segundo São Lucas, sobre o qual vamos ler e reflectir ao logo do ano. Mas, primeiro, abordamos alguns dados sobre este Evangelho e o seu autor.

O Evangelho segundo São Lucas (LUCAS) e o livro dos Actos dos Apóstolos formam um conjunto composto pelo evangelista Lucas. O Evangelho apresenta o caminho de Jesus e os Actos apresentam o caminho da Igreja, formando no seu conjunto, o caminho da salvação do povo de Deus.
Geograficamente, o centro da acção é Jerusalém: esta cidade é o ponto de chegada de Jesus, onde se realiza plenamente a Sua missão na morte e ressurreição, e é o ponto de partida do caminho da Igreja, de onde partem os Apóstolos na Sua missão evangelizadora pelo mundo.

Sobre a origem e o autor

Segundo a tradição, o autor deste evangelho era Lucas, um médico gentio, logo não-judeu, convertido ao cristianismo. Pensa-se que possa ter sido discípulo de Paulo, pois surgem várias passagens em Actos sobre as missões de Paulo em que o narrador fala na primeira pessoa do plural, marcando a sua presença nestes acontecimentos. Além disso, pelo estilo de escrita, seria um homem instruído do mundo helenista, um artista dedicado e um historiador atento. Acima de tudo, ele é um crente que encontrou a salvação em Jesus Cristo, e a quem somente interessa segui-l’O.

LUCAS terá sido redigido por volta de 80-90 d.C., e era dirigido principalmente aos cristãos gentios (gregos), representados por Teófilo (Lc 1, 3), transparecendo este facto na língua, estilo, maneira de escrever e mentalidade presente na escrita. A língua principal é o grego, sendo mais semita quando cita as palavras de Jesus em aramaico ou hebraico. Apresenta narrações, parábolas, milagres e outros textos com as suas próprias introduções e conclusões, que não encontram paralelo nos outros evangelhos. Situa várias cenas em alturas que considera mais significativos (e.g. pregação na sinagoga de Nazaré muito antes do que em MATEUS). LUCAS tem uma preocupação mais ligada com o significado dos acontecimentos do que com a sua cronologia. A principal fonte utilizada por LUCAS, além dos testemunhos reais recolhidos, terá sido o Evangelho segundo São Marcos.

Sobre os objectivos e o conteúdo

LUCAS é uma história iluminada pela fé que apresenta a Boa-Nova da salvação centrada na pessoa de Jesus Cristo. Pensa na Igreja, cujos membros são chamados a acolher a mensagem salvadora na alegria e na conversão do coração. Por isso, é o Evangelho da misericórdia, da alegria, da solidariedade e da oração. A Boa-Nova transforma a vida das pessoas que a acolhem. A sua principal preocupação era mostrar que tanto os gentios e os marginalizados como os judeus fazem parte do plano de salvação de Deus realizado por Jesus Cristo. Por isso, este Evangelho louva figuras gentias como exemplos de fé, tais como o centurião romano e o samaritano, e mostra como Jesus amava as mulheres e os pobres, grupos marginalizados pela sociedade, tais como através dos episódios sobre mulheres (e.g. Maria e sua prima Isabel) ou sobre o pobre Lázaro, e perdoava os pecadores, como Zaqueu. Jesus em LUCAS é misericordioso, compassivo, com especial interesse pelos pobres, pelas mulheres e pelos não-judeus, é o “Senhor”, o “Salvador”. Em cada página de LUCAS irradia a alegria de Deus em salvar todos os homens. LUCAS apresenta um género “parenético”, pois na sua obra a exortação individual, religiosa e moral tem um lugar especial. Define a vida do discípulo pela conversão, pela caridade fraterna, manifestada na esmola, na oração, na renúncia e, sobretudo, na alegria do acolhimento da Palavra.

O tema central é a obra e pessoa de Jesus, mas com uma originalidade que se desdobra em etapas: os anúncios no Antigo Testamento e as mensagens no Evangelho da Infância; na realização destes anúncios durante a vida terrena de Jesus; no período que começa com a Páscoa em que Jesus actua como Senhor pelo Espírito.
A estas três etapas correspondem três fases sucessivas no percurso de fé do povo de Deus: Israel antigo, que detém as promessas de um Messias Salvador; os crentes que respondem ao chamamento de Jesus e se reúnem à sua volta; a Igreja convocada pelos Apóstolos a partir do Pentecostes.
LUCAS foi o que mais marcou as fases sucessivas da História da Salvação mas, ao mesmo tempo, proclama o “hoje” da salvação.



Estrutura do Evangelho segundo São Lucas

LUCAS é um dos Evangelhos sinópticos, organizando a vida de missão de Jesus no espaço de um ano, com uma única ida a Jerusalém. Divide-se da seguinte forma:

1ª Parte – Prólogo (1, 1-4): Anuncia o tema e o fim da sua obra.
2ª Parte – Evangelho da infância (1, 5 – 2, 52) de Jesus Cristo e de João Baptista.
3ª Parte – Preparação para o ministério (3, 1 – 4, 13) de Jesus.
4ª Parte – Ministério de Jesus na Galileia (4, 14 – 9, 50): Jesus com as multidões, com os primeiros discípulos e com os adversários; ensino dos discípulos e associação aos Doze.
5ª Parte – Subida de Jesus a Jerusalém (9, 51 – 19, 27): Jesus chama Israel à conversão.
6ª Parte – Ministério de Jesus em Jerusalém (19, 28 – 21, 38): ensino de Jesus no templo.
7ª Parte – Narrativa da Paixão (22, 1 – 23, 56).
8ª Parte – Narrativa da Ressurreição (24, 1-53).

13 de jul. de 2012

V. PAIXÃO E RESSURREIÇÃO

A secção V é o ponto de chegada do Evangelho, onde se realiza a Missão de Jesus de Nazaré, Messias, rei de Israel, Filho de Deus, Salvador do Mundo – a Paixão, a Morte e Ressurreição de Cristo.
O segredo que rodeia a resposta à questão central que o Evangelho propõe, será levantada: Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, pelo próprio perante o Sinédrio, e pelo centurião, ao pé da cruz. É também nesta parte que se verifica um isolamento completo de Jesus, abandonado pelos discípulos na hora da prisão. Porém, as mulheres compensam este abandono, acompanhando Jesus na Sua Paixão até à Ressurreição, assegurando a continuidade do testemunho.
A abundância de citações do Antigo Testamento serve para ajudar o crente, escandalizado pelo sofrimento de Jesus e toda a injustiça cometida, a compreender como esta Paixão pode entrar no desígnio de Deus.
As narrações dos outros Evangelhos apresentam muitas semelhanças com este relato, pelo que se pensa que Mc  pode ser o documento-base.


Mc 14, 1-2: Conspiração dos judeus

A Páscoa Judaica consistia na celebração e recordação da libertação de Israel da escravidão do Egipto, guiados por Moisés e a Aliança feita no deserto do Sinai. A Festa dos Ázimos (ou “pães sem fermento”) estava associada à Páscoa. Existiam dois momentos na celebração da Páscoa dos judeus: a imolação do cordeiro no Templo (no 14º dia de Nisan (Abril), na primeira lua cheia da primavera); comer o cordeiro numa refeição sagrada familiar ou em grupo. Desde o 14 até ao dia 21 não se podia comer pão com fermento.
A Páscoa de Cristo é a redenção que Cristo operou em favor de toda a Humanidade, cordeiro imolado por todos, morrendo e ressuscitando, libertando-nos todos do pecado para a vida eterna.



Mc 14, 3-9: Unção de Betânia

v. 3: Pensa-se que a mulher de Betânia seja Maria, irmã de Marta e Lázaro, amigos de Jesus, pelo que este episódio deve ser diferente do de Lc 7, 36-50, que refere-se a uma pecadora anónima.
v. 6: No Evangelho de São João, a indignação parte de Judas Iscariotes.
v. 7-8: “sempre tereis pobres entre vós”: existirão sempre pobres para ajudarmos, como diz em Dt 15, 11. Perante Deus vivo, que está quase a partir, o acto de Betânia é também um acto de misericórdia, não um desperdício. É louvar e glorificar o Messias que está entre nós, é um acto de fé em Cristo.
O acto da mulher de Betânia é um gesto de reconhecimento de Jesus como o Messias-Rei, algo que não é compreendido pelos discípulos. Jesus vê neste gesto uma antecipação da Sua morte, mas para a glória do Reino de Deus inaugurado na Sua ressurreição.

Mc 14, 10-11: Traição de Judas

Provavelmente, indignado pela situação anterior, Judas decide entregar Jesus. O preço, em Mt, é 30 moedas de prata, o preço que se pagava habitualmente por um escravo.

Mc 14, 12-16: Preparação da Ceia Pascal

Os judeus celebravam a Páscoa na sexta-feira. Os judens de Qumrân seguiam o calendário solar, pelo que celebravam na terça-feira. Esta última deve ter sido a escolha de Jesus.
v. 16: Jesus dá instruções aos seus discípulos sobre os preparativos da Páscoa, ocorrendo sempre tudo como o Mestre indica.

Mc 14, 17-21: Anúncio da traição de Judas

Nesta passagem, Jesus anuncia que vai ser traído. “Aquele que mete comigo a mão no prato.” Judas não é identificado directamente nesta passagem, mas tinha sido indicada a sua traição anteriormente.
v. 21: Embora aparente ser uma condenação, trata-se mais de uma lamentação de Jesus face à infeliz opção de Judas e das consequências da escolha que fez para a sua vida.

Mc 14, 22-26: Instituição da Eucaristia

A Última Ceia terá seguido o ritual da refeição pascal judaica. Durante esta, Jesus institui a Eucaristia, anunciando a Sua morte e ressurreição, inaugurando, assim, a Nova Aliança. Embora não esteja indicado em Mc, em Jo Jesus proclama também o novo mandamento da Lei de Deus, o mandamento do Amor.
Jesus torna-se o Cordeiro Pascal, sacrificado por todos, para nossa salvação. Pela Eucaristia, tomamos parte de Jesus, formando um só Corpo, a Igreja.
v. 22-25: Ao pronunciar as palavras “Isto é o Meu corpo”, “isto é o Meu sangue”, Jesus revela o perfeito conhecimento do sentido da Sua morte – a palavra “corpo” exprime a dádiva de si mesmo, e a palavra “sangue”  exprime a ideia de sacrifício. Mais do que a instituição da Eucaristia, a principal intenção de Mc é a de sublinhar a oferenda de sacrifício de Jesus, senhor da sua morte, ao revelar o sentido da mesma, selando definitivamente a Aliança entre Deus e os homens.

Mc 14, 27-31: Anúncio das negações de Pedro

v. 27-28: O abandono surge aqui como queda e tropeço do homem perante a adversidade. Mas Jesus reunirá todos novamente na Sua ressurreição.
v. 29: Pedro é sempre o primeiro a confessar Jesus. No entanto, nem Ele pode garantir a sua fidelidade a Cristo, pois a sua fé ainda é imatura. Porém, após a fraqueza e a adversidade, Pedro será a pedra onde Jesus fundará a Igreja Santa de Deus.

Mc 14, 32-42: Oração de Jesus em Getsémani

v. 32: Getsémani significa “lagar de azeite”. Situa-se no Monte das Oliveiras, a leste de Jerusalém.
v. 35-36: Jesus debate-se com uma angústia que só os iniciados no sofrimento poderão compreender. Pede ao Pai que afaste d’Ele este cálice, mas sobrepõe a vontade de Deus acima de tudo. Refere-se a Deus como Abbá = Pai, paizinho, um termo aramaico que só os filhos usam para chamar o pai num acto de ternura. Este termo não era usado pelos judeus nas orações. Segundo o exemplo e indicação de Cristo, os cristãos, filhos (adoptivos) de Deus, também se dirigirão a Deus como Pai.
v. 37-40: Os discípulos não conseguiram vigiar e orar, caíram no sono. Quando não estamos atentos, deixamo-nos levar pela letargia, e não escutamos Deus que nos chama.
Este episódio mostra como o homem encontra-se sempre entre duas forças opostas: Deus coloca nele um espírito voltado para o bem, mas ao mesmo tempo, o homem é “carne”, originariamente débil e fraco para resistir ao pecado. A hora do Getsémani é a hora da prova para os discípulos, que só com a força de Deus podem enfrentar. Mas deixam-se dormir e Jesus fica só.







Mc 14, 43-52: Prisão de Jesus

v. 45: O beijo do discípulo ao mestre era um sinal de dedicação – este gesto tornou-se símbolo de traição por Judas.
v. 47: Nos outros Evangelhos, é Pedro que corta a orelha e Jesus cura o criado em seguida. Nesta passagem, é dada a relevância à violência com que vêm ao encontro de Jesus para o prender.
v. 51-52: Pensa-se que o jovem envolto no lençol deveria ser o próprio Marcos, pois este incidente só é descrito neste evangelho. Também pensa-se que este jovem poderá representar a impossibilidade de acompanhar Jesus, entregue nas mãos dos inimigos.

Mc 14, 53-65: Jesus no tribunal judaico

Jesus é interrogado pelo sumo sacerdote Caifás. Jesus assume-se solenemente com Messias, Filho de Deus Bendito, Filho do Homem. Por isso, é acusado de blasfémia e condenado à morte pelo Sinédrio, que não o reconhece como o Messias esperado, não querendo ver a realização das Escrituras em Jesus Cristo.

Mc 14, 66-72: Três negações de Pedro

v. 68-70: Pedro tem medo e, por isso, nega o Senhor. O medo faz parte da natureza humana, só pela fé pode ser ultrapassado. A fé de Pedro encontra-se ainda muito “verde”, mas com todos estes acontecimentos e, sobretudo, com esta experiência, a sua fé vai amadurecer e Pedro será a pedra sobre a qual a Igreja será erguida.
v. 72: Lucas e João relatam que o Senhor fixa os olhos em Pedro e é isso que o leva a cair em si e chorar – o olhar e a bondade de Jesus que aceita a natureza de Pedro, mantendo o Seu Amor infinitamente misericordioso.

Mc 15, 1-5: Jesus no tribunal romano: Pilatos

v. 1: O Sinédrio era constituído por 23 membros de diversos grupos religiosos. Era o Supremo Tribunal que governava a comunidade judaica. Jesus é conduzido a Pilatos porque, durante a ocupação romana, os judeus não podiam aplicar a pena capital, apenas poderia ser feito pelo tribunal romano.
v. 2-5: Jesus não se defende perante Pilatos e não responde perante a acusação. O reino que Jesus anuncia não é deste mundo, por isso, provavelmente, surge a afirmação “Tu o dizes”, como resposta, não admitindo nem negando a acusação de Pilatos.

Mc 15, 6-15: Jesus e Barrabás

v. 7: Barrabás significa “filho do pai”.
v. 11: A multidão pede o indulto para Barrabás, preferindo-o a Jesus.
v. 14-15: Pilatos era o “Prefeito da Judeia”. Num acto de cobardia, apesar de perceber que as acusações a Jesus eram apenas por inveja, decide aceder e mandar flagelar e crucificar Jesus para evitar represálias. A crucifixão era um castigo de origem persa, normalmente aplicado pelos romanos, cartagineses e gregos. A flagelação precedia, normalmente, a crucifixão.
A cruz era já tida como símbolo da vida no Antigo Egipto. Com a morte de Cristo, torna-se o sinal cristão por excelência.

Mc 15, 16-20: Coroação de espinhos

Jesus foi humilhado e magoado, assumindo a missão e o papel que o Pai lhe confiara com sofrimento, em silêncio obediente ao Senhor.

Mc 15, 21-22: A caminho do Calvário

Simão de Cirene transporta a cruz de Jesus, porque este, provavelmente, após a flagelação, já não teria forças para carregar mais (Era apenas levada a parte transversal da cruz, a haste já se encontrava fixa no lugar das crucifixões). A acção de Simão de Cirene também poderá sugerir ao discípulo que este deve participar na paixão de Jesus.
v. 22: “Gólgota” significa “lugar do crânio, em aramaico. Em latim, chama-se “Calvário”. O Lugar do Crânio era uma pequena elevação de terreno fora dos muros de Jerusalém, a poucos metros da cidade.

Mc 15, 23-32: Jesus crucificado e escarnecido

Jesus sofre os suplícios que os profetas anunciavam que o Messias haveria de sofrer. Na narração da Paixão e da Ressurreição, dá-se o clímax da realização e revelação de Jesus como o Messias. Marcos descreve em pormenor o dia da morte de Jesus, distribuindo pelas 4 partes do dia os momentos mais significativos:
*** “Logo de manhã” – primeira hora (6-9h) – sentença do Sinédrio;
*** “Nove horas da manhã – terceira hora (9-12h) – crucifixão;
*** “Meio-dia” – sexta hora (12-15h) – trevas;
*** “três da tarde” – nona hora (15-18h) – morte.
v. 29: Abanar a cabeça era um gesto de desprezo da parte de quem o injuriava. O Senhor era injuriado, segundo Mc, por vários grupos: transeuntes, chefes e até os que também estavam crucificados; em Lc apenas um dos ladrões o fazia. Estas injúrias deixam o crente perante o escândalo da cruz e a fé no misterioso desígnio de Deus.




Mc 15, 33-41: Morte de Jesus

v. 33: Jesus morre às três da tarde, altura da oração da tarde no templo, e é crucificado à terceira hora, quando se reza a oração da manhã, e quando decorre a imolação dos cordeiros pascais: Jesus é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.
v. 34: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?” - Sem quebrar os Seus laços com o Pai, Jesus identifica-se com o Messias sofredor, citando o Sl 22. É o grito do ressurgir da Fé perante um aparente abandono, pois nas dificuldades, ao questionarmos, reencontramos Deus.
v. 38: O véu do templo rasgou-se no Santo dos Santos - a Antiga Aliança antiga cede lugar à Nova Aliança, de livre e fácil acesso, mediante Jesus Cristo, rosto humano de Deus.
v. 39: O título “Filho de Deus” é proclamado pelo centurião, cuja afirmação prova que Jesus é verdadeiramente o Messias. Com o centurião, cumpre-se a Palavra de Jesus: o Reino de Deus será dado aos gentios, a um novo povo.

Mc 15, 42-47: Sepultura de Jesus

A partir deste ponto, as mulheres começam a assumir um papel fundamental como testemunhas da Ressurreição.
v. 42: A Preparação é o dia que precede o Sábado solene da celebração da Páscoa. Costuma remover-se os cadáveres dos supliciados antes do repouso sabático, que começava com o aparecimento das primeiras estrelas.
v. 43: José de Arimateia pratica uma das obras de misericórdia entre os judeus – enterrar os condenados. Em Mc, é simpatizante de Jesus, mas em Jo é mesmo um discípulo.
v. 47: Nesta passagem, as mulheres apenas observam, enquanto José trata de envolver o corpo.

Mc 16, 1-8: As mulheres vão ao sepulcro

v. 1: Como Jesus morreu pouco antes do Sábado, as mulheres só puderam tratar do corpo na altura mencionada.
v. 2: O primeiro dia da semana foi o dia em que começa a criação, e é designado, na linguagem cristã “Dia do Senhor” (Kyriake), porque neste ressuscitou Cristo Senhor.
v. 8: As mulheres sentem o “terror sagrado” perante a presença de um ser divino que lhes anuncia a ressurreição de Jesus.
O relato de Mc termina após este v. 8, sendo que a secção seguinte foi acrescentada posteriormente. Porquê Mc termina o relato neste ponto tão abrupto? Provavelmente, porque o relato estava concluído com o túmulo aberto, pois Jesus já tinha advertido os discípulos da Sua ressurreição na Última Ceia, não sendo necessário o anúncio pelas mulheres. O silencio destas teria, assim, uma dupla função: a sua perturbação face ao sucedido, pois os desígnios de Deus ultrapassam toda a compreensão; o silêncio faz com que a reunião dos discípulos na Galileia e o anúncio do Evangelho após a Ressurreição não se deva às mulheres, mas à iniciativa do Ressuscitado – “depois da minha ressurreição, preceder-vos-ei na Galileia” (Mc, 14, 28).

Mc 16, 9-18: Aparições de Jesus ressuscitado
Mc 16, 19-20: Ascensão de Jesus

Por análise literária e tradução, pensa-se que Mc não é o autor desta parte, tendo terminado abruptamente no v. 8. Existe um outro final de Mc, não canónico e menos antigo:
“Elas (as mulheres) informaram sucintamente Pedro e os seus companheiros de tudo o que lhes tinha sido dito. Em seguida, o mesmo Jesus, através deles, fez chegar do Oriente ao Ocidente a mensagem sagrada e incorruptível da salvação eterna.”
Este excerto não parece ter muita relação com todo o Evangelho. Também pode ser que Mc tenha feito um resumo, ou simplesmente, segundo os seus objectivos, era fundamental revelar Jesus como o Messias, não sendo relevantes as aparições de Cristo ressuscitado aos Apóstolos e o seguimento da história.
Este texto insiste na missão de levar o Evangelho ao mundo inteiro através do testemunho da palavra e das obras e sinais que o acompanham. A eficácia da palavra e dos sinais vem da acção de Jesus, elevado para junto de Deus.
O final de Mc continua a demonstrar a incredulidade e falta de fé: os Apóstolos só acreditam vendo. São enviados ao mundo para levar a Palavra de Deus a toda a humanidade.
O Ressuscitado não abandona o mundo, mas torna-se sempre presente, por meio da acção dos discípulos, estende a Sua acção a toda a parte.



O Evangelho de Marcos é difícil para nós, pois este apresenta-nos o escândalo da fé. Quando guiados por Marcos, refazemos o itinerário da nossa fé e somos insistentemente questionados se compreendemos bem a mensagem. O retrato do homem feito por Marcos é o de alguém que fraqueja, que abandona o Mestre, que duvida. Não é um retrato agradável, mas procura levar-nos à entrega a Deus para ultrapassar todas as nossas limitações pela força da Fé: é o próprio Deus que nos atira para o futuro.