13 de dez. de 2010

Mateus 1 - EVANGELHO DA INFÂNCIA

PRÓLOGO: O Mistério de Jesus (1ª parte)


Mateus 1 – Contexto global

O primeiro capítulo de Mateus apresenta o Mistério de Jesus, abordando duas questões fundamentais:
- Quem é Jesus?
- Como é que adquire a Sua identidade?
A genealogia de Mt 1, 1-17 tem, como principal preocupação, conferir a Jesus a Sua identidade (Quem é Jesus?). O anúncio feito a José em Mt 1, 18-24, explica como é que Jesus adquire esta identidade. Este capítulo inicial constitui o prólogo de um mistério muito maior: a génese de Jesus, como homem (filho de Abraão e filho de David) e como Deus-Filho, que se encontra ligada à Sua missão. A conclusão do Evangelho “Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos” (Mt 28, 20), mostra como o destino de Jesus cobre toda a história.


Mateus 1, 1-17: Genealogia de Jesus Cristo

Porquê uma genealogia? Mateus apresenta a origem do homem Jesus Cristo através da genealogia, mostrando que o Messias enraizava no povo eleito, encontrando-se n’Ele o sentido de toda a História de Israel: como Cristo, ou Messias de Israel, Jesus Cristo deve ser filho de David; como a fé deve ser transmitida a todas as nações, Jesus deve ser filho de Abraão – recordando a bênção universal de Deus concedida a toda a descendência de Abraão.

Estrutura. A genealogia reflecte um panorama da história de Israel na sua estrutura, apresentando uma divisão tripartida:
- era patriarcal (de Abraão a David);
- período da monarquia (de David até ao exílio na Babilónia);
- tempos pós-exílicos (até Jesus Cristo).
Numa catequese de relação entre Jesus e o percurso do povo de Israel no AT, a genealogia desenha a ideia de que a missão de Jesus deveria pôr termo ao exílio do Seu povo, sendo este um exílio espiritual, um afastamento de Deus e do Seu Reino. Pela ascendência, o Messias assume a história deste, na qual alternam figuras que representam o caminho de encontro do povo com Deus e os seus desvios:
- santos, como Josias (Sir 49, 1-3), ou Josafat (1 Rs 22, 41-51);
- cobardes, como Acaz (2 Rs 16, 1-4; Is 7);
- tiranos, como Manassés (2 Rs 21).

Diferenças com a genealogia de Lucas. As principais fontes de Mateus para a genealogia parecem seguir Rt 4, 18-22 e 1 Cr 1, 24; 2, 1-14. Lucas, em Lc 3, 23-28, apresenta uma genealogia maior e muito diferente, com 11 x 7 gerações, ligando Jesus a Adão, para acentuar a Sua ligação a toda a humanidade, e só apresentando esta após o baptismo. Ao começar pela genealogia, Mateus coloca Jesus no lugar de Adão, procurando referir-se a Jesus como origem da nova geração dos discípulos. As genealogias parecem ser, deste modo, um pouco artificiais, servindo como auxílio para a compreensão da missão de Jesus e enquadramento desta na história do Povo de Israel e da Igreja. Na realidade, os únicos pontos comuns entre as genealogias de Lucas e Mateus são: gerações de Abraão a David, os nomes de Zalatiel, Zorobabel e José. As razões pelas quais Mateus escolhe apresentar 14 x 3 gerações, além da referida divisão tripartida da história do povo, podem ter alguma relação com a numerologia associada ao nome de David: este nome era escrito com as letras DWD, cujos valores numéricos atribuídos eram “4”, “6” e “4”, que somados resultam no número catorze. 3x14 gerações representariam assim Jesus como perfeição de David.

Porquê incluir mulheres? Ao incluir mulheres na genealogia – Tamar, Raab, Rute e a mulher de Urias (Betsabé) – Mateus realça o dom da graça e da universalidade do evangelho, pois, além de três destas mulheres serem estrangeiras (Raab, Rute e Betsabé), estas têm um comportamento indevido: Raab é prostituta (Js 2, 1); Tamar faz o papel de prostituta (Gn 38, 14-15); Rute teve uma atitude atrevida para com Booz (Rt 3, 1-8); adultério de Betsabé (2 Sm 11-12). No entanto, estas mulheres tiveram este comportamento irregular segundo os desígnios de Deus, de modo a assegurar a linhagem que conduzirá ao nascimento do Messias. Estes ecos da tradição preparam o leitor para compreender a situação especial de Maria (Mt 1, 18).

O papel de José na genealogia. José descende da linhagem real de David. Da descendência de David, segundo a Sua promessa, Deus proporciona a Israel um Salvador que é Jesus. Mas a ausência do verbo gerar em Mt 1, 16 afirma o mistério do nascimento de Jesus, apesar da linhagem davídica: José é “esposo de Maria”, da qual nasceu Jesus, mas não gera o Salvador. Este mistério será mais esclarecido na passagem seguinte de Mateus (Mt 1, 18-25).


Mateus 1, 18-24: Anúncio do nascimento de Jesus

Esta passagem encerra a narração de como José, filho de David, acolhe o filho de Maria na sua linhagem. Mateus exprime a fé da Igreja na concepção virginal (citação de Is 7, 14; Mt 1, 25) mas afirma que Jesus Cristo era também filho de David, como era esperado do Messias. Vai fazer-se uma abordagem versículo a versículo.

18 - A concepção. Maria concebe pelo Espírito Santo, no entanto, este não é o elemento masculino da concepção; é o poder pelo qual Deus age como Criador. Para aparição do Messias, Deus contrapõe ao processo biológico ordinário, um acto original de criação, fazendo-se Homem.

19 – O repúdio. José e Maria eram esposos, mas este vínculo apresentava dois momentos: após os votos iniciais, a esposa permanecia com os pais até ao fim de um ano, sendo que, nessa altura, o esposo poderia repudiá-la. No caso de Maria, ao conceber antes de coabitarem, esta deveria ser apedrejada segundo a letra da Lei. No entanto, José decide repudiá-la em segredo, provavelmente por respeitar Maria e o mistério de que esta era portadora, ainda que não o compreendesse bem. Por isso, José é denominado de “homem justo” por Mateus.

20 – O Anjo do Senhor. Só Deus podia mudar o curso dos acontecimentos, visto que a José assistia todo o direito de se separar de Maria. Então, o Anjo do Senhor, isto é, Deus, na linguagem bíblica (Gn 16, 7-13; Ex 3, 2), apareceu-lhe em sonhos. O sonho é um dos meios de comunicação que Deus utiliza com aqueles que não beneficiam da inspiração profética. José não agiu, assim, por própria iniciativa, mas guiado por Deus.

21 – O nome de Jesus e a missão de José. Como noutras passagens bíblicas (Lc 1, 13), o anjo anuncia o nome do menino que vai nascer: “Jesus”, forma helenizada de Yeshua, que significa “Deus salva” (em hebreu, Yehoshua, que se traduz por Josué, significa “salvação de Deus”, embora semelhante, não tem o mesmo significado). Pelo nome, o Anjo revela ao mesmo tempo a missão do menino: ele salvará o povo dos pecados.
José tem a missão capital de conferir a filiação davídica pela imposição do nome. José não quer dar o seu nome, um nome meramente humano, ao Filho do milagre do Espírito Santo, mas Deus intervém, dizendo-lhe para o fazer. Maria dá, assim, a Jesus o seu ser de homem e José dá-lhe o seu ser social, através do seu nome.
Esta passagem faz rever em José o patriarca José do AT (Gn 37-50), homem justo, homem dos sonhos. Na genealogia de Mateus, José é filho de Jacob, ao contrário de Lucas, em que José é filho de Heli, provavelmente para recordar o patriarca, filho de Jacob. José é justo porque não assume uma paternidade pessoal, e porque confia só em Deus e obedece-lhe, aceitando um papel paternal.


22, 23 – Deus connosco. Mt 1, 23 é a primeira das diversas citações de cumprimento com que Mateus interpreta os acontecimentos importantes da vida de Jesus. A tradução da passagem de Isaías pode ser feita como “e eles invocarão o seu nome como o Emanuel”, que significa connosco-Deus”. Isto remete para o final do Evangelho e a todas as nações, quando Jesus declara: “Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos” (Mt 28, 20). Jesus foi chamado “Emanuel” pela comunidade cristã, daí a citação diferir do nome dado por José. Só depois de passar pela morte e pela ressurreição, Deus-Salvador, Jesus, poderá ser definitivamente Deus-connosco, o “Emanuel”.

24, 25 – A virgindade de Maria. Sobre a virgindade perpétua de Maria, abrem-se muitas questões. O texto de Mateus apenas sublinha que José não teve contacto carnal com Maria até Jesus nascer. Não confirma nem desmente a virgindade perpétua de Maria. Mc 6, 3 dá a lista dos irmãos de Jesus. Quererá isto dizer que Maria e José tiveram outros filhos para além de Jesus? Segundo São Jerónimo, a palavra “irmão” em hebreu, pode designar, não somente um irmão de sangue, mas também alguém com laços de parentesco. Então, os denominados “irmãos de Jesus” poderiam ser, na realidade, seus primos. Segundo o Evangelho de João, Jesus, na cruz, confia a Sua Mãe a João e não a seus irmãos, o que seria de admirar porque, se estes fossem irmãos de sangue, eram eles que deveriam cuidar de Sua Mãe. Assumir, assim, que os evangelhos apresentam provas de que Maria teve outros filhos, é precoce pois, na realidade, existem muitas questões em aberto. No entanto, podemos afirmar antes de tudo a radicalidade do dom de Deus concedido a esta jovem, pois que o filho de Maria é ao mesmo tempo o Filho de Deus.

Estrutura de Mt 1, 18-24. Esta passagem segue uma estrutura muito semelhante que Mateus usa para falar sobre o envio dos discípulos em missão. Comparando com o envio dos discípulos de Jesus a Betfagé em Mt 21, 1-7, verificam-se os seguintes passos: confia-se uma missão (1, 20-21 e 21, 1-3); a missão apoia-se num texto profético (1, 22-23 e 21, 4-5); a execução da missão (1, 24-25 e 21, 6-7). A introdução de uma citação profética contém fórmulas que Mateus emprega frequentemente de forma semelhante: “para que se cumprisse o que tinha sido dito pelo profeta” (Mt1, 22; 2, 15.17.23; 4, 14; 8, 17; 13, 35; 21, 4 e 27) e “Fizeram como Jesus lhes ordenara” (Mt 1, 24 e 21, 6).
Mt 1, 18-24 apresenta também uma estrutura semelhante às narrativas da Anunciação, que se apresenta no quadro seguinte:

Situação das personagens em causa
Apresenta uma dificuldade (esterilidade de Isabel, virgindade de Maria), que em Mt 1, 18, parece insuperável: a criança vem de Deus, mas põe em causa o casamento de José e de Maria.
Aparição do Anjo do Senhor



Perturbação

Que se segue à aparição, geralmente expressa pelas palavras: “Não tenhas receio” (Lc 1, 13 e 30). Em Mt 1, 20, como não há visão divina e, portanto, motivo de temor para José, a expressão tem a forma: “Não temas receber…”

Anúncio da vida, menção do nome ou da missão

Começando com a expressão técnica: “Eis…” (Lc 1, 20.31), que em Mt 1, 23, está no princípio da citação bíblica.

Uma pergunta

Suscita a dificuldade (Lc 1, 18.34). Em Mt 1, 20 é a intenção de José de abandonar a sua esposa, pondo em jogo a filiação davídica de Jesus.


O mensageiro dá um sinal

O sinal apoia e garante a anunciação (Lc 1, 19-20 e 35-36). A citação de Is 7, 14 refere o sinal dado por Deus a Acaz, da concepção e o parto do futuro rei: “Por isso, o mesmo Senhor vos dará um sinal: Eis que a Virgem concebeu e dá à luz um filho…”.
Execução do sinal e realização do mesmo.
 

3 comentários:

  1. Quando era lida a genealogia de Jesus na Eucaristia, eu confesso que não compreendia muito bem qual a sua verdadeira importância até fazer esta leitura. Era uma sucessão de nomes que parecia ter a finalidade de demonstrar que Jesus era o Messias prometido, pois descendia do rei David, como se esperava. Mas a genealogia parece-me agora muito mais do que a confirmação de uma profecia: na realidade, a genealogia mostrou-me como Jesus encerra em si toda a nossa História, a do povo de Israel e a nossa. Parece-me que Mateus nos quer mostrar a todos como vimos d’Ele: nós, Cristãos, somos de Cristo pelo Baptismo, Ele é a nossa origem, e a Sua existência cobre toda a nossa história. A José e Maria foi atribuída a primeira missão de construção do Reino, que será seguida pelos discípulos e depois, por nós: a de acolher Jesus. Eles acolheram Jesus, deram-lhe a Sua Humanidade, o seu ser social, pois era preciso que se fizesse como nós para conseguir unir-nos definitivamente ao Pai através de Si. Eles confiaram em Deus e nos seus desígnios; mesmos com algumas reservas, deixaram o Espírito Santo agir nas suas vidas e acolheram Jesus. Este é o primeiro exemplo que tiro de como eu posso ser cristã: primeiro, tenho de me libertar dos medos para acolher verdadeiramente Cristo, entregando-me com confiança à missão a que Ele me chama. Talvez agora ainda não saiba bem o que tenho de fazer mas, tal como o Anjo do Senhor apareceu em Maria e falou nos sonhos de José, certamente também o Senhor fala comigo e me diz o que quer que eu faça: só é preciso desenvolver uma atitude aberta de escuta. Este é o primeiro desafio pessoal que retiro deste capítulo para a vivência do Advento e do Natal.

    Um abraço em Cristo!

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  2. Olá a todos! Penso que agora já configurei o blog para poderem comentar livremente, sem precisar de revelar identidade. Beijinhos!

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