19 de abr. de 2011

IIª PARTE: A COMUNIDADE NO REINO DE DEUS (16-28)


Introduzida pelo episódio-chave da confissão de Pedro (16, 13 –20), esta secção vai consistir na revelação do Filho pelo Pai através da comunidade. Mas esta comunidade também, muitas vezes, pela sua própria fraqueza, procura afastar Jesus da Sua missão.


Ensino sobre a Igreja (Mt 16-20)

Sobre Pedro, Jesus vai construir a sua Igreja, e nesta secção, durante a caminhada para Jerusalém, Jesus vai transmitir ensinamentos sobre o que deve ser esta Igreja.
Esta secção divide-se em três partes:
1) A Igreja e a Cruz (Mt 16-17);
2) O discurso sobre a Igreja (Mt 18);
3) Do poder ao serviço (Mt 19-20).


1 – A Igreja e a cruz (Mt 16-17)
Esta parte organiza-se em torno dos anúncios da Paixão, reunindo os discípulos que aceitam tomar a Cruz do Mestre.

Primeiro anúncio da Paixão (Mt 16, 21-23)
Condições para seguir Jesus (Mt 16, 24-28)
Estas duas passagens reflectem sobre a vida do cristão: é uma caminhada no seguimento do Crucificado, na renúncia da própria vida. Compreende três cenas:
1) Aos que acabam de reconhecer Jesus como o Cristo, Ele anuncia a Sua Paixão;
2) Pedro protesta e é repreendido por Jesus – o caminho é difícil de aceitar por parte do discípulo;
3) Jesus dirige-se aos discípulos para os ensinar sobre a Igreja: Seguir Jesus é aceitar a cruz e renunciar; considerar-se como o centro de tudo é perder a sua vida; o Filho do Homem julgará cada um consoante as suas obras.
Ao ritmo do texto:
(v.21) “A partir desse momento”, Jesus começa a anunciar o mistério glorioso e sofredor que o esperava em Jerusalém, sendo este o primeiro de três anúncios da Paixão e Ressurreição do Senhor, o que realça a importância deste acontecimento e um ponto de viragem no Evangelho.
(v.23) Jesus rejeita as sugestões de Pedro tal como resistiu às tentações no deserto. Pedro estaria a ser “pedra de estorvo” ou “escândalo”, afastando-o do caminho que tinha de seguir com as suas sugestões.
 (v.24) Seguir Jesus é uma opção radical que exige tudo do discípulo. Exige tomar a sua própria “cruz”, a sua vida, e dedicar esta plenamente ao Reino de Deus. Querer salvar-se a si mesmo, pondo a salvo as seguranças materiais, é perder-se de Deus.
(v.27) É Jesus quem julga cada um, e retribuirá segundo as suas obras.

Transfiguração de Jesus (Mt 17, 1-9)
A Transfiguração vem esclarecer os três anúncios da Paixão de Jesus, que irá acontecer em Jerusalém, porque revela a divindade de Jesus a quem o discípulo deve escutar.
(v.1) Não é dada a localização do “alto monte”, porque Jesus é a verdadeira montanha da revelação de Deus. No entanto, a tradição situa a Transfiguração no monte Tabor, entre o Monte Horeb e Sinai, ligados às figuras do AT, Elias e Moisés.
Os discípulos que acompanham Jesus são os que estarão com Ele no Getsémani.
O alto monte em que Deus glorifica o Seu Filho pela Transfiguração opõe-se ao monte “muito alto” onde o diabo oferecia a Jesus todos os reinos do mundo.
(v.2) A Transfiguração de Jesus faz d’Ele um personagem celeste.
(v.3) Moisés e Elias representam a Lei e a Profecia, nas quais assentava a Antiga Aliança.
(v.4) A indicação de seis dias no v.1 pode estar relacionada com a aparição da glória divina do Sinai a Moisés em Ex 24, 16, ou a Festa das Tendas com o jejum de expiação que a precedia.
(v.5) A nuvem é sinal de teofania: da presença de Deus manifestada através de um fenómeno atmosférico. No baptismo, a voz vinda do Céu designava Jesus como Filho dirigindo-se apenas a Ele; na Transfiguração, a voz dirige-se a todos os discípulos.
(v.9) Com a sua ordem, Jesus pretende que a sua missão não seja interpretada de uma forma terrena, e por isso pede o segredo messiânico aos discípulos. A expressão “Filho do Homem” é uma designação que Jesus atribui a si mesmo como sendo um ser humano mas, também, o ser celeste a quem Deus confere a realeza e o juízo universais.

A vinda de Elias (Mt 17, 10-13)
Elias foi um profeta do AT que subiu ao céu e que deveria voltar à terra para preparar o povo para acolher o Messias. Jesus identifica-o como sendo João Baptista, que foi morto por Herodes. Ambos estão unidos na mesma missão sofredora e ambos são rejeitados.

O jovem epiléptico (Mt 17, 14-21)
Com a cura do epiléptico, Jesus convida a Igreja a ultrapassar a fraqueza da sua fé (dificuldade dos discípulos em curar o jovem), antes de produzir milagres brilhantes.
(v.18) Mateus só admite uma possessão após a expulsão de Jesus. Na Antiguidade, pensava-se que a epilepsia estava relacionada com as fases da Lua ou a um espírito de doença.

Segundo anúncio da Paixão (Mt 17, 22-23)
Este é segundo anúncio da Paixão, em que Jesus volta a reforçar aos discípulos, o que lhe vai acontecer em Jerusalém.

O tributo do templo (Mt 17, 24-27)
Jesus, enquanto Filho de Deus e, portanto, Senhor do Templo, não era obrigado a pagar o imposto; mas quis fazê-lo por Ele e por Pedro, para evitar o escândalo. Existe também aqui uma mensagem de confiança: os discípulos têm uma relação filial com Deus, por isso não precisariam também de pagar o imposto.



2 – O Discurso Eclesial (Mt 18)
É o quarto grande discurso do Evangelho, incidente sobre a Igreja. Esboça duas orientações fundamentais: a Igreja deve tomar os pequenos e aqueles cuja fé é fraca a seu cuidado, e deve constituir-se como comunidade fraterna, graças à prática do perdão.

O maior no Reino (Mt 18, 1-5)
O maior no Reino é o que percebe a sua pequenez face à grandeza do Reino. Convidados a tornarem-se simples e dependentes como as crianças no Reino do Pai, os discípulos devem acolher também os pequeninos, ou seja, os marginalizados pela sociedade.

Escândalo (Mt 18, 6-9)
O acolhimento dos “pequenos” deve ser feito, ajudando-os a afastarem-se do mal. Tudo o que leva o discípulo ao pecado, tudo isso ele deve afastar da sua vida.
(v.7) A palavra “mundo” designa o mundo das pessoas, a humanidade, onde o mal exerce o seu poder.
(v.8) Entrar na Vida significa ter parte na salvação, na vida eterna.
(v.9) A Geena era um vale de Jerusalém onde outrora tinham sido sacrificadas crianças, pelo que era uma imagem do inferno.

A ovelha tresmalhada (Mt 18, 10-14)
A ovelha tresmalhada representa todos os membros da comunidade em risco de se perderem devido ao desprezo ou severidade dos chefes da comunidade. Por eles se deve lutar, mesmo que sejam uma minoria, para conservar a comunidade unida.

Correcção fraterna (Mt 18 15-18)
Esta passagem destinava-se a moderar o rigor com que se exigia a expulsão dos pecadores da comunidade, procurando primeiro recuperar o “irmão perdido” para a comunidade. Só se o irmão não estivesse disposto a reconhecer a sua culpa perante a comunidade, é que se daria a expulsão, pois este já não estaria na disposição de ser cristão,
(v.18) O poder de “desligar e ligar” conferido a Pedro é também comunicado aos outros ministros da Igreja, adquirindo uma dimensão comunitária.

Oração comunitária (Mt 18, 19-20)
A oração é sinal e raiz da comunhão com o Senhor Jesus Cristo, o Emanuel-Deus connosco. As decisões da comunidade devem ser tomadas em oração, pois através destas, Jesus está presente, iluminando e inspirando as decisões.

Perdão na comunidade (Mt 18, 21-35)
Esta parte passa do “irmão que peca” ao “irmão que peca contra mim”. O perdão do discípulo não deve ter limites. Esta situação é ilustrada com uma parábola sobre um servo devedor.
 (v.22) Perdoar “Setenta vezes sete” significa perdoar sempre. O perdão sem limites deve ser característica do discípulo.
(v.27) A quantia elevada significa que o servo não tinha como pagar ao seu senhor, salvando-se graças à piedade deste último.
(v.32) A soma que o companheiro devia ao servo era muito menor do que quantia que fora perdoada ao servo, logo, não devia também ele ter perdoado ao seu companheiro?
Se não perdoamos ao nosso próximo, como podemos ter direito ao perdão do Senhor? Como dizemos na oração do Pai-Nosso: “Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”, cada um de nós deve perdoar ao seu irmão de todo o seu coração.
Nos conflitos inevitáveis, o cristão guardará um espírito de perdão fundamental que deixa a Deus o cuidado de julgar.



3 – Do poder ao serviço (Mt 19-20: Subida a Jerusalém)
Complemento do discurso eclesial, constituída por uma série de lições que convidam à conversão das relações, na passagem do domínio para o serviço. A cura dos dois cegos de Jericó é uma cena sobre vocação: estes cegos seguem Jesus no caminho para a Paixão.

Jesus e o divórcio (Mt 19, 1-9)
Jesus sai da Galileia e dirige-se a Jerusalém, onde cumprirá o destino de Messias sofredor. Ao colocarem-lhe uma questão sobre o casamento, Jesus regressa ao projecto original de Deus, em que o casamento é monogâmico e indissolúvel, explicando que os preceitos sobre repúdio de Moisés eram concessões temporárias dentro de um projecto muito maior, o projecto de Deus.

Casamento e celibato (Mt 19, 10-12)
Jesus propõe uma vocação especial, para além do matrimónio, não desmerecendo o valor deste. Aqueles que estão possuídos pelo absoluto do Reino, são capazes de prescindir do matrimónio para se dedicarem unicamente à missão.

Jesus e as crianças (Mt 19, 13-15)
Volta a reforçar a imagem dos pequenos do Reino, através das crianças. Só quem é simples e que se entrega com plena confiança é que pode entrar no Reino do Céu.

O jovem rico (Mt 19, 16-26)
Nesta passagem e na próxima, o evangelista põe em realce a relação entre o desprendimento dos bens próprios deste mundo e a salvação eterna.
O jovem procura Jesus, pois procura a salvação. É cumpridor da Lei, mas no entanto, sabe que algo ainda pode faltar. Jesus indica-lhe a perfeição da salvação: todo o que segue Jesus, além de cumprir a Lei, renuncia às preocupações da família e das riquezas.
Com isto, não significa que a pobreza é a única condição para se ser discípulo, pois existiram pessoas de elevada condição social que seguiram os ensinamentos de Jesus sem abandonarem a sua posição. No entanto, as riquezas tornam mais difícil este abandono a Deus, porque conduzem a preocupações terrenas que nos afastam da verdadeira preocupação: viver segundo a vontade do Pai.

Recompensa do desprendimento (Mt 19, 27-30)
Esta passagem conclui o episódio do jovem rico e o ensinamento que este encerra.
O dia da regeneração significa a transformação da humanidade e do universo já iniciada por Cristo, da qual os Apóstolos serão os principais agentes, como alicerces do novo povo de Israel. Essa regeneração é apresentada na forma de um julgamento, em que os Apóstolos são associados na perseguição, mas também na realeza de Cristo. Com o v.30, Jesus pretende dizer que os critérios de Deus e os dos homens são muito diferentes, como acontece nas bem-aventuranças.

Os trabalhadores da vinha (Mt 20, 1-16)
Esta parábola ajuda a compreender o v.30. Mostra que a bondade de Deus ultrapassa os critérios humanos da retribuição e que o prémio divino não coincide com o salário devido pela justiça humana. Perante uma justiça contratual, Deus junta uma justiça de generosidade, que não lesa uns, apenas dá gratuitamente, a quem Deus assim o achar.
Existe também uma mensagem dirigida aos fariseus, que excluem todos os que não consideram do povo de Deus: ainda que sejam chamados em último lugar, os pagãos, considerados impuros pelos judeus, tomarão o lugar dos judeus convertidos, que tinham sido chamados primeiro para a Igreja de Deus. Deus dá para todos a salvação sem distinções.

Terceiro anúncio da Paixão (Mt 20, 17-19)
Este é o último anúncio da Paixão e Ressurreição, antes da chegada a Jerusalém. Neste anúncio, Jesus já descreve com mais pormenor tudo o que se vai passar futuramente.

Poder e serviço (Mt 20, 20-28)
Os lugares à direita e à esquerda são os lugares mais importantes no Reino a seguir a Jesus. No entanto, só Deus pode determinar quem ocupará esses lugares. Os irmãos Tiago e João desejam “beber o cálice” sem compreender bem o que este implica. É a Paixão e crucifixão de Jesus. Também estes Apóstolos serão sofrerão pela Igreja: Tiago morreu mártir em Jerusalém, no ano 44 da nossa era, e João sofreu o martírio. A missão de Cristo na terra é a de sofrer para salvar as pessoas para o Reino do Pai, e não distribuir recompensas.
Perante o pedido dos dois irmãos, Jesus procura mostrar aos seus discípulos que a Igreja não deve seguir o modelo de poder político, mas que se deve sacrificar, servindo a Deus e à humanidade com amor, a exemplo de Jesus Cristo, Servo sofredor.

Os dois cegos de Jericó (Mt 20, 29-34)
O pedido dos dois cegos, apesar de ser um milagre físico, tem um sentido simbólico: o acesso do discípulo à luz da fé em Cristo e, iluminado por essa fé, segue Jesus na sua missão de entrega ao Pai.


Um comentário:

  1. Jesus revela o que deve ser a Igreja: uma comunidade de crentes que acolhe os marginalizados, que os perdoa e ajuda a encontrar Deus na sua vida, que serve, não procurando a sua própria glorificação, que segue Jesus, iluminados pela Sua luz, no serviço e dádiva de vida ao Pai, libertos de tudo o que os prende à terra. As riquezas, as relações e posições sociais exigem de nós tanto, que muitas vezes cedemos e contrariamos aquilo em que mais acreditamos. Muitas vezes, acabamos por ter gestos egoístas, não vivendo verdadeiramente o amor de Deus. Por isso, é tão difícil seguir Jesus, estando preso à terra. O desprendimento e entrega duma criança são as únicas atitudes que nos podem ajudar verdadeiramente a encontrar Deus na nossa vida e sermos verdadeiramente salvos.

    ResponderExcluir