3 de abr. de 2012

II. Ministério na Galileia e III. Viagens por Tiro, Sídon e Decápole (Mc 6-8)

Mc 6, 1-6: Jesus em Nazaré

v. 3: Os habitantes de Nazaré vêem Jesus apenas como um carpinteiro, profissão que herdou de José, como seu filho adoptivo. A designação que lhe atribuem de “filho de Maria”, pode ter a intenção em Mc de revelar a calúnia das pessoas por causa da situação de José, pois, habitualmente um filho era sempre chamado pelo nome do pai, não pelo da mãe. No entanto, “filho de Maria” também alude à conceição virginal: Jesus é filho da Virgem; é “o filho”, pois é filho único – na Antiguidade, designavam-se por irmãos e irmãs, todos os parentes próximos (e.g. primos e primas), por isso, a referência aos seus irmãos e irmãs pode ser na realidade, a outros membros da família de Jesus.

vv. 4-5: Jesus não fez milagres na terra onde cresceu, porque um milagre não faz sentido fora do contexto da fé. Não aceitar Jesus como Filho Unigénito de Deus afasta-nos do seu projecto de Salvação: só a fé em Cristo nos abre o caminho à salvação porque abre-nos o coração à Sua mensagem.

A verdadeira família de Jesus são que têm fé e acreditam n’Ele: os Seus irmãos são todos os cristãos que seguem a Sua Palavra e que proclamam que Jesus Cristo é o Filho de Deus.

Mc 6, 6b-13: Missão dos Doze

Esta passagem tem correspondência com o chamamento em 3, 14-15: “para os enviar a pregar”: apresenta a segunda parte do programa missionário.

 v. 7: “envia dois a dois” – duas testemunhas dão maior credibilidade no anúncio do Evangelho, e podem apoiar-se mutuamente: enquanto um fala, o outro reza pedindo a força do Espírito Santo e a abertura de quem escuta.

v. 8: “nem pão, nem alforge” – exigência de agilidade e de desprendimento, consequência de seguir Jesus e de consagrar em pleno a sua vida ao anúncio do Evangelho.

v. 11: “se não fordes bem recebidos” – a missão cumprir-se-á com dificuldade, o que alude às dificuldades missionárias da comunidade de Mc na igreja cristã primitiva em anunciar a Palavra.

v. 12: “pregaram e curaram” – são os dois aspectos da pregação do Evangelho: a proclamação da mensagem e os sinais da salvação testemunham a Boa-Nova: o Evangelho é um poder de acção contra o mal. A unção com óleo simboliza o poder miraculoso de Jesus e da consagração a Deus no AT, prefigurando o sacramento cristão da Unção dos doentes.


Mc 6, 14-16: Herodes e Jesus

Mc 6, 17-29: Execução de João Baptista

Discute-se a identidade de Jesus através de Herodes. A questão de quem é Jesus será resolvida por Pedro na Confissão Messiânica (8,29). A opinião dos homens acerca de Jesus estabelece um paralelismo entre João Baptista e Jesus, introduzindo subtilmente o anúncio da Paixão.

Mc coloca o assassínio de João Baptista nesta parte por uma identidade de atmosfera: a missão evangelizadora vai ser vivida na perseguição e não tem sucesso assegurado.


Mc 6, 30-33: Regresso dos Apóstolos

Jesus e os Apóstolos procuram recolhimento após regressarem da missão, mas não é possível escapar da multidão, pois é necessário cuidar desta. Esta passagem é a única vez em que o Evangelho se refere aos discípulos como Apóstolos. Esta palavra significa “enviados”, atribuindo-lhes o título que lhes confere a sua missão, que irão desempenhar ao longo das suas vidas.

Seguem-se duas séries de cinco episódios que vão ter uma relação estreita com a acção de Cristo, primeiro na Galileia, depois em Tiro, Sídon e na Decápole: 

Primeira multiplicação dos pães
(6, 30-44)
Segunda multiplicação dos pães
(8, 1-9)
Jesus caminha sobre o lago
(6, 45-52)
Travessia do lago
(8, 10)
Genesaré - diálogo com fariseus
(6, 53 – 7, 23)
Dalmanuthá - altercação com fariseus
(8, 10, 12)
Tiro e Sídon – a siro-fenícia
(7, 24-30)
Ida para a outra margem, discussão sobre o pão entre Jesus e os discípulos (8, 13-21)
Jesus cura um surdo-gago
(7, 31-37)
Cura do cego em Betsaida
(8, 22-26)

Mc 6, 34-44: Jesus alimenta cinco mil pessoas

Jesus é o Bom Pastor: Ele alimenta as Suas ovelhas, pede aos Apóstolos para renunciarem ao seu descanso, pois devem anunciar a Boa-Nova a todos os que os procuram, dá-nos o verdadeiro alimento e oferece-se na Palavra e no Pão partilhado.

Este “banquete” de Jesus com o povo opõem-se ao relato anterior do banquete macabro de Herodes com os “grandes”: Herodes dá a morte a João Baptista, Jesus dá a vida à multidão.

v. 34: Jesus tem piedade da multidão porque estão desorganizados (“sem Pastor”). Jesus é Aquele que ensina, o Missionário ao serviço da Palavra: proclama e ensina.

v. 37-39: Os Apóstolos não têm os meios, embora vejam o que há a fazer (“manda-os (…) comprar de comer”). Jesus manda-os acomodar as pessoas e dá-lhes os meios. Este é o retrato do Apóstolo e dos missionários: devem prosseguir a sua obra e ocupar-se da multidão; o repouso fica para mais tarde…

v. 34, v. 41: Esta passagem apresenta os elementos estruturais da Eucaristia - Liturgia da Palavra e Liturgia Eucarística:

- “começou a ensinar”;

- “tomou os pães”;

- “pronunciou a bênção”;

- “partiu os pães e dava-os”.

vv. 39, 42-44: Organização do povo em grupos - os discípulos organizam o povo e recolhem as sobras. O alimento espiritual é inesgotável e é para todos Os doze cestos aludem ao ministério apostólico – doze Apóstolos, encarregados de colocar à disposição o alimento do Senhor a todos quantos o procurarem.

O texto apresenta duas linhas principais:

- O ensino acerca do ministério apostólico - Jesus forma os discípulos para a Sua missão;

- O ensino acerca do próprio Jesus – Pastor do novo povo, com a missão de reunir, instruir e alimentar.

Jesus é o Pastor do seu povo, novo Moisés e novo David. Cuida do povo e alimenta-o, reúne-o em torno da Palavra e do Pão. A partir destes elementos o povo identifica Jesus como o Filho de Deus, o Messias esperado.


Mc 6, 45-52: Jesus caminha sobre as águas

Esta passagem apresenta algumas semelhanças à passagem da tempestade acalmada. Jesus retira-se, provavelmente, para fugir à multidão que, segundo Jo 6, 15, queria fazê-lo rei.

v. 52: “coração endurecido” dos discípulos – pode reflectir as perseguições e outras dificuldades da comunidade cristã primitiva.

Jesus realiza os milagres em apoio da credibilidade da Sua Palavra, e não, como manifestação da Sua divindade (Jesus nunca se apresenta como Deus, mas sempre como Filho de Deus). Os milagres servem para alimentar a nossa fé, não para a fundamentar, e fazem-nos compreender o que Jesus quer realizar no coração dos crentes – uma adesão pessoal e sem medo, pois não temos nada a temer quando Jesus está connosco. Ele protege-nos de todo o mal, só precisamos de nos mantermos firmes na fé.



Mc 6, 53-56: Curas em Genesaré

Genesaré fica ao lado do lago da Galileia. Esta passagem é um resumo da acção de evangelização nesta região. As curas mencionadas aludem ao dinamismo do Reino realizado em Jesus Cristo. Esta terra irá ser posta em paralelo com terras do outro lado do lago (Tiro, Sídon e Decápole) após a segunda multiplicação dos pães.

Mc 7, 1-23: Jesus e as tradições judaicas

Esta polémica precede a digressão que Jesus vai fazer em terras pagãs, servindo como esclarecimento da maneira de viver judaica e introduzindo o problema pastoral de inserção dos pagãos na comunidade cristã.

Deus deu-nos os Mandamentos para vivermos com sabedoria e inteligência, não para esmagar o homem com regras. Os rabinos foram acrescentando regras e regras, mas a Lei do Senhor é perfeita, não precisa de correcções. A Lei deve ser, antes de tudo, cumprida com responsabilidade, tendo em conta as exigências do tempo, do lugar e das pessoas.

A Lei de Deus e a Sua Palavra devem ser inscritas no coração do homem. É o ser humano que origina a sua impureza, de acordo como sente e vive (o coração é o centro da pureza cristã). O critério último da observância da Lei é o amor eficaz ao próximo. As tradições e práticas são importantes desde que não se tornem um obstáculo ao amor a Deus e ao próximo.

A religião que Jesus ensina é a religião do coração.



III - VIAGENS POR TIRO, SÍDON E DECÁPOLE

Mc 7, 24-30: A mulher siro-fenícia

Jesus veio primeiramente ao povo de Israel, mas a fé da mulher pagã demonstra que a salvação chega para todos os que acolhem Jesus e crêem n’Ele, independentemente da Sua origem. Assim, o “pão” que está, primeiramente, reservado a Israel, será um dia repartido por todos.


Mc 7, 31-37: Cura de um surdo-mudo

A cura do surdo-mudo em território pagão mais uma vez mostra uma humanidade nova inaugurada por Jesus em que todos podem ser membros.

Esta cura apresenta uma perspectiva litúrgica e sacramental ligada com o Baptismo cristão. Manteve-se a palavra “Effathá” no ritual: significa que, curado da surdez e da mudez espiritual, o baptizado pode ouvir a Palavra de Deus e entra na comunidade dos irmãos, onde não há distinções - todos são herdeiros do Reino prometido por Deus àqueles que O amam.

v. 33-34: Jesus tem os gestos de um taumaturgo:

- Jesus leva o doente “para longe da multidão” – vai dar-se um acontecimento transcendente;

- Uso da saliva e do toque – meio de cura nos milagres;

- Jesus “ergueu os olhos ao céu” – é o poder divino que vai realizar o milagre;

- Jesus “suspira” – apelo a Deus, com a consciência de que é uma tarefa difícil (e.g. são precisas duas insistências para que o cego veja, algo que também acontece na cura do cego de Betsaida, em 8, 22-26).


Mc 8, 1-10: Jesus alimenta quatro mil pessoas

Segunda narração da multiplicação dos pães, muito semelhante à primeira, apresentando algumas diferenças:

- Jesus refere-se às duas multiplicações como episódios diferentes em 8, 19-20;

- Jesus também beneficia os pagãos: a Palavra deve ser para todos, o que é uma orientação missionária essencial em Mc;

- Jesus compadece-se porque a multidão não tem de comer (v. 2);

- A actividade dos discípulos é menos sublinhada, mas continuam como intermediários entre Jesus e a multidão (v.6);

- Na primeira multiplicação, Jesus “pronunciou a bênção” (do grego “eulogein”), o que está relacionado com o rito judaico, mas na segunda multiplicação “deu graças” (do grego “eucharistein”), o que está relacionado com a comunidade não-judaica da igreja primitiva (v.6-7).

v. 4-6: Aspecto formativo dos Apóstolos: têm à disposição tudo o que é necessário para alimentar a multidão; devem ir para junto dos pagãos, têm uma missão universal.

v. 8: Os sete pães e os sete cestos podem ser uma possível alusão aos Sete, um grupo à volta do qual se organizava a comunidade de cristãos helenistas de Jerusalém, o que pode estar relacionado com uma origem greco-cristã desta passagem de Mc.

Mc 8, 11-13: Os fariseus pedem um sinal

Era legítimo exigir um sinal que credenciasse o enviado na missão, mas Jesus provou a sua missão com sinais anunciados no AT. A exigência dos requerentes denunciava cegueira voluntária e má vontade perante toda a acção de Jesus Cristo.

Mc 8, 14-21: O fermento dos fariseus e de Herodes

v. 14-16: O fermento tem a função habitual de transformar ou alterar as propriedades da farinha. Quando Jesus se refere ao fermento dos fariseus, fala da corrupção destes e da maneira como distorciam e interpretavam a Lei erradamente.

v. 19-21: A multiplicação dos pães mostra-nos que só a Palavra de Deus é verdadeiro alimento para a nossa vida e esta sacia-nos plenamente. A menção a dois milagres distintos realça a falta de inteligência dos discípulos perante a evidência destes acontecimentos. Jesus procura abrir o coração dos seus discípulos à autenticidade da missão, que é dirigida a todos.

Mc 8, 22-26: Cura do cego de Betsaida

A cura da cegueira dá-se em dois tempos, o que está interligado com o crescimento da Fé e reconhecimento da identidade de Cristo e da Sua missão ao longo do Evangelho: 


1) Crescimento na Fé
2) Progresso na Revelação
Cego de Betsaida
Imagens distorcidas (“homens como árvores”).
Imagem nítida da realidade.
Testemunhas da acção de Cristo
Confissão de Pedro.
Confissão do centurião.
Reconhecimento de Jesus e da Sua missão
Jesus como Mestre.
Jesus como Servo sofredor na Sua morte e Ressurreição.

A manifestação messiânica dá-se através de sinais: milagres, mas Jesus insiste no segredo messiânico – o Reino de Deus está próximo, mas a compreensão plena de que Jesus é o Messias só virá mediante a crucificação.

Estas curas simbolizam a cura espiritual dos discípulos:

- Surdo – abertura à escuta da Palavra;

- Cego – reconhecimento de Jesus como o Messias.

Após a cura espiritual, os discípulos reconhecem Jesus, o que se realiza na confissão messiânica de Pedro.


Nenhum comentário:

Postar um comentário