23 de mar. de 2012

II. Mistério na Galileia - Mc 2, 1 - 3, 6

Mc 2, 1 a Mc 3, 6 apresenta cinco discussões com os fariseus sobre as antigas práticas e a nova mensagem do Evangelho. Em cada interpretação excessiva e rigorosa da Lei, Jesus vem trazer uma nova mensagem: a Lei de
Deus é sobretudo uma Lei de amor e de liberdade da alma, não apenas rigor por rigor. Em todos estes episódios, os discípulos aparecem solidários com Jesus face aos adversários, sendo testemunhas desta Nova Lei que vem renovar a Antiga Lei Mosaica. 


1º discurso (Cura do paralítico) - Os Judeus excluem os doentes, pois tomam estes como pecadores, mas Jesus dá-lhes o perdão dos pecados e cura-os de todos os seus males.

2º discurso (Chamamento de Levi) – Os Judeus excluem os pecadores, mas Jesus e os discípulos estão com estes, porque Jesus diz “vim para salvar os pecadores.

3º discurso (Discussão sobre o jejum) – O ritualismo judaico do jejum não faz sentido quando Jesus já está connosco, apenas guardamos jejum em determinados momentos.

4º e 5º discurso (Discussão sobre o sábado e cura da mão paralisada) – O cumprimento do sábado era excessivo: Jesus vem revelar-se como Senhor do sábado e que neste deve praticar-se a misericórdia.

Nesta secção, começa a definir-se um triângulo de acção formado por três grupos que serão postos em confronto ao longo do Evangelho: Jesus e os discípulos, a multidão e os adversários.

Mc 2, 1-12: Cura de um paralítico. Perdão dos pecados.

“Dias depois, tendo Jesus voltado a Cafarnaúm, ouviu-se dizer que estava em casa. Juntou-se tanta gente que nem mesmo à volta da porta havia lugar, e anunciava-lhes a Palavra. Vieram, então, trazer-lhe um paralítico, transportado por quatro homens. Como não podiam aproximar-se por causa da multidão, descobriram o tecto do sítio onde Ele estava, fizeram uma abertura e desceram o catre em que jazia o paralítico. Vendo Jesus a fé daqueles homens, disse ao paralítico: ‘Filho, os teus pecados estão perdoados.’”

 A solidariedade que envolve o paralítico aponta para o poder sacramental da Igreja, ao serviço dos mais necessitados, como comunidade de fé. A força da fé em comunidade e a nossa insistência pessoal é caminho essencial para o perdão e cura interior de cada um dos que mais precisam. Por isso, a Igreja deve estar atenta a todas as carências dos membros da sua comunidade e exercer a misericórdia a caridade como missão fundamental.

“Ora estavam lá sentados alguns doutores da Lei que discorriam em seus corações: ‘Porque fala este assim? Blasfema! Quem pode perdoar pecados senão Deus?’ Jesus percebeu logo, em seu íntimo, que eles assim discorriam; e disse-lhes: ‘Porque discorreis assim em vossos corações? Que é mais fácil? Dizer ao paralítico: ‘Os teus pecados estão perdoados’, ou dizer: ‘Levanta-te, pega no teu catre e anda’? Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem na terra poder para perdoar os pecados, Eu te ordeno – disse ao paralítico: levanta-te, pega no teu catre e vai para tua casa.’ Ele levantou-se e, pegando logo no catre, saiu à vista de todos, de modo que todos se maravilhavam e glorificavam a Deus, dizendo: ‘Nunca vimos coisa assim!’”

A autoridade de Jesus é questionada, pois a filiação divina de Jesus não é reconhecida, nem a verdadeira natureza do Messias é compreendida por aqueles que melhor deveriam saber, rigorosos cumpridores da Lei Mosaica e estudiosos das Escrituras. Intitulando-se Filho do Homem, Jesus evoca o mistério da Sua pessoa, Deus-Homem, no qual se entrelaçam força e fraqueza, a divindade e a humanidade.

O perdão do paralítico é precedido pela cura pois, na Antiguidade, as doenças surgiriam como castigo divino pelos pecados em cada um. Nesta passagem, pode também ler-se como o pecado origina a doença da alma. Uma alma doente precisa restabelecer-se pelo poder de Deus para poder converter-se e receber o Senhor em seu coração. O perdão é um dom messiânico por excelência: Jesus, como Messias, tem o poder de perdoar, e do perdão, vem a cura de todo o mal que impede o homem de viver em toda a sua plenitude.

Mc 2, 13-17: Chamamento de Levi

“Jesus saiu de novo para a beira-mar. Toda a multidão ia ao seu encontro, e Ele ensinava-os. Ao passar, viu Levi, filho de Alfeu, sentado no posto de cobrança, e disse-lhe: ‘Segue-me.’ E, levantando-se, ele seguiu Jesus.”

Levi, filho de Alfeu, era também conhecido como Mateus, o autor de um dos quatro Evangelhos. Era cobrador de impostos, profissão muito mal vista na sociedade, pois os cobradores recebiam impostos para o império romano, ficando com uma parte das receitas para si, pelo que eram vistos como pecadores e excluídos da sociedade judaica.

 Depois, quando se encontrava à mesa em casa dele, muitos cobradores de impostos e pecadores também se puseram à mesma mesa com Jesus e os seus discípulos, pois eram muitos os que o seguiam. Mas os doutores da Lei do partido dos fariseus, vendo-o comer com pecadores e cobradores de impostos, disseram aos discípulos: ‘Porque é que ele come com cobradores de impostos e pecadores?’ Jesus ouviu isto e respondeu: ‘Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os enfermos. Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores.’”

Jesus senta-se à mesa com os pecadores, pois vem para todos, não há excepções: para Deus, todos os homens são iguais e todos devem ser salvos. Quem reconhecer as suas fraquezas e abrir o seu coração a Deus, recebe-O, mas quem se julga bom e pensa já não precisar de Deus, rejeita a salvação, pois não acolhe o amor que Deus lhe quer dar.

Jesus dá-nos o dom da salvação: se recebermos de coração aberto o Seu chamamento pelo Evangelho, descobrimos a presença de Deus em nós e assim seremos salvos.


Mc 2, 18-20: Discussão sobre o jejum

“Estando os discípulos de João e os fariseus a jejuar, vieram disser-lhe: ‘Porque é que os discípulos de João e os dos fariseus guardam jejum, e os teus discípulos não jejuam?’ Jesus respondeu: ‘Poderão os convidados para a boda jejuar enquanto o esposo está com eles? Enquanto têm consigo o esposo, não podem jejuar. Dias verão em que o esposo lhes será tirado; e então, nesses dias, hão-de jejuar.’”

O jejum que os fariseus e os discípulos de João estavam a praticar seria eventualmente uma iniciativa particular, não faria parte do que era preceituado.

Os discípulos de Jesus não jejuam pela alegria de estarem com o Messias. Jesus refere-se mesmo como o noivo, usando a imagem das núpcias do Cordeiro, que simboliza a relação amorosa e permanente de Deus com o povo de Israel.

Jesus vem unir Deus ao Seu povo, é a aliança viva dessa união, por isso, estar com Ele é estar em festa. O jejum vem nos momentos em que procuramos encontrar Deus. Vivemos esses momentos de procura de forma mais insistente na Quaresma, tempo especial em que o jejum é recomendado. Quando o Filho de Deus está entre nós, é tempo de alegria e de festa, o jejum já não fará sentido.


Mc 2, 21-22: O velho e o novo

“Ninguém deita remendo de pano novo em roupa velha, pois o pano novo puxa o tecido velho e o rasgão fica maior. E ninguém deita vinho novo em odres velhos; se o fizer, o vinho romperá os odres e perder-se o vinho, tal como os odres. Mas vinho novo, em odres novos.”

Esta passagem vem na sequência da discussão de Jesus com os seus opositores, abordando a questão da mensagem nova que Ele nos traz – “pano novo”, “vinho novo” – que não é compatível com determinadas práticas ritualistas, antigas e ultrapassadas – “tecido velho”, “odres velhos”.

 O Evangelho não é compatível com práticas que já não se adequam aos tempos actuais. O Evangelho é Boa Nova, Palavra nova a ser recebida por um coração limpo e renovado (“odres novos”). Jesus não vem contradizer a Lei, mas sim renová-la, actualizá-la e completá-la.


Mc 2, 23-28: Jesus e o sábado

“Ora num dia de sábado, indo Jesus através das searas, os discípulos puseram-se a colher espigas pelo caminho. Os fariseus diziam-lhe: ’Repara! Poraue fazem eles ao sábado o que não é permitido?’”

A colheita das espigas com foice era associada a trabalho servil e, por isso, era proibida ao sábado. Apenas se podia colher sem foice para “matar” a fome.

“Ele disse: ‘Nunca lestes o que fez David, quando teve necessidade e sentiu fome, ele e os que estavam com ele? Como entrou na casa de Deus, ao tempo do Sumo Sacerdote Abiatar, e comeu os pães da oferenda, que apenas aos sacerdotes era permitido comer, e também os deu aos que estavam com ele?’ E disse-lhes: ‘O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado. O Filho do Homem até do sábado é Senhor.’”

O episódio que Jesus menciona está descrito no Primeiro Livro de Samuel, no capitulo 21 e é usado como exemplo para recordar a importância de o homem não se tornar escravo da Lei. Jesus vem libertar o sábado de preceitos e acrescentos para o tornar dia de serviço fraterno e de louvor ao Senhor.

Mc 3, 1-6: Cura da mão paralisada

“Novamente entrou na sinagoga. E estava lá um homem que tinha uma das mãos paralisada. Ora eles observavam-no, para ver se iria curá-lo ao sábado, a fim de o poderem acusar.

Jesus disse ao homem da mão paralisada: ‘Levanta-te e vem para o meio.’ E a eles perguntou: ‘É permitido ao sábado fazer bem ou fazer mal, salvar uma vida, ou matá-la?’ Eles ficaram calados. Então, olhando-os com indignação e magoado com a dureza dos seus corações, disse ao homem: ‘Estende a mão.’ Estendeu-a e a mão ficou curada.

Assim que saíram, os fariseus reuniram-se com os partidários de Herodes para deliberar como haviam de matar Jesus.”

Jesus afirma a necessidade de praticar as obras de misericórdia ao Sábado, como forma de santificar este dia e de louvar a Deus. Todos os dias são de salvação e amor, e o Dia do Senhor deve ser também o dia da caridade.



Estes cinco discursos apresentam a perspectiva nova do Evangelho sobre a Lei do Senhor: esta não foi feita para nos subjugar, mas para nos libertar e unir mais ao Pai. Devemos procurar viver a Lei nas nossas vidas, usando de misericórdia e praticando a caridade, tornando Deus presente em cada momento das nossas vidas.

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