6 de abr. de 2012

IV. MINISTÉRIO EM JERUSALÉM: Mc 11-13

Até este ponto do Evangelho, Mc mostra Jesus ensinando os Seus discípulos sobre a Sua pessoa, obra e missão. Segue-se a realização desta missão em dois tempos: o confronto com Jerusalém (11-13) e a paixão, morte e ressurreição (14-16).

O confronto com Jerusalém está organizado no tempo e no espaço em três dias ou jornadas, em que as duas primeiras têm a ver com a chegada e a entrada na cidade e no Templo, e o terceiro dia consiste em ensinamentos que colidem com o judaísmo:

- 1ª jornada: entrada em Jerusalém;

- 2ª jornada: maldição da figueira, expulsão dos vendedores do Templo; explicação da maldição da figueira;

- 3ª jornada: ensinamentos polémicos (Mc 12).

Mc 11, 1-11: Entrada messiânica em Jerusalém

Segundo os Evangelhos sinópticos, é a única entrada em Jerusalém de Jesus. Jesus entra como os reis do AT, montado num jumento, e é aclamado como o Salvador e como Messias-Rei. Esta entrada vai marca a ruptura com o judaísmo, que situava a centralização do poder em Jerusalém: o Messias-Rei vem para tomar posse do templo, local da teocracia de Israel.

v. 3: Jesus refere-se a si mesmo como “Senhor”, termo que só é usado em Mc. Esta designação está normalmente reservada a Deus ou ao Messias-Rei - os cristãos designam assim Jesus ressuscitado.

v. 7-8: Ao entrar como os reis do AT, Jesus manifesta-se como o Rei messiânico que vem trazer a salvação e a paz a Jerusalém.

v. 9: A palavra “Hossana” significa “vem em auxílio” e/ou “por favor, concede a salvação” - Jesus, o Salvador, vai realizar a salvação do seu povo.

v. 11: Após entrar em Jerusalém, Jesus retira-se para Betânia, a 4 km de Jerusalém, junto da família de Lázaro, Marta e Maria. Em Mc, ao contrário dos outros Evangelhos, Jesus apenas observa a cidade, não expulsando logo os vendedores, mas apenas quando regressa, mais adiante. Isto demonstra que Jesus teria estudado este acto e que não seria um impulso do momento.


Mc 11, 12-14: A figueira estéril

À figueira estéril pode atribuir-se o sentido figurativo da improdutividade da casa de Israel – o Templo - no que diz respeito à salvação: Jesus condena um culto vazio de boas obras, e por isso, a figueira não dá frutos, pois o culto não tem raízes assentes numa fé legítima e verdadeira em Deus.

Mc 11, 15-19: Purificação do templo

Este episódio está enquadrado pelos dois episódios da maldição da figueira por uma razão muito específica. A intenção de Mc seria mostrar a incapacidade do culto judaico de reconhecer o Messias e de dar frutos dignos do Reino de Deus que Jesus vem instaurar, pelo que o Templo, seu símbolo máximo, não perduraria por muito mais tempo, algo que depois é afirmado no discurso escatológico.

v. 17: “Covil de ladrões”, refere-se, sobretudo a todos os que se refugiam no Templo, vivendo um culto enganador, que daria uma falsa segurança. O profeta Jeremias (Jr 7, 11) já se referia aos judeus que dissimulavam no Templo a sua conduta pouco própria, escondendo-se atrás de rituais no Templo.

Jesus vem tomar posse do Templo com autoridade e renová-lo, para acolher todos os povos. Os vendedores costumavam instalar-se no Pátio dos Gentios, onde era permitido o acesso a todos os não-judeus. Ao purificar esta zona do Templo, Jesus mostra-nos que Deus vem para todos e não apenas para os judeus, por isso, até o Pátio dos Gentios é um espaço sagrado, que deve ser respeitado e não ser local de venda.

A expressão “para todos os povos” é específica de Mc e demonstra a sua insistência na abertura do Templo para todos, procurando quebrar as fronteiras impostas pelo judaísmo.

Ao expulsar todas as actividades profanas e restaurar a pureza do espaço, Jesus espera que, deste modo, a terra inteira seja consagrada a Deus como seu Templo.

v. 18: Apresenta a oposição, já presente anteriormente, entre o povo, que fica maravilhado com os ensinamentos, e os sacerdotes e doutores da Lei, que procuram matar Jesus.

Mc 11, 20-26: A figueira seca. Fé e oração.

Na realidade, não é a figueira que está em jogo, mas o Templo. Como este não corresponde ao que Deus esperaria, será incapaz de dar os frutos que deveria, pelo que não perdurará (13,2).

O exemplo da figueira serve para afirmar a importância de uma fé orante. Quem recebe a Palavra e crê, não tem de ter medo, nenhum mal lhe acontecerá, pelo que é importante rezar a Deus para manter a fé. Mas é  também preciso ter o coração pronto para receber, sem rancores e ódio, pelo que é fundamental o perdão ao próximo. Como nos pode perdoar o Pai se não perdoamos quem nos ofende?



Mc 11, 27-33: Autoridade de Jesus

Para reconhecer a autoridade de Jesus, é preciso fé e humildade, que os sacerdotes e os doutores do Templo não tinham, apenas possuíam preocupações políticas. Para Jesus lhes dar uma resposta, precisavam reconhecer a Sua autoridade, algo a que não estavam abertos devido à sua agenda política e ao seu orgulho, o que não os abria à Sua Palavra. Não valeria a pena dar-lhes uma resposta, pois nunca a compreenderiam ou aceitariam.


Mc 12, 1-12: Parábola dos vinhateiros homicidas

A história da vinha representa a história do amor e fidelidade de Deus para com o Seu povo, que a estes envia mensageiros, os profetas e, por último o seu Filho amado.

v. 1: O dono é Deus e a vinha é o povo de Israel. Os vinhateiros são os fariseus, sumos-sacerdotes, escribas, anciaos e os doutores da lei, responsáveis pelo legado espiritual do povo e pelo cumprimento da Lei do Senhor.

v. 2-5: Os servos representam os profetas enviados por Deus, que raramente eram ouvidos, sendo maltratados e até mortos ao longo da história de Israel.

v. 6-9: O filho do dono da vinha é Jesus. Deus conduz o Seu próprio Filho ao povo, mas aqueles que estão desejosos de poder, vêem n’Ele uma ameaça e matam-no.

v. 10-11: Jesus pretende apelar à conversão através desta parábola, procurando que cada um reconhecesse o seu papel na parábola e se arrependesse. A pedra angular é, na arquitectura a pedra de fecho da estrutura de um templo. O Messias, pedra angular, é fundamento e remate do Reino de Deus.

Mc começa a levantar o véu sobre o segredo messiânico. Jesus é o Filho de Deus que os responsáveis de Israel vão matar, mas que Deus glorificará na Ressurreição.


Mc 12, 13-17: Tributo a César

Jesus ensina nesta passagem a importância de respeitar e separar a política da soberania absoluta de Deus. Os impostos são assuntos relacionados com política e gestão de governo, sobre estes Jesus não se preocupa, pois para Ele o fundamental são as questões da Fé e o Amor de Deus.


Mc 12, 18-27: A ressurreição dos mortos

Os saduceus recordam a Lei do Levirato, referente a viuvez e descendência.

Ao afirmar que Deus é dos vivos e não dos mortos, após mencionar os três patriarcas – Abraão, Isaac e Jacob – Jesus fala de uma vida nova, a ressurreição. Na vida nova da ressurreição, seremos todos como anjos no céu, as leis e os laços terrenos de nada servirão.

Mc 12, 28-34: O mandamento do amor

A pergunta tinha razão de ser, face à grande quantidade de leis e preceitos existentes na altura. Jesus responde citando o “Chemá Israel” (“Escuta, Israel”) – oração privilegiada do devocionário judaico, que iniciava a liturgia da sinagoga, recitado três vezes por dia pelos judeus, virados para Jerusalém.

O amor a Deus e ao próximo está acima de qualquer ritual e é insubstituível.

Mc 12, 35-37: O Messias, Filho e Senhor de David

A expressão “filho de David” significa que Jesus nasceria na casa de David, neste caso, tendo José, um descendente de David, como pai adoptivo. Mas se David chamava “Senhor” ao Messias, referindo-se em salmos e no conhecimento de profecias, como pode este ser seu filho? Cristo é superior a David, como o próprio reconheceu.

O título de “Filho de David” não está, para Mc, à altura do mistério de Jesus. Jesus é o Senhor de David e de todos os homens.


Mc 12, 38-40: Condenação do farisaísmo

Jesus adverte aqueles que se aproveitam dos ritos e leis sagradas e distorcem a seu favor, para se engrandecerem, pois o mal que fizerem não será esquecido e terá repercussões.


Mc 12, 41-44: A oferta da viúva pobre

O que oferecemos a Deus mede-se em valor pelo espírito em que é oferecido e consoante a privação que representa. Por isso, a viúva deu muito mais do que os outros, porque deu tudo quanto possuía.


Mc 13, 1-2: Discurso escatológico

Nesta passagem, inicia-se o discurso escatológico ou apocalíptico, que segue até ao final do capítulo. Refere-se à destruição do templo, à ruína de Jerusalém, às perseguições e vale para todos os tempos críticos da história.

O templo que Salomão edificou, e que foi reconstruído após o exílio da Babilónia, foi restaurado por Herodes, o Grande. Pouco depois da inauguração, foi completamente destruído pelos romanos, no ano 70, 1030 anos após o primeiro templo. Com ele, desapareceria o símbolo da teocracia de Israel. É o fracasso de toda a pretensão de restaurar o reino de David.


Mc 13, 3-8: Sinais precursores

v. 3: André encontra-se nesta passagem associado aos três discípulos que são testemunhas dos grandes momentos da vida de Jesus: ressurreição da filha de Jairo; transfiguração; oração no Getsémani. Também terá um papel determinante e será martirizado na história da Igreja primitiva cristã.

v. 5-8: Recomenda atenção para não se deixar levar por falsos Messias e aos acontecimentos, mas não será o fim: a mensagem final é de esperança no Senhor.

O acontecimento central é a Parusia ou vinda do Filho do Homem, sinal de libertação para os eleitos. Deus é o único Senhor da História, só Ele a fará terminar e quando o quiser.

Mc 13, 9-13: Perseguição aos discípulos

Continua na sequência do texto anterior. A Palavra deve ser levada a todas as nações, e o Espírito Santo falará pelo missionário. Apesar de todas as guerras e desentendimentos, mesmo entre família, quem manter a fé em Deus será salvo.

Mc 13, 14-20: Destruição de Jerusalém

Esta passagem é uma profecia sobre a destruição de Jerusalém e do Templo, que ocorre cerca do ano 70.

v. 14: A referência “abominação da desolação” está relacionada com a colocação da estátua de Zeus no altar do templo de Jerusalém.

Este anúncio de ruína definitiva do Templo segue uma direcção própria da universalidade de Mc: não faz sentido restaurar o reino de David, que defendia um culto que excluía os pagãos. 

Mc 13, 21-23: Falsos messias

Jesus volta a advertir para estarmos atentos aos falsos profetas e falsos Messias que procuram desencaminhar-nos do caminho da Fé.


Mc 13, 24-27: Vinda do Filho do Homem

No ponto alto do discurso, Jesus fala sobre a Parusia, onde virá reunir os eleitos de toda a terra – universalidade dos escolhidos.


Mc 13, 28-32: Sinal da figueira

Da mesma maneira que interpretamos os sinais da natureza para reconhecer a mudança das estações, também devemos estar atentos aos sinais da vinda do Senhor, para nos prepararmos devidamente e não desfalecemos na fé.

Nem Jesus conhece a hora, só Deus Pai. Jesus volta a afirmar a Sua pequenez diante do Pai, tal como em 10,18; algo que é exclusivo em Mc.

Mc 13, 33-37: Vigilância

A vigilância é uma atitude cristã por excelência: há que dar atenção aos sinais dos tempos, a fim de que a fé não se perca perante os perigos e adversidades. A Parusia não deve dar lugar ao medo ou ansiedade, mas sim, ser uma mensagem de esperança.

v. 35: Jesus refere quatro vigílias ou partes da noite que eram, na Antiguidade: à tarde - 18-21h; à meia-noite - 21-24h; ao cantar do galo - 0-3h; de manhãzinha - 3-6h.

Em suma, Jesus adverte os cristãos para não se deixarem desorientar por falsos testemunhos, tendo consciência das difíceis condições que os espera na luta pelo Reino de Deus, mas com uma mensagem final de esperança: quem perseverar até ao fim será salvo.

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