11 de fev. de 2011

CORPO DO SERMÃO DA MONTANHA: A nova justiça (Mt 5, 17-48);


O conjunto do Sermão apresenta a interpretação cristã da Lei e os Profetas, expressão esta que abre esta parte do Sermão (5, 17) e a conclui (7, 12). Ao ler o Corpo do Sermão da Montanha, encontram-se três quadros principais desta interpretação:
1)      um desenvolvimento sobre a nova justiça do Reino (5, 17-48);
2)      uma apresentação da piedade autêntica (6, 1-18);
3)      exortações acerca da confiança para com o Pai (6, 19 – 7, 11).

Mt 5, 17-48, que se refere à nova justiça do Reino, compreende uma tese, apresentada em Mt 5, 17-20, ilustrada por seis antíteses entre a Antiga e a nova Lei.


TESE: Jesus e a Lei (Mt 5, 17-20)

Esta tese tem como objectivo, atingir os mestres e os fiéis da comunidade de Mateus., que negligenciam alguns mandamentos, usando uma distinção antiga entre preceitos “leves” e “pesados”. A justiça dos discípulos e a sua prática dos mandamentos deve ir além da dos escribas e fariseus. Jesus vem, assim, dar a perfeição à Lei e os Profetas, sem as revogar, restituindo-lhes a sua simplicidade original. A menção do “jota” (a letra mais pequena dos alfabetos hebraico e grego) e do “ápice” (pequeno traço com a função distinguir as letras), símbolos aparentemente quase insignificantes na interpretação do texto, aparecem como uma hipérbole para frisar que a Lei será respeitada por Jesus na sua integridade, até ao pormenor.

1ª ANTÍTESE: Homicídio e reconciliação (Mt 5, 21-26)

À condenação do homicídio no AT, Jesus opõe a denúncia da fúria e do insulto como sendo graves, pois eles originam os comportamentos violentos. Duas aplicações completam a mensagem: a reconciliação entre irmãos tem mais importância do que os rituais do culto, pois esta conduz à paz e evita a violência, que nos afasta do amor; alimentar os conflitos, não sendo conciliador, leva a consequências futuras, podendo desarmar-nos perante o julgamento divino final. Nesta conclusão, revê-se o programa das Bem-aventuranças: Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra.

 NOTA: A Geena era um vale a sul de Jerusalém no qual se sacrificou ao deus Moloc e onde, mais tardiamente, se lançava o lixo da cidade, pelo que se tornou uma referência como símbolo de maldição eterna.

2ª ANTÍTESE: Adultério e escândalo (Mt 5, 27-30)

Nesta passagem, Jesus opõe a proibição do adultério à inveja e cobiça. O desejo de algo que não é nosso é o caminho para o adultério ou para roubar. Jesus põe, assim, em paralelo o “olho”, canal das intenções, e a “mão”, passagem ao acto, colocando na mesma linha de exigência actos, pensamentos e desejos. Renunciar antes de sucumbir a uma situação irreparável, esse é o projecto que Jesus dá aos seus discípulos: converterem o seu interior, serem puros de coração. 

3ª ANTÍTESE: Jesus e o divórcio (Mt 5, 31-32)

Esta antítese completa a precedente, referindo-se ao adultério conjugal. O divórcio era o direito que o homem tinha de repudiar a sua mulher, segundo as leis do AT, em caso de adultério. Aqui, é acentuada a indissolubilidade da união conjugal: o casamento é um projecto divino que não pode ser substituído por outra união. Também, nesta passagem, procura realçar-se que a ruptura conjugal é responsabilidade de ambas as partes, ao contrário do que se defendia na sociedade patriarcal judaica: em oposição ao princípio de que apenas a mulher era considerada adúltera, o fim do versículo 32 atesta que o homem também é adúltero ao repudiar a sua esposa.

4ª ANTÍTESE: Linguagem e juramentos (Mt 5, 33-37)

Jesus alerta para os falsos juramentos: os que são feitos com o propósito de tomar Deus como testemunha nos conflitos, para provar boa fé diante de outros; os votos pelos quais alguém se compromete para com Deus em promessas inconsideradas. A simplicidade do “sim” e do “não” compromete os discípulos a uma transparência que deixa a Deus a avaliação da verdade de cada um. A interdição do falso juramento procura, assim, assegurar a verdade das relações entre discípulos e entre estes e Deus.

5ª ANTÍTESE: Lei de talião (Mt 5, 38-42)

O verbo “resistir” é usado com o sentido de replicar, tirando vingança de dada situação, usando a lei do Talião como forma de justificar o acto vingativo. Muitas vezes, o golpe de “vingança justa” nada mais faz do que desencadear uma reacção de violência em cadeia. Para referir como acabar com este ciclo, Jesus faz quatro comentários que indicam a conduta a ter: mostrar a outra face, desarmando a violência; ceder o que se tem a quem precisa; indicar o caminho e acompanhar incansavelmente; não se afastar de quem precisa de ajuda. Jesus vem renovar a lei do Talião, indicando aos discípulos o caminho das obras de misericórdia, que vão ser referidas adiante (Mt 25, 34-36).

6ª ANTÍTESE: Amor aos inimigos (Mt 5, 43-48)

Jesus corrige com o amor cristão a mentalidade de aversão aos pecadores. O amor universal é condição para o discípulo se tornar filho do Pai do Céu, amando os bons e os maus, justos e pecadores. A recompensa não é material, mas é a que vem da bondade gratuita de Deus, que não exclui ninguém do Seu amor. Jesus enuncia um mandamento espantoso: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. Amar os inimigos, é orar por eles, para que mudem, se essa for a intenção de Deus. Trata-se de “imitar” Deus, como o filho que procura imitar o pai, sendo perfeito como é perfeito o Pai celeste. Esta perfeição traduz-se por uma misericórdia infinita. A justiça nova do Reino ultrapassa de longe a lógica do “dar para receber em troca”: o amor dos discípulos deve ser um amor universal e perfeito, sem limites.


Um comentário:

  1. Na primeira parte do corpo do Sermão, Jesus apresenta-nos uma justiça nova, muito diferente da justiça a que estamos habituadas. Esta proposta radical, ainda hoje nos é estranha, talvez porque requer de nós uma entrega total ao próximo, sem fomentar ódios, com um coração livre de intenções e invejas que nos levam a magoar o outro ou que levam o outro também a magoar-nos, expondo-o ao pecado. Habitualmente restringidos pelas leis criadas por nós mesmos, a proposta de Cristo é uma proposta de libertar o coração do ódio, entregando-nos ao amor da misericórdia para com todos, bons e maus, justos e pecadores. Ao longo desta tese sobre a justiça, podem-se ler nas entrelinhas e compreender um pouco mais as bem-aventuranças que se referem aos mansos, aos puros de coração e aos misericordiosos, e porquê ao assumirmos essa conduta interior somos felizes. Porque se a nossa justiça for uma justiça de misericórdia e de entendimento perante as diferenças e as dificuldades, a felicidade fará parte da nossa da vida e de todos com que nos cruzamos e interagimos.

    Que Cristo ilumine o vosso interior com a luz do Espírito Santo!

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