5 de abr. de 2012

III - VIAGENS POR TIRO, SÍDON E DECÁPOLE: Mc 8-10

Mc 8, 27-30: Confissão messiânica de Pedro

Com esta passagem, inicia-se uma nova secção, em que Jesus dedica-se mais à formação dos discípulos para a missão que teriam de desempenhar, bem como prepará-las para o que ia acontecer, através dos anúncios da Paixão.

v. 27: Cesareia de Filipe (actualmente, Banias) é um local onde acontecem dois eventos determinantes em relação a Pedro:
- onde Pedro faz a confissão messiânica;
- onde Jesus anuncia que fundará a Sua Igreja em Pedro.

v. 27- 29: Jesus faz uma dupla pergunta: o que diz a multidão sobre a Sua identidade - é o maior dos profetas; o que dizem os discípulos sobre si (personificados em Pedro) – é o Messias. Esta duplicidade de respostas de acordo com quem responde distingue claramente a multidão dos discípulos: a multidão reconhece em Jesus algo de especial (profeta), mas não compreende verdadeiramente a Sua identidade, pois ainda não aderiu à Sua Palavra, ainda não entregou completamente o Seu coração; os discípulos, que caminham com Jesus, que vivem com Jesus e escutam a Sua Palavra, começam a conhecer a verdadeira natureza de Jesus – o Messias.

v. 29: A palavra “Messias” vem do aramaico e significa “ungido”. A palavra equivalente em grego é “Cristo”.
Só a quem se entrega de coração a Cristo pode reconhecê-l’O como o Messias, e n’Ele ser salvo. Simão Pedro personifica todos a quem se põe a questão da identidade de Jesus e que procuram dar resposta: no fundo, Pedro representa cada um de nós no nosso caminho de Fé ao encontro de Jesus Cristo nas nossas vidas.

v. 30: Jesus insiste no segredo messiânico, pois só pela Paixão e Ressurreição este título poderá ser verdadeiramente revelado e compreendido.



Mc 8, 31-33: Primeiro anúncio da Paixão

O primeiro anúncio da Paixão marca o início dos ensinamentos e revelação que se referem à Paixão e Ressurreição. Por este anúncio, começa o debate central do livro: a correcta interpretação da missão de Jesus segundo as perspectivas de Deus.

São três anúncios no total e decorrem até à chegada a Jerusalém. São constituídos por três partes:
1) Anúncio;
2) Incompreensão dos discípulos;
3) Ensinamentos de Jesus:
- A missão de Jesus não é a de um Messias triunfante, mas a de um servo sofredor;
- O caminho de Jesus é o caminho que os discípulos devem seguir.
Vai-se verificando um crescendo na informação dada de anúncio para anúncio.

v. 31: O título “Filho do Homem” significa o Homem verdadeiro, o representante da humanidade, aquele por quem o julgamento dos homens se irá realizar.

v. 33: Pedro representa todos os discípulos nos seus momentos de fraqueza: estes devem procurar seguir Jesus pelo caminho que Deus lhes traça e não  seguir segundo a vontade dos homens.


Mc 8, 34- 9, 1: Condições para seguir Jesus

Primeiro ensinamento de Jesus, após o anuncio da Paixão.

v. 34: O caminho da cruz que Jesus anuncia é o caminho de quantos o aceitam. É um caminho de descoberta do que é ser discípulo. É para todos, por isso, é anunciado publicamente à multidão.

v. 35: Paradoxo - a única maneira de salvar a própria vida é perdendo-a, por Cristo, pelo Evangelho. Cristo traz a salvação, pela Sua morte e Ressurreição. Para nascermos nesta nova vida, precisamos morrer na nossa existência anterior, renunciar ao que éramos e tornarmo-nos novos seres em Cristo.

v. 38-39: A referência à vinda do Filho do Homem ou “parusia” é um estímulo à esperança e, sobretudo, uma exortação à vigilância. “Não experimentarão a morte” poderá ser uma referência à ressurreição.
Acreditar em Cristo é reconhecer n’Ele o Filho de Deus na Sua Paixão, Morte e Ressurreição. Esta fé exige seguir os seus passos, agir, comportar-se, dar-se como Ele se deu, para nos salvar.


Mc 9, 2-10: Transfiguração de Jesus

Existem três quadros ao longo do Evangelho em que Pedro, Tiago e João são testemunhas:
- Ressurreição da filha de Jairo – poder de Jesus sobre a morte;
- Transfiguração de Jesus – glória da Ressurreição antecipada;
- Agonia no Getsemani – modo segundo o qual Jesus caminha para a glória.
A Transfiguração é a manifestação antecipada da glória do Filho do Homem.

v. 2: O monte  mencionado seria provavelmente o Monte Tabor ou o Hermon. O monte é um lugar elevado, lugar privilegiado para o encontro com Deus.

v. 3: As vestes brancas são um sinal da glória celeste do Filho do Homem.

v. 4: Elias e Moisés surgem em estreita relação com Jesus: Jesus assume e aperfeiçoa a missão profética de Elias; Jesus assume e aperfeiçoa a missão legislativa de Moisés.

v. 5-6: A visão dos discípulos é assombrosa e entram em êxtase: é um “medo” sagrado que o homem sente quando presencia o divino. Pedro mostra este êxtase (“não sabia o que dizia”). As tendas podem ser uma alusão à festa dos Tabernáculos, uma festa de esperança, sinal da vinda do Reino.

v. 7: Dá-se uma teofania, como no Baptismo, mas agora, a voz dirige-se aos discípulos, revelando Jesus como verdadeiro Deus: “Escutai-O”.

v. 8: A visão é efémera e provisória, pois o caminho da cruz tem de ser feito, pelo que ainda não chegou a hora de tudo se concretizar.

v. 10: Ao discutirem a Ressurreição, nota-se que os Apóstolos não compreendem o que pode significar, algo que só fará sentido quando Jesus concretizar em pleno a Sua missão de servo sofredor e ressuscitar.

A Transfiguração não é apenas uma revelação de Jesus como divino, mas sobretudo, serve para mostrar que não se chega à glória a não ser pelo dom da própria vida.



Mc 9, 11-13: A vinda de Elias

Segundo as profecias, o profeta Elias viria para preparar a vinda do Messias. João Baptista é Elias que regressa para preparar o caminho e passa por uma missão de sofrimento, dando a Sua vida: a chegada do Reino de Deus deve ser esperada no seguimento da cruz.


Mc 9, 14-29: O jovem epilético

v. 18: Os sintomas descritos são concordantes com epilepsia. As doenças de natureza mental ou neurológica assumiam-se como provocadas por possessão de espíritos malignos na Antiguidade.

v. 19: A geração incrédula consiste nos discípulos – que não conseguiram expulsar o espírito maligno do jovem – e na multidão, que não acredita na força da fé que conduz à salvação.

v. 23-24: Tudo é possível a Deus em favor daquele que crê. O pai do jovem, ao abrir-se inteiramente à fé em Cristo, permite abrir o caminho para a salvação do seu filho.

v. 28-29: A força da oração é essencial a todo o discípulo, pois este tem necessidade de estar em sintonia perfeita com Deus para conseguir libertar do mal quem vai ajudar.


Mc 9, 30-32: Segundo anúncio da Paixão

v. 30: O segredo da viagem para a multidão servia para Jesus ter o tempo e as condições necessárias para preparar os discípulos para o que se ia passar quando chegasse a Jerusalém.

v. 32: O facto de os discípulos não entenderem o que Jesus queria dizer mostrava que ainda não compreendiam verdadeiramente a missão do Messias. Esta compreensão só virá após a morte e ressurreição de Cristo.


Mc 9, 33-37: O maior no Reino

Ensinamento que se segue ao segundo anúncio da Paixão.

v. 33-34: O desejo de ser o maior para os discípulos demonstrava que esperavam um Messias temporal, um Rei terreno, pelo que estavam à procura de protagonismo no novo reino terreno que julgavam que iam surgir.

v. 35: Aos Doze em especial, Jesus revela que, para se ser o maior no Reino de Deus, deve se “ser o último e servo” em palavras e gestos: servir com dedicação e humildade a todos os que precisam.

v. 36-37: Jesus dá um exemplo ambíguo: a criança, pela sua dependência, disponibilidade (pequenino) e fragilidade representa os discípulos, que devem ser acolhidos para que o próprio Jesus seja acolhido na vida de quem os recebe; por outro lado, a criança representa os desprotegidos, os pobres e os marginalizados, que devem ser aqueles que o discípulo deve receber e assistir. A relação é um pouco complexa, pois Jesus é quem acolhe, mas também se faz acolhido por intermédio destes “pequeninos”, mostrando a grandeza eminente do mais pequeno no Reino de Deus.


Mc 9, 38-41: Quem não é contra nós é por nós

Quem age por Cristo, ainda que não siga a Igreja fundada, é também de Cristo, fará parte do Reino de Deus, pois também está a contribuir para a sua construção.

v. 38: O homem que age em nome de Jesus sem ser Seu discípulo mostra a acção de Cristo fora das fronteiras visíveis da Igreja.

v. 39: A acção feita em nome de Jesus e a palavra acerca de Jesus podem existir fora do grupo dos discípulos de Jesus, e esta será verdadeira se incidir na fé em Cristo.

v. 40: A reacção de João é de deter o monopólio do poder de Cristo. Jesus responde ensinando-lhes que, se a obra vem de Deus, é verdadeira e não se pode impedir. O Reino de Deus é muito maior e a função dos discípulos é a de servir o Reino e não procurar deter poder para si.

v. 41: O copo de água pode fazer alusão a um gesto de piedade para com um cristão desprezado e maltratado, podendo aludir às perseguições vividas pelos primeiros cristãos.

Os Doze são postos em cena nestes ensinamentos por um motivo muito especial. São aqueles que Jesus escolheu para viver com Ele e colaborar na Sua obra, sobre os quais a primeira comunidade crista se estruturou. Devido à autoridade que irão ter, Jesus insiste em lembrar da sua condição de servos de todos no Reino de Deus.


Mc 9, 42-50: O escândalo

 “Escandalizar os pequeninos” refere-se aos próprios discípulos. Entre os crentes, há alguns que não são tidos em conta e escandalizar um deles é muito grave aos olhos de Deus, de tal forma que quem o faz, seria preferível perder uma mão, um pé, um olho… Estes “pequeninos” também podem ser os que são tentados a abandonar a Igreja porque esta não se reforma, ou aqueles que querem fazer parte da Igreja e não conseguem porque o nosso comportamento mantém-nos de parte e exclui-os.

v. 42-48: O gesto de cortar e arrancar significa evitar e suprimir tudo o que possa ser ocasião de pecado. A Geena era um vale situado a sudoeste de Jerusalém, onde se queimava o lixo – este tornou-se uma imagem associada ao inferno.

v. 49: “Todos serão salgados com fogo”: o discípulo tem de passar pela provação para se tornar agradável a Deus e útil aos irmãos.

v. 50: O sal é um tempero, sem ele a comida não tem sabor. Da mesma maneira, se tivermos sal, ou seja, consistência na nossa fé, não haverá ocasião para escândalo e assim viveremos em paz uns com os outros.


Mc 10, 1-12: Jesus e o divórcio

v. 4-5: A dispensa matrimonial concedida por Moisés devido à dureza dos corações rabínicos não se pode sobrepor às origens. Foi uma solução provisória em face de um problema da época.

v. 7-9: Deus fez o homem e a mulher para se unirem e serem um só de forma que nada os deverá separar, pois foram unidos por Deus. “uma só carne” significa tornados num só SER.

v. 12: Mc terá como alvo leitores de uma comunidade em que a mulher também pode divorciar-se, daí a menção de divórcio assumido por uma mulher.


Mc 10, 13-16: Jesus e os pequeninos

Só com a humildade e a simplicidade de uma criança, que tudo acolhe sem questionar, é que podemos acolher Jesus: sem medo, de coração aberto, despertos e entusiasmados com a novidade da Sua Palavra, recebendo com alegria o Reino de Deus.


Mc 10, 17-22: O homem rico

Cumprir os mandamentos faz parte do caminho, mas não chega para alcançar a vida eterna, o Reino de Deus. É preciso deixar tudo o que nos prende e nos impede de acolher Deus e o Seu Amor no nosso coração.
Este episódio serve para uma instrução específica dada aos discípulos, divida em duas partes: o perigo das riquezas e a recompensa do desprendimento.


Mc 10, 23-27: Perigo das riquezas

As riquezas, vistas como uma bênção no AT, podem trazer perigos ao afastar o coração do homem do mais importante – o Amor a Deus e ao próximo. Para receber o Reino de Deus, temos de abdicar da nossa vida para ganhar a plenitude com Deus, ganhar a nossa alma.

v. 26-27: A salvação parece impossível de atingir. Na realidade, não podemos entrar no Reino de Deus pelos nossos próprios meios, só Deus nos pode fazer entrar. A única coisa que podemos fazer é acolher o dom que o Pai nos dá como uma criança, desfazermo-nos de tudo o que tínhamos e éramos, para nascermos de novo no Reino que Deus escolheu para nós.


Mc 10, 28-31: Recompensa do desprendimento

Esta passagem é a conclusão das duas anteriores. Jesus e o Seu Reino são o valor absoluto – tudo o resto, bens, terrenos e família, vêm em segundo plano. O missionário, o discípulo deve entregar toda a sua vida a Deus para não haver obstáculos à Sua missão.

v. 30: Mc poderá referir-se à experiência da Igreja primitiva, onde havia tribulações e perseguições, mas também o ganho de uma família muito maior, que se reflecte nos laços de afeição e de ajuda que existiam entre os cristãos (“receberá cem vezes mais”), e a vida eterna futura.

v. 31: Os primeiros, segundo os critérios na Terra, são as pessoas com poder e visibilidade. Estes poderão ser os últimos segundo os critérios do Evangelho, pois no Reino de Deus, os bens terrenos não têm qualquer valor, apenas os bens espirituais.


Mc 10, 32-34: Terceiro anúncio da Paixão

“Subindo para Jerusalém”: a ida à Cidade Santa para adorar, sacrificar e celebrar o Senhor no Templo, era um acontecimento importante na vida de todos os judeus.
Pela terceira vez, Jesus anuncia que será um Messias sofredor mas, pela petição feita pelos filhos de Zebedeu, compreende-se que os Apóstolos ainda não compreendem o que Ele quis dizer.


Mc 10, 35-45: Poder e serviço

Ensinamento que se segue ao terceiro e último anúncio da Paixão.

v. 38: “beber o cálice”, simboliza o sofrimento por que Jesus irá passar; “receber o baptismo” – assim como o baptizando é imerso nas águas, assim Cristo será submerso num mar de sofrimentos.

v. 40: Jesus apresenta-se como o servo do Senhor, não podendo tomar as decisões de Deus, mas unicamente fazer a Sua vontade. Não pode, assim, atender ao pedido de Tiago e João, pois a vontade de Jesus não se sobrepõe à vontade do Pai.

v. 43-45: Quem quiser ser o maior, faça-se servo de todos. O melhor governante é aquele que serve e que procura o melhor para o seu povo, abdicando dos seus interesses pessoais. Por isso, no Reino de Deus, onde o Amor é o valor máximo, o maior é o que mais ama, é o que mais serve.

Este serviço não é sinónimo de se apagar diante dos outros. É servir verdadeiramente a Deus através de uma acção visível mas humilde. Cristo foi um homem público e o Seu exemplo foi testemunhado por muitos. Também nós devemos exercer de forma visível, mas sempre humildemente o nosso serviço, servindo como exemplo para todos.


Mc 10, 46-52: Cura do cego de Jericó

Este é o último milagre relatado por Mc. O cego chama-se Bartimeu: este quer ver e, para isso, chama Jesus com insistência. A cura de Bartimeu não requer qualquer gesto, ao contrário dos outros milagres, porque basta a fé para ser salvo. Após conseguir ver, o cego segue Jesus para Jerusalém. O milagre não vem apenas de Jesus, mas sobretudo da fé de Bartimeu: sem esta, ver não era possível.

Bartimeu é o exemplo do verdadeiro discípulo: é incapaz de seguir Jesus por si próprio - lembrar a incompreensão dos discípulos face aos anúncios da Paixão). Mas Jesus cura e ilumina os seus discípulos, tornando-os capazes de O seguirem.

A cura do cego como último milagre marca uma viragem na narrativa de Mc. Bartimeu refere-se a Jesus como “Filho de David”, que poderá ser um prenúncio da revelação de Jesus como o Messias através da Paixão, morte e Ressurreição.

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